quarta-feira, 31 de julho de 2024

Países longe de reduzir o desmatamento não têm planos concretos

Países longe de reduzir o desmatamento não têm planos concretos, alerta ONU.
Uma nova análise enfatiza que vários países que ainda estão longe da meta de reduzir o desmatamento não têm planos concretos. Uma nova análise enfatiza que vários países que ainda estão longe da meta de reduzir o desmatamento não têm planos concretos. O estudo da parceria UN-Redd envolve o Programa da ONU para o Meio Ambiente, Pnuma, a Organização das Nações Unidas para Alimentação Agricultura, FAO e ao Programa da ONU para o Desenvolvimento, Pnud.

No grupo de 20 Estados onde o desflorestamento tropical mais ocorre, o Brasil está entre oito nações que definiram metas para desacelerar a perda de cobertura florestal em nível nacional.

5,6 bilhões de toneladas de CO2

Moçambique é outro país de língua portuguesa no grupo que integra Bolívia, Peru, México, Colômbia, Camarões, Cote d’Ivoire ou Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Guiné Conacri, Libéria, Madagáscar, Serra Leoa, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã.

Coletivamente, estes territórios emitiram 5,6 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, tCO2e, através do desmatamento tropical a cada ano entre 2019 e 2023.

A análise alerta que o tempo está se esgotando para proteger as florestas do mundo na sequência do compromisso assumido na Declaração de Líderes de Glasgow, prevendo reverter a perda florestal até 2030.

Em termos de metas internas, o relatório Aumentar a ambição, acelerar a ação: Rumo a Contribuições Nacionalmente Determinadas aprimoradas para florestas aponta grandes lacunas florestais em campos como proteção, gestão e restauração.

As emissões resultantes do desmatamento tiveram uma alta desde a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra buscando “interromper e reverter a perda florestal e a degradação da terra até 2030, ao mesmo tempo em que proporciona desenvolvimento sustentável e promove uma transformação rural inclusiva”.

Aumento nas emissões

Entre 2019 e 2022, o Brasil aparece como uma exceção na América Latina e o Caribe diante do aumento nas emissões resultantes do desflorestamento. Em terras brasileiras, a desflorestação teve uma queda de 22%.

O relatório indica que em relação às promessas feitas entre 2017 e 2023, os países não atingiram as metas globais de redução pela metade ou reversão do desmatamento que se pretende até 2030. Apenas oito das 20 nações com maior desflorestamento tropical estabeleceram metas para reduzir a perda de cobertura de árvores em suas NDCs.

O México destaca-se por ter incluído uma meta de adaptação para atingir zero líquido até 2030. A área mexicana reflorestada corresponderia ou excederia a área desmatada.

Bolívia mira em baixar o desmatamento em 80% até o fim da década. Metade dessa redução está condicionada ao apoio internacional.

Acordo de Paris

Já a Cote d’Ivoire, conhecida como Costa do Marfim, promete baixar incondicionalmente a taxa em 70% em relação aos níveis de 2015.

A Colômbia promete baixar o desmatamento para 50 mil hectares/ano até 2030 usando abordagens de cooperação, tal como prevê o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, para que possa atingir o desflorestamento absoluto.

No entanto, o relatório aponta a falta de clareza em relação a promessas. Um dos exemplos é que as metas de cinco países são baseadas em quantidade de hectares. Já os alvos de três Estados têm por base as emissões, por exemplo, toneladas de CO2 equivalente. Outros três deles têm os dois parâmetros conjugados.

Relevância das florestas

Ainda em relação ao Brasil, as NDCs não contêm nenhuma meta relacionada a florestas. No entanto, o Plano de Ação para prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal prevê acabar com a desflorestação até 2030.

A análise internacional conclui que os compromissos dentro das NDCs dos 20 países com as maiores emissões por perda de cobertura de árvores não são suficientes para atingir a meta definida.

O relatório da ONU observa ainda a relevância das florestas por oferecerem serviços benéficos aos ecossistemas como a manutenção da qualidade da água, fornecimento de habitat para polinizadores e recursos para comunidades. As matas também atuam como sumidouros de carbono essenciais ao contribuir para mitigar as mudanças climáticas.

Mas a agricultura está entre as principais razões para o desmatamento devido à demanda internacional por commodities como óleo de palma, soja e carne bovina.

A caminho da COP30

O documento recomenda o reforço, a melhora e alinhamento das medidas baseadas em florestas mencionadas nas NDCs com as políticas nacionais claramente definidas. Outra recomendação é a necessidade de atuação coordenada entre os países desenvolvidos e florestais para atingir metas definidas em nível internacional.

Sugestão é o aumento dos preços do carbono florestal na faixa entre US$ 30-50 / tonelada de emissões de CO2 no mercado de carbono.

O relatório observa ainda que devem ser promovidos modelos como participação de comunidades locais e dos povos indígenas, e ainda o reconhecimento de suas terras florestais e direitos de carbono para a proteção das florestas.

A redução bem-sucedida do desmatamento na Amazônia brasileira em 2023 é atribuída à aplicação aperfeiçoada das leis existentes em meio a atividades ilegais que ocorrem em terras indígenas.

A realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, COP30, em território brasileiro é tida como um marco global para a ambição na proteção florestal.

O relatório ressalta que à medida que os países se preparam para a apresentação da próxima rodada de NDCs no evento, aqueles que tenham extensa cobertura florestal, devem incluir metas concretas e mensuráveis sobre florestas em suas NDCs revisadas. (biodieselbr)

Mortes, destruição e a urgência da adaptação

Crise Climática no Brasil: Mortes, destruição e a urgência da adaptação.
Enchente no Rio Grande do Sul.

Chuvas no Rio Grande do Sul são apenas um exemplo das consequências da mudança climática no Brasil. Adaptação urgente é necessária para enfrentar eventos extremos e garantir o futuro do país.

O estado de calamidade no Sul e as mudanças climáticas

Os gaúchos estão sofrendo há mais de um mês as consequências do rastro de destruição provocado por um extremo climático. Mas esse não é o primeiro caso em nosso país. No ano passado, para dar um exemplo nem tão distante assim, parte do litoral norte do estado de São Paulo foi devastada pelo que foi considerado o maior temporal da história do Brasil. Morros vieram abaixo arrastando toda a vegetação, provocando um grande mar de lama, derrubando casas, tirando vidas. No Rio Grande do Sul, o número de mortos já passa de 170, mais de 40 pessoas ainda seguem desaparecidas, além de 2,3 milhões severamente afetadas e ainda muitas cidades que estão sob a água ou na iminência de alagamentos.

De acordo com o pesquisador Humberto Barbosa, fundador e coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas (Lapis), em 2024 o Brasil está sujeito a outros eventos extremos climáticos em função das massas de ar provocadas naturalmente e por ação do homem. Isso reforça nosso papel nessas tragédias, visto que enquanto não cessarmos de fato práticas que colaboram potencialmente para a ampliação das mudanças climáticas, episódios como este do Sul se tornarão cada vez mais frequentes.

Cidades enfrentam efeitos da crise climática e buscam adaptação.

Embora existam diversos acordos e movimentos para descarbonização, transição energética, proteção de solos e biomas, já vivemos em um estado de emergência que demanda adaptações. Mas, até mesmo esse período em que deveríamos nos preparar para eventos inevitáveis como os que presenciamos no Rio Grande do Sul e em São Paulo, está sendo negligenciado. De acordo com relatório global publicado Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o progresso na adaptação climática está desacelerando, justamente quando deveríamos estar acelerando e, assim, conseguir acompanhar os crescentes impactos de mudança climática e seus riscos para a humanidade, a natureza e a economia mundial. Segundo a ONU, o financiamento da adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento registrou uma queda de 15% em 2021.

Este retrocesso trata-se de um grande equívoco do ponto de vista ambiental, social e econômico. Para demonstrar o quanto o investimento em adaptação climática é urgente e necessário, estudos recentes indicam, por exemplo, que para cada bilhão de dólares investido na adaptação contra inundações costeiras, a redução em danos chega a aproximadamente 14 bilhões. Quando olhamos para a produção de alimentos, 16 bilhões investidos em agricultura sustentável por ano podem evitar que 78 milhões de pessoas passem fome ou fome crônica devido aos impactos climáticos.

O que aconteceu no Rio Grande do Sul é apenas uma de várias consequências das mudanças climáticas que testemunharemos nos próximos anos, incluindo tempestades catastróficas, secas intensas, escassez de água potável, incêndios severos, aumento do nível do mar, derretimento do gelo polar e declínio da biodiversidade. Mudanças que afetam a nossa saúde, nossa capacidade de cultivar alimentos, habitação, segurança e economia, entre muitos outros fatores que podem ser facilmente citados. Portanto, precisamos agir.

Como as cidades tentam se adaptar à mudança climática

Ainda que os investimentos para as necessárias adaptações climáticas sejam realmente significativos, se não acelerarmos o ritmo de redução de emissões, aliando à adaptação climática, a conta certamente será muito maior. É preciso mudar o presente para garantirmos o futuro desta e das próximas gerações. (ecodebate)

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Impactos das florestas fragmentadas nas interações ecológica

Na maioria dos casos relatados de fragmentação de florestas tropicais houve perda de espécies por meio, principalmente, da destruição do seu habitat; redução do tamanho da população; inibição ou redução da migração; efeito de borda alterando o microclima, principalmente em fragmentos menores; eliminação de espécies.
Caros colegas,

Estudo, referenciado abaixo, é uma meta-análise global, que revela como as interações ecológicas podem ser dramaticamente distorcidas em florestas fragmentadas.

Combinamos mais de 100 estudos para avaliar como a fragmentação do habitat afeta mutualismos ecológicos (como polinização ou dispersão de sementes) e antagonismos (como predação ou competição) entre espécies.

A fragmentação florestal é uma grave ameaça à biodiversidade. As florestas estão se tornando cada vez mais fragmentadas, com mais de 70% agora a 1 km da borda da floresta.

Embora muito se saiba sobre os efeitos da fragmentação florestal em espécies individuais, muito menos se entende sobre seus efeitos nas interações das espécies (ou seja, mutualismos, antagonismos, etc.).

Em 2014, uma meta-análise anterior avaliou os impactos da fragmentação florestal em diferentes interações de espécies, em 82 estudos. O agrupamentou os dados anteriores com dados publicados nos últimos 10 anos (total combinado 104 estudos e 168 tamanhos de efeito).

Comparamos o novo conjunto de publicações (22 estudos e 32 tamanhos de efeito) com o conjunto antigo para avaliar possíveis mudanças nas interações de espécies ao longo do tempo, dado o aumento global das taxas de fragmentação. Os mutualismos foram mais afetados negativamente pela fragmentação da floresta do que os antagonismos (p < 0,0001).

As engrenagens da floresta

Efeitos de borda, tamanho de fragmentos e degradação afetaram negativamente os mutualismos, mas não os antagonismos, uma descoberta diferente da meta-análise original. As interações parasitárias aumentaram à medida que o tamanho do fragmento diminuiu (p < 0,0001) – um resultado intrigante em variância com estudos anteriores.

Novas publicações mostraram um tamanho de efeito médio mais negativo da fragmentação florestal sobre os mutualismos do que as publicações antigas. Embora a pesquisa ainda seja limitada para algumas interações, identificamos uma tendência científica importante: a pesquisa atual tende a se concentrar em antagonismos.

Concluímos que a fragmentação florestal interrompe importantes interações de espécies e que essa interrupção aumentou ao longo do tempo.

As principais descobertas incluem:

· No geral, mutualismos foram mais fortemente afetados pela fragmentação do que antagonismos

· O parasitismo pode aumentar em habitats fragmentados

· Muitos pesquisadores estão atualmente estudando antagonismos ecológicos, mas é necessário mais foco em mutualismos vulneráveis

Por favor, se julgar relevante, compartilhe este artigo com seus colegas e alunos.

Cientistas apontam o aumento em 37% das perdas de carbono florestal pelo desmatamento na Amazônia.

Tudo de bom a todos (as),

Bill (ecodebate)

O estado de calamidade no Sul e as mudanças climáticas

Os gaúchos estão sofrendo há mais de um mês as consequências do rastro de destruição provocado por um extremo climático. Mas esse não é o primeiro caso em nosso país. No ano passado, para dar um exemplo nem tão distante assim, parte do litoral norte do estado de São Paulo foi devastada pelo que foi considerado o maior temporal da história do Brasil. Morros vieram abaixo arrastando toda a vegetação, provocando um grande mar de lama, derrubando casas, tirando vidas. No Rio Grande do Sul, o número de mortos já passa de 170, mais de 40 pessoas ainda seguem desaparecidas, além de 2,3 milhões severamente afetadas e ainda muitas cidades que estão sob a água ou na iminência de alagamentos.

De acordo com o pesquisador Humberto Barbosa, fundador e coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas (Lapis), ainda em 2024 o Brasil está sujeito a outros eventos extremos climáticos em função das massas de ar provocadas naturalmente e por ação do homem. Isso reforça nosso papel nessas tragédias, visto que enquanto não cessarmos de fato práticas que colaboram potencialmente para a ampliação das mudanças climáticas, episódios como este do Sul se tornarão cada vez mais frequentes.

Cidades enfrentam efeitos da crise climática e buscam adaptação.

Embora existam diversos acordos e movimentos para descarbonização, transição energética, proteção de solos e biomas, já vivemos em um estado de emergência que demanda adaptações. Mas, até mesmo esse período em que deveríamos nos preparar para eventos inevitáveis como os que presenciamos no Rio Grande do Sul e em São Paulo, está sendo negligenciado. De acordo com relatório global publicado Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o progresso na adaptação climática está desacelerando, justamente quando deveríamos estar acelerando e, assim, conseguir acompanhar os crescentes impactos de mudança climática e seus riscos para a humanidade, a natureza e a economia mundial. Segundo a ONU, o financiamento da adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento registrou uma queda de 15% em 2021.

Este retrocesso trata-se de um grande equívoco do ponto de vista ambiental, social e econômico. Para demonstrar o quanto o investimento em adaptação climática é urgente e necessário, estudos recentes indicam, por exemplo, que para cada bilhão de dólares investido na adaptação contra inundações costeiras, a redução em danos chega a aproximadamente 14 bilhões. Quando olhamos para a produção de alimentos, 16 bilhões investidos em agricultura sustentável por ano podem evitar que 78 milhões de pessoas passem fome ou fome crônica devido aos impactos climáticos.

O que aconteceu no Rio Grande do Sul é apenas uma de várias consequências das mudanças climáticas que testemunharemos nos próximos anos, incluindo tempestades catastróficas, secas intensas, escassez de água potável, incêndios severos, aumento do nível do mar, derretimento do gelo polar e declínio da biodiversidade. Mudanças que afetam a nossa saúde, nossa capacidade de cultivar alimentos, habitação, segurança e economia, entre muitos outros fatores que podem ser facilmente citados. Portanto, precisamos agir.
Como as cidades tentam se adaptar à mudança climática

Ainda que os investimentos para as necessárias adaptações climáticas sejam realmente significativos, se não acelerarmos o ritmo de redução de emissões, aliando à adaptação climática, a conta certamente será muito maior. É preciso mudar o presente para garantirmos o futuro desta e das próximas gerações. (ecodebate)

sábado, 27 de julho de 2024

Maio/2024 bateu recorde de temperatura e de concentração de CO2

Maio de 2024 bate o recorde de temperatura e de concentração de CO2.
Fevereiro/2024 bateu recorde de calor para o período

“É triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não a ouve” - Victor Hugo (1802-1885)

A Terra quebrou recordes de calor e CO2 mais uma vez em maio de 2024. Nosso planeta está tentando nos dizer algo. Os sinais são de um colapso ambiental. Mas será que os 8 bilhões de habitantes do mundo, ou, pelo menos, as elites econômicas e políticas, estão escutando os recados da natureza?

O mês de maio de 2024 é o 12º mês seguido de recordes de temperatura. A temperatura média global em maio de 2024 foi 1,52°C acima da média pré-industrial de 1850–1900. Maio marca, também, o 11º mês consecutivo (desde julho de 2023) com temperatura igual ou superior a 1,5°C. Nos últimos 12 meses, apenas o mês de junho de 2023 ficou abaixo do limite mínimo do Acordo de Paris que é 1,5ºC, conforme mostra o gráfico abaixo do Instituto Copernicus.

Existe a possibilidade de a temperatura global em 2024 ser mais elevada do que a de 2023. A temperatura média global dos últimos 12 meses (junho de 2023 a maio de 2024) é a mais alta já registrada na história, com 0,75°C acima da média de 1991–2020 e com 1,63°C acima da média pré-industrial de 1850–1900, conforme mostra o gráfico abaixo também do Instituto Copernicus.

A área em destaque no gráfico abaixo mostra que entre os meses de junho de 2023 e maio de 2024 a temperatura dos oceanos bateu todos os recordes históricos, com uma larga margem, ficando bem acima da média do mesmo período de 2022 a 2023. No Dia Mundial dos Oceanos, que é celebrado anualmente a cada 8 de junho, é preciso reconhecer que os mares enfrentam uma tripla ameaça: calor extremo, perda de oxigênio e acidificação. A perda da vida marinha é uma ameaça existencial para a civilização humana.

Este aumento extraordinário da temperatura planetária é resultado da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento da cobertura vegetal da Terra. Antes da Revolução Industrial e Energética – que deu início ao uso generalizado e desregrado dos hidrocarbonetos – a concentração de CO2 na atmosfera, na média, permaneceu abaixo de 280 partes por milhão (ppm), por um largo período de tempo. Mas a queima de carvão, petróleo e gás turbinou o crescimento demoeconômico, ao mesmo tempo que jogava grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera.

O clima do Planeta ficou praticamente estável durante todo o Holoceno (últimos 12 mil anos). Mas começou a mudar rapidamente no Antropoceno – época em que os seres humanos se transformaram em uma força geológica que está colocando em xeque as condições de habitabilidade da Terra.

Nos últimos 250 anos houve um grande aumento do volume populacional e um progresso extraordinário das condições de vida da humanidade, com redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, avanços significativos nos níveis de educação, com significativa melhoria nas condições de moradia e no aumento padrão de consumo.

Tudo isto teve um custo ambiental terrível, com a aceleração das mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. Entre 1773 e 2024, a economia global cresceu 157 vezes, população mundial cresceu 9,1 vezes e a renda per capita cresceu 17 vezes. O conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta.

As emissões globais de CO2 que estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram cerca de 40 bilhões de toneladas em 2023.
Em consequência, a concentração de CO2 que manteve uma média entre 200 e 300 ppm durante mais de 800 mil anos, começou a subir no século XIX, atingiu 300 ppm em 1920, chegou a 310 ppm em 1950, alcançou 350 ppm em 1987, registrou 400 ppm no ano do Acordo de Paris, em 2015, e marcou o recorde de cerca de 427 ppm em maio de 2023, conforme mostra o gráfico abaixo, da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.

A emergência climática é a principal ameaça à vida na Terra. Como disse o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres: “Estamos no caminho para o inferno climático”. Se esta rota não for alterada, as consequências serão catastróficas para os ecossistemas, a economia e a população mundial.

Os desastres que ocorreram com as inundações no Rio Grande do Sul em maio de 2024 e na Alemanha em junho de 2024 são graves, mas são apenas um aviso de eventos mais danosos que virão no futuro. (ecodebate)

6 cidades brasileiras registraram recordes de temperaturas em 2024

Seis cidades brasileiras registraram recordes de temperaturas em 2024.

No Brasil, as cidades de Vila Velha (ES), Maceió (AL), São Luís (MA), Belém (PA), Fortaleza (CE) e Salvador (BA) tiveram mais de 81 dias com recordes de temperaturas.
Relatório registra aumento da probabilidade de calor extremo devido às mudanças climáticas nos meses de março a maio; no Brasil, 44 milhões de pessoas sofreram cinco vezes mais exposição a altas temperaturas, em um período de 60 dias

Março, abril e maio de 2024 quebraram recordes mensais de temperatura global. Cerca de uma em cada quatro pessoas no planeta enfrentou temperaturas acima do comum, devido às mudanças climáticas.

Essa é a análise do relatório “Pessoas expostas à mudança climática: março-maio de 2024” (People Exposed to Climate Change: March-May 2024) divulgado em 06/06/24 pela Climate Central, organização americana de monitoramento meteorológico. ‎   ‏ 

Segundo o relatório, os efeitos das mudanças induzidas pelo homem, foram evidentes em todas as regiões do mundo, particularmente sob a forma de calor extremo. No Brasil, as cidades de Vila Velha (ES), Maceió (AL), São Luís (MA), Belém (PA), Fortaleza (CE) e Salvador (BA) tiveram mais de 81 dias com recordes de temperaturas. Segundo o Índice de Mudança Climática (CSI, sigla em inglês) do Climate Central, o calor registrado nesses dias atingiu nível 3 ou superior, indicando que essa temperatura mais alta se tornou pelo menos três vezes mais provável por conta das mudanças climáticas causadas pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre.

Em todo o país, mais de 44 milhões de pessoas foram expostas ao calor incomum, em um período de 60 dias, chegando ao nível 5 ou superior do CSI. A análise coletou dados sobre temperatura e clima em 175 países e 684 cidades ao redor do planeta. Os pesquisadores concluíram que a exposição global atingiu o pico em 6 de abril de 2024, quando 2,7 bilhões de pessoas (uma em cada três pessoas em todo o mundo) experimentaram um calor incomum.

‎ O relatório também aponta que 44% de todas as pessoas na África e uma em cada três pessoas na América do Sul experimentaram os níveis mais extremos de calor provocados pelas mudanças climáticas (pelo menos 60 dias no total no nível 5 do CSI) durante os últimos três meses. As cidades com maior exposição ao calor no mundo foram: Quito (Equador), Makassar (Indonésia), Cidade da Guatemala (Guatemala), Caracas (Venezuela), Kigali (Ruanda) e Monróvia (Libéria).

Países com maior duração e intensidade do CSI de março de 2024 a maio de 2024. Todos os valores CSI referem-se à temperatura média

São Paulo entre as 10 megacidades que mais enfrentaram as altas temperaturas

Outras cidades brasileiras também aparecem no levantamento do estudo, porém com menos dias de calor extremo. A cidade de São Paulo aparece no tópico das Megacidades, citadas como locais de risco térmico devido à alta densidade populacional e aos padrões de desenvolvimento territorial. Das 48 megacidades globais analisadas (com populações superiores a 10 milhões), 40 experimentaram pelo menos um dia de temperaturas extremas no nível 3 do CSI.

São Paulo entrou na lista das dez megacidades que registraram altas temperaturas durante pelo menos metade (entre 52% e 95%) de toda a temporada de março a maio, chegando a 38 dias de temperaturas nível 5 do CSI.

Megacidades globais com CSI 3 ou superior durante pelo menos metade de março a maio de 2024. (ecodebate)

quinta-feira, 25 de julho de 2024

A escolha da ignorância ante o colapso planetário

Negacionismo: A escolha da ignorância ante o colapso planetário.
“Sem um clima minimamente estável e sem florestas, não há agricultura, estabilidade dos ciclos hidrológicos e, sobretudo, possibilidade de regulação térmica dos organismos”.

A evidência do desastre planetário em curso e a negação dessa evidência, ou ao menos a recusa em admiti-la plenamente, são os dois traços definidores do nosso tempo. De onde a posição central em nossos dias do problema do negacionismo, fomentado pela desinformação e pelo autoengano. Negacionismo é um termo polissêmico, que apresenta diversas facetas e gradações, desde a mais tosca e pueril, típica da extrema-direita, à mais douta e universitária, camuflada na ficção do “crescimento sustentável”.  Ao contrário da acepção original do termo negacionismo, que tentava relativizar ou negar a existência dos campos de extermínio criados pelo Terceiro Reich, o negacionismo contemporâneo tem por foco descreditar o consenso científico. Ele deve ser definido como a recusa cega e irracional em aceitar os alertas científicos sobre as causas das catástrofes locais e regionais já observadas cotidianamente, sendo que tal recusa implica escolher a própria ruína. Essa escolha é motivada em geral por interesse econômico, mas também pela ideologia do desenvolvimentismo, por um investimento na própria ignorância, por fanatismo religioso e, mais frequentemente, por um misto de todas essas motivações.

No quadro geral desse desastre planetário, a emergência climática e a aniquilação da biodiversidade são as crises mais sistêmicas. O clima é a condição de possibilidade das florestas, e as florestas são, por sua vez, a condição de possibilidade da estabilidade do clima. Sem um clima minimamente estável e sem florestas, não há agricultura, estabilidade dos ciclos hidrológicos e, sobretudo, possibilidade de regulação térmica dos organismos. Não podemos – nós e as demais espécies – sobreviver fora de nosso nicho climático. Trata-se de uma impossibilidade biológica, indiferente às pretensas balas de prata da tecnologia. Mas há muito mais a nos confrontar do que a emergência climática e a biodiversidade. O adensamento (intensificação e maior frequência) de inúmeras crises sistêmicas, agindo em sinergia e reforçando-se reciprocamente, indicam de modo cada vez mais inequívoco a iminência de um desastre coletivo.

Esbocemos um quadro geral das mais importantes dessas crises:

1. aumento contínuo do consumo de energia (sobretudo fóssil, mas não apenas)

2. aumento igualmente contínuo da mineração, com inaceitáveis impactos ambientais

3. desestabilização do sistema climático, sobretudo pela queima de combustíveis fósseis

4. desregulação dos ciclos hidrológicos (secas e inundações) como efeito dessa desestabilização

5. elevação do nível do mar, afetando infraestrutura, recursos hídricos e ecossistemas costeiros

6. substituição da agricultura pelo agronegócio no âmbito da globalização do sistema alimentar

7. destruição e degradação das florestas e demais mantas vegetais naturais pelo agronegócio

8. antropização, artificialização e degradação biológica dos solos, sobretudo pelo agronegócio

9. maior risco de epidemias e pandemias com maior extensão geográfica de seus vetores

10. facilitação de zoonoses pela criação intensiva de animais para a alimentação humana

11. aumento explosivo da geração de resíduos, inclusive na estratosfera

12. intoxicação químico-industrial da biosfera, com adoecimento crescente dos organismos

13. diminuição acentuada da fertilidade humana e de outras espécies

14. sobrepesca e destruição generalizada da vida marítima

15. aumento das espécies invasoras em escala global

16. empobrecimento genético das espécies selecionadas pelo agronegócio

17. crescente resistência bacteriana ao uso de antibióticos em humanos e em outros animais

18. aniquilação da biodiversidade decorrente dos 16 fatores precedentes

19. riscos crescentes de novas tecnologias (geoengenharia, nanotecnologia, nuclear etc.)

20. opacidade e transferência crescente de poder decisório aos algoritmos de IA

21. emprego desses algoritmos para a substituição e a precarização do trabalho

22. manipulação de comportamentos por esses algoritmos, exacerbando o individualismo

23. emprego desses algoritmos para fomentar o descrédito à ciência e à democracia

24. surtos de irracionalismo e, em particular, do fanatismo religioso

25. aumento das desigualdades e da concentração de poder nas mãos de oligarquias econômicas

26. financeirização extrema da esfera econômica

27. preponderância da economia como critério de avaliação do sucesso das sociedades

28. redução dos Estados à função de facilitadores e gestores das demandas do mercado

29. recrudescimento do patriarcalismo, do racismo e de ideologias nacionalistas e nazifascistas

30. proliferação de guerras e de conflitos armados, decorrente dos 29 fatores precedentes

Embora de tipos e naturezas muito diversas, essas crises representam facetas interligadas de uma única crise planetária da civilização a que se dá o nome de capitalismo globalizado (aí incluídas, obviamente, a Rússia e a China). Essa crise planetária pode ser melhor caracterizada como a crise de nossa civilização termo fóssil, uma civilização baseada na queima de carbono, na destruição da biosfera, na acumulação e na concentração de capital por megacorporações, na dissociação homem-natureza, na ilusão da potenciação energética ilimitada e na ideologia de que não há outro mundo possível.

No quadro geral desse elenco de crises, a emergência climática, a aniquilação da biodiversidade, a intoxicação planetária e as guerras (com risco agora extremo de uma guerra nuclear entre a Rússia e a OTAN) têm potencial, mesmo consideradas isoladamente, para ameaçar existencialmente as civilizações humanas e a sobrevivência de milhões de espécies, a nossa incluída. Mas elas estão associadas entre si e agem em sinergia com as demais crises acima enunciadas, de modo que o caos irreversível que elas estão em vias de engendrar torna-se uma quase certeza. Ocorre que há um bloqueio cognitivo, ideológico, emocional e psicológico das sociedades em aceitar e compreender essa quase certeza. E esse bloqueio, vale dizer, o negacionismo contemporâneo em todas as suas facetas e gradações, é, ele próprio, o fator decisivo na passagem da quase certeza para a certeza. O negacionismo contemporâneo torna-se, assim, o fator decisivo a nos precipitar nesse caos. Ele é o maior responsável pela baixa reatividade das sociedades face à ruína que já começa a se abater sobre a vida na Terra. Se não houver uma revolta política das sociedades à altura da extrema gravidade dessa poliédrica crise planetária, a condenação ao pior num futuro cada vez mais próximo é inapelável.

A recusa da guerra e a revalorização da política

Essa revolta política contra o caos tem por condição primeira de possibilidade a revalorização da política e a recusa de sua substituição pela guerra. Clausewitz está errado quando afirma que a guerra é a continuação da política por outros meios. Essa tese é repetida ad nauseam pelos que lucram com a guerra ou, mais amplamente, pelos que a consideram inevitável, pois que resultante da agressividade de nossa espécie. Ninguém ignora que nossa espécie é extremamente agressiva e que a guerra é parte constitutiva da história humana. Mas justamente por isso a política é a mais importante invenção de nossa espécie, pois sua finalidade é dupla. Antes de mais nada, a política permite conter e controlar essa agressividade, sublimá-la e canalizá-la para o jogo de enfrentamentos extremos, mas civis e pacíficos, entre grupos sociais, entre alianças partidárias, parlamentares e eleitorais. É justa a inversão da fórmula de Clausewitz proposta por Michel Foucault, quando afirma em 1976 que “a política é a guerra continuada por outros meios”.

Mas se a política é uma forma de guerra pela qual se pode evitar a guerra, ela é também a invenção pela qual é possível fortalecer o outro componente constitutivo de nossa espécie e de nossa história: a cooperação. A política permite imaginar outras formas de civilização nas quais a linguagem, a lógica, o conhecimento da experiência histórica, os padrões de causalidade, a argumentação, o direito e as aspirações à justiça têm melhores condições de prevalecer sobre nossa agressividade. Política e linguagem são duas faces da mesma moeda. Ambas constituem em geral o domínio do simbólico e do imaginário, e é delas que se faz a substância do melhor de qualquer civilização. A guerra, ao contrário, é a negação do poder da linguagem e, portanto, a desistência do projeto humano. Além de negar esse projeto, a guerra funciona, hoje, como: (1) uma poderosa alça de retroalimentação de todas as crises acima enunciadas e (2) um obstáculo fundamental a qualquer esforço de concertação entres as sociedades para atenuar os impactos atuais e vindouros das crises planetárias, de modo a torná-los menos adversos às sociedades e à vida pluricelular em geral. Hoje, mais que nunca, a guerra deve ser evitada, se temos, de fato, alguma intenção de sobreviver.
O triênio 2006-2008

As torres gêmeas de 2001, a guerra do Afeganistão (2001-2020), os massacres da OTAN no Kosovo e sua expansão em direção ao leste europeu (1999-2009) e, sobretudo, a invasão do Iraque em 2003 pelos EUA, que engendrou as guerras sucessivas do autodenominado Estado Islâmico (2004-2019), encerraram de vez o período em que o capitalismo globalizado podia gerar ao menos a ilusão de que algum consenso político era possível. Nesse contexto de guerras, o triênio 2006-2008 vê a conjunção de três grandes crises intimamente interligadas:

(1) A ultrapassagem do pico da curva ascendente de oferta do petróleo convencional em 2006. Como afirma a Agência Internacional de Petróleo (AIE) em seu relatório de 2010: “a oferta de petróleo cru atinge um platô ondulante entre 68 e 69 milhões de barris por dia (mb/d) até 2020, mas nunca mais ultrapassa seu pico de 70 mb/d atingido em 2006, enquanto a produção de gás natural líquido (NGLs) e de petróleo não convencional cresce fortemente”. A ultrapassagem desse pico da curva de oferta de petróleo convencional representa o fim da era do petróleo barato e facilmente acessível, com duas implicações: (a) um EROI (Energy Returned on Investement, ou seja, a taxa de energia recuperada por energia investida) cada vez mais desfavorável e (b) crescentes emissões de gases de efeito estufa por cada barril de petróleo não convencional extraído. Entre outros fatores mais conjunturais, a percepção do fim dessa era do petróleo barato e facilmente acessível causou um salto sem precedentes dos preços do barril do Brent (US$ 146,00 em julho de 2008). A crise financeira de 2008, em parte causada por esses preços estratosféricos, precipitou uma queda não menos brutal desses preços e, sucessivamente, uma crônica instabilidade nesse mercado, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Preços do barril de petróleo cru (Brent) em dólares entre 2006 e 2022.

(2) A crise dos “subprimes” nos EUA foi o estopim de um colapso financeiro mundial e possivelmente de uma desestabilização irreversível da ordem financeira global, assim como um ponto de não retorno no processo de concentração de capital e renda. Nos EUA, desde 2008, como bem salienta Victoria Finkle:

“O fosso entre os ricos e todos os outros também aumentou. O 1% mais rico dos americanos controla agora [em 2018] quase 40% da riqueza do país, enquanto os próximos 9% controlam quase a mesma quantidade. A grande maioria dos americanos, entretanto, viu a sua quota cair desde a crise – os 90% mais pobres detinham pouco mais de 20% da riqueza total em 2016, abaixo dos cerca de 30% no início da década de 2000”.

Outro efeito dessa crise foi a maior polarização política na sociedade norte-americana, com seus reflexos nos estados satélites da Europa. A incapacidade das sociedades de vislumbrar uma alternativa sistêmica e radical ao capitalismo causou o paradoxo maior dessa crise no âmbito político e ideológico: os protagonistas do neoliberalismo mais predatório assumiram aos olhos de segmentos importantes da sociedade a imagem salvífica de políticos “anti-sistema”. Em alguma medida, Trump, o Tea Party e a extrema-direita europeia e latino-americana (Bolsonaro, Milei etc.) são o resultado último da crise de 2008 ou, mais precisamente, do rancor das sociedades em face de um capitalismo financeiro globalizado incapaz de atender às suas mínimas expectativas de segurança econômica. Neste terceiro decênio, cresce entre os analistas do sistema financeiro internacional o temor de uma próxima crise financeira de magnitude igual ou superior à de 2008.

(3) Em 2007-2008, registra-se um primeiro surto nos preços dos alimentos, repetido em 2011, decorrente de secas exacerbadas pela emergência climática, de especulação financeira sobre as “commodities” agropecuárias e de cartelização dos insumos agrícolas por megacorporações agroquímicas, surto este que gerou as revoltas da fome em mais de 40 países e a chamada primavera árabe. A Figura 2 mostra esses dois saltos (2008 e 2011) nos preços dos alimentos.

Figura 2 – Índice de preços dos alimentos da FAO (FFPI) entre 1990 e 2013.

Observação: o FFPI é uma medida da variação mensal dos preços internacionais de uma cesta de produtos alimentares.

A proliferação de guerras no segundo decênio

Em parte, como resultado desses três fatores, rebentam a partir de 2011 as guerras ainda em curso na Síria, na Líbia (com o massacre da população civil por 7 mil incursões de bombardeio da OTAN em 2011), no Iêmen (a partir de 2014) e em diversos países da África subsaariana. Segundo a FAO, após decênios de progressos contínuos na diminuição da insegurança alimentar, inverte-se após 2014 essa tendência com maior generalização da fome, intensificada por governos neoliberais e, mais recentemente, pela pandemia, pela guerra da Ucrânia e demais guerras. A partir do terceiro decênio, guerras e conflitos armados internos ou entre dois ou mais estados nacionais alastram-se ainda mais pela África, pela Ásia e pela Europa. Alguns exemplos disso são as guerras que eclodiram entre 2021 e 2023 em Mianmar, Ucrânia, Sudão e Etiópia, bem como o genocídio do povo palestino pelo Estado de Israel com armas e apoio dos EUA e da Europa e com a mais completa indiferença dos países árabes (2023-2024). Essas guerras e as tensões crescentes entre Israel e o Irã adicionam ainda mais instabilidade à segurança energética e alimentar. O Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) inventariou 56 Estados nacionais em conflito armado em 2022, cinco a mais do que em 2021. O relatório de 2024 do SIPRI registra despesas militares globais de mais de US$ 2,4 trilhões em 2023, um aumento de 6,8% em termos reais em relação a 2022 e o maior aumento desde 2009. As despesas em “defesa” dos EUA montam a US$ 916 bilhões em 2023 (US$ 778 bilhões em 2020), e dos 31 países da OTAN, a mais de US$ 1,3 trilhão ou 55% das despesas militares globais. E uma vez que armas pedem guerras, a Figura 3 mostra o alastramento global de conflitos armados a partir do segundo decênio.

Figura 3 – Número de conflitos armados em escala global entre 1990 e 2022

Guerras entre humanos e guerra contra a natureza são as duas faces interligadas do desastre planetário em curso, com suas vítimas cada vez mais numerosas. O Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC), de Genebra, contabiliza apenas em 2023 deslocamentos internos de 75,9 milhões de pessoas no mundo todo, o que representa um novo recorde mundial, sendo que, desse total, 68,3 milhões perderam seus locais de residência por causa de guerras e conflitos armados, e 7,7 milhões em decorrência de desastres, a maior parte deles causados ou exacerbados pela emergência climática e pelo desmatamento. O número de deslocados internos cresceu 50% nos últimos cinco anos. De seu lado, o Global Report on Food Crises 2024 contabiliza 90,2 milhões de pessoas desalojadas em 2023, sendo 64,3 milhões em deslocados internamente em 38 países ou territórios e 26 milhões de refugiados em busca de abrigo em outros países, um aumento ininterrupto de vítimas desde 2013, conforme mostra a Figura 4.

Figura 4 – Deslocados (em milhões) em 59 países/territórios, vítimas de crises alimentares entre 2013 e 2023.

O único denominador comum em meio às guerras, ao imenso sofrimento e à destruição ambiental imperante é o negacionismo, ou seja, a incompreensão de que o que está em jogo, aqui e agora, é nossa sobrevivência como sociedades organizadas e a de grande parte das espécies (das quais, de resto, dependemos existencialmente). Dito em outras palavras, as guerras e a energia dispendida em acusações mútuas e em retóricas nacionalistas de confronto relegam às calendas gregas a aplicação dos acordos globais para cessar a queima de combustíveis fósseis e a destruição da biosfera pelo agronegócio e pela mineração. A brutalidade das guerras e a estupidez das ideologias nacionalistas ocultam tragicamente a percepção do essencial: a destruição vertiginosa das bases físico-químicas e biológicas planetárias que viabilizam qualquer projeto social.

Contra essa engrenagem, que nada tem de inevitável, é preciso reagir. É preciso revoltar-se contra o negacionismo dos governantes e das corporações.

Antropoceno: ou mudamos nosso estilo de vida, ou a Terra, como conhecemos, sucumbirá

É preciso afirmar que somos capazes, como sociedades, de pôr um ponto final na procrastinação política e nesse estado de guerra permanente. Essa revolta é uma aposta numa aliança renovada entre princípios herdados da história e a imaginação de um planeta futuro habitável para os jovens de hoje e para as gerações vindouras. Ela pode se expressar em cinco pontos programáticos:

(a) a democracia, entendida como soberania popular participativa e como controle efetivo dos governantes pelos governados, tem o poder de vencer as oligarquias, sejam estas exercidas por regimes ditatoriais ou pelas engrenagens corporativas e financeiras. A política e a democracia são a única negação válida e possível da injustiça, da anomia e da guerra;

(b) as sociedades têm a faculdade de compreender seus próprios desafios, por mais complexos que sejam, e essa compreensão é um passo fundamental no processo de seu enfrentamento. Decisões coletivas racionais podem prevalecer sobre as pulsões agressivas de nossa espécie;

(c) a questão social e a questão ecológica são indissociáveis. No século XXI, elas se tornaram uma única e mesma questão, ainda pouco assimilada por setores hegemônicos das esquerdas. Em outras palavras, todo problema social só pode ser considerado resolvido se redundar em diminuição do impacto antrópico sobre o sistema Terra e se redundar também em diminuição das desigualdades entre os humanos e entre estes e as demais espécies;

(d) resolver problemas da magnitude dos que hoje nos confrontam supõe abandonar gradualismos e aceitar o desafio de empreender uma mutação civilizacional, a qual requer rupturas institucionais, com seus riscos altos e inevitáveis, dada a natureza inerentemente conflituosa do processo histórico. Essas rupturas, contudo, só serão possíveis e efetivas se forem políticas, isto é, sem intervenção de militares, setor primitivo e parasitário (US$ 2,4 trilhões em 2023) da sociedade, que pode e deve, enfim, se extinguir no curso dessa mutação civilizacional.

(e) os que consideram essa mutação civilizacional irrealista devem entender que não tentar realizá-la é ainda mais irrealista, pois a trajetória atual, com suas mudanças cosméticas e a passo de lesma, nos condena com certeza a um planeta inabitável no horizonte dos próximos decênios.

Um delírio sobre o Colapso planetário que se avizinha

Luiz Marques - Professor aposentado e colaborador do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Atualmente é professor sênior da Ilum Escola de Ciência do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Pela Editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011, e Capitalismo e Colapso Ambiental, 2015, 3ª edição, 2018. É membro dos coletivos 660, Ecovirada e Rupturas. (ecodebate)

Reflexões sobre a aplicação do conceito de bacias hidrográficas-esponja

Impactos da irrigação no clima e nos ambientes regionais

Em artigo publicado aqui no EcoDebate em 29/05/2024, eu perguntei “Por que não bacias hidrográficas-esponja? ” A pergunta foi motivada pela criação das cidades-esponja, trabalho do arquiteto chinês Kongjian Yu e que tem sido trazido ao debate aqui no Brasil.

Mas disse, também naquele artigo, que as cidades estão posicionadas num espaço maior que é a bacia hidrográfica, valendo lembrar que qualquer área da superfície terrestre pertence a uma bacia hidrográfica. E se ela for malcuidada produzirá grandes volumes de enxurradas. Esses volumes crescerão e, depois, provocarão cheias e inundações nas partes mais baixas.

É o caso do Rio Grande do Sul, com a cidade Porto Alegre sendo inundada pelo Rio Guaíba que é essencialmente formado pelo conjunto hídrico do sistema Jacuí-Taquari-Antas. Só a unidade territorial da bacia do Taquari-Antas tem uma área de coleta de chuvas de 26.482km2 e está mostrada no mapa da Figura 1

Figura 1 – BaciaTaquari-Antas, RS

As linhas azuis do mapa da Figura 1 mostram a rede de drenagem da bacia do Taquari-Antas. Para cada pequeno córrego nas cabeceiras existe uma pequena bacia hidrográfica, que vai se juntando a outras e formando bacias cada vez maiores até chegar à do Rio Taquari. Os primeiros 390km são do Rio Antas e depois de receber o Rio Guaporé ele passa a ser conhecido como Taquari, percorrendo mais 140km até desaguar no Rio Jacuí, já bem próximo de Porto Alegre.

As áreas claras do mapa assinalam as regiões de maiores declividades. Das cabeceiras, no extremo leste, até o Rio Tainhas, as altitudes variam de 1.000 a 700m, com cursos d’água encaixados e muitas corredeiras; do Tainhas até o Guaporé já há a formação de pequenos vales, ainda encaixados, com altitudes variando de 700 a 200m; daí até o desague no Rio Jacuí, a altitude vai de 200 até algo em torno de 10m, com vales largos, muito habitados e com muita atividade agropecuária. Esta última está assinalada com a cor verde, valendo observar que há expansão dela ao longo de alguns cursos d’água afluentes, indicando a presença de vales, ainda que cada vez mais estreitos.

Esta conformação geomorfológica leva a uma rápida concentração das enxurradas formadas nas partes mais altas e que acabam inundando os vales das partes mais baixas. E, então, é fundamental que a esponja seja muito eficiente desde as cabeceiras. E para conseguir isso é necessária uma análise detalhada dos ecossistemas hidrológicos presentes e a organização e a capacitação dos ecossistemas familiares que vivem nessas áreas.

A hidrologia aí aplicada não pode ser aquela que se contenta em analisar o comportamento dos cursos d’água em si, mas que mergulhe na bacia hidrográfica como um todo.

Poluição térmica

A prioritária eficiência da esponja nas áreas rurais, principalmente as das cabeceiras, não eximem as cidades, colocadas nos vales, por exemplo, de operarem como cidades-esponja, conforme pregado pelo arquiteto chinês. E para isso há necessidade de uma revisão do conceito atual de drenagem urbana.

Vale mencionar, ainda, que as enxurradas são agentes de erosão e as partículas sólidas arrastadas vão se concentrar nos leitos dos cursos d’água, produzindo assoreamento e diminuição da capacidade de transporte de água, provocando extravasamento e inundação das margens e dos vales planos.

Há muitos estudos disponíveis sobre a bacia do Taquari-Antas, incluindo vazões dos rios, precipitações acumuladas, relevo, geologia, solos e população. Dentre eles podem ser citados o “Diagnóstico Ambiental do Taquari-Antas”, da Fundação Estadual de Proteção Ambiental- RS, e o “Sistema de Alerta Hidrológico da Bacia do Taquari), do Serviço Geológico do Brasil” (Links no final do artigo).

Mas são estudos gerais, de dimensão macro, faltando detalhamentos sobre os ecossistemas hidrológicos, aqueles que analisam as interações da água de chuva com os componentes bióticos e abióticos das pequenas bacias que compõem o conjunto. Também faltam estudos sociológicos e antropológicos da população presente para que seja possível a criação de ecossistemas familiares que ajudem no trato adequado dos volumes de água recebidos pelas chuvas. É claro que estudos existentes ajudam muito, pois servem de base para os estudos detalhados.

Algumas informações sobre como fazer esses detalhamentos estão no texto de treze páginas, intitulado Aplicação da “Hidrologia e Manejo de Bacias Hidrográficas” na Busca por Segurança Hídrica, que proponho disponibilizar pelo e-mail citado na minha pequena biografia, no final deste artigo.

A imagem da esponja é um apelo ao senso comum de que volumes de água lançados sobre a superfície de uma esponja, tipo aquela usada para lavar vasilhas, são rapidamente absorvidos por ela.

Esse é o comportamento desejado e perseguido para uma superfície de solo atingido por chuvas, ou seja, que todo ou a maior parte do volume de água recebido seja também rapidamente absorvido, evitando ou reduzindo a formação de enxurradas. Mas na prática o nosso desejo precisa ser trabalhado, usando os conceitos de intensidade de chuva e de velocidade de infiltração de água no solo.

Figura 2 – Infiltração de água no solo

A Figura 2 mostra um gráfico com duas curvas, representando o comportamento da superfície ao ser atingida por uma chuva. A de cor verde (IA) mostra que quanto mais tempo durar a chuva, mais água será infiltrada no solo. Já a de cor vermelha mostra a velocidade com que a água se infiltra no solo; é a chamada velocidade de infiltração (VI), que vai diminuindo enquanto a umidade do solo está sendo satisfeita. A partir de um certo tempo, os volumes infiltrados começam a vencer as forças de retenção do solo e a velocidade de infiltração passa a manter certa constância, conhecida como velocidade de infiltração básica (VIB).

Se a chuva no tempo Ta estiver caindo com uma velocidade de 50mm/h e a VI for, nesse tempo, de 20mm/h, haverá uma sobra de 30mm/h para formar enxurradas. Mas se a chuva cessar por esse tempo e tivermos conseguido reter volumes de enxurradas em caixas ou terraços, por exemplo, a infiltração poderá continuar até o tempo Tb, aumentando a retenção de Qa para Qb. Esta análise feita é apenas uma simplificação do que acontece e pode acontecer, para que o leitor possa entender porque as caixas e os terraços colaboram para efeito esponja da superfície.

Então, dentro dessa linha, quaisquer estruturas que consigam aumentar o tempo que a água permanece na superfície, sem escoar, colaborarão para o aumento dos totais infiltrados. Em resumo, o que é preciso é aumentar a rugosidade da superfície para diminuir a formação de enxurradas e dar tempo para a infiltração.

Em resumo, quando vivo pregando a necessidade de segurar as enxurradas não só com áreas cobertas de vegetação protetora, mas também com estruturas como terraços e caixas variadas, visando enriquecer os aquíferos subterrâneos para uma boa produção de água, estou, ao mesmo tempo, trabalhando para evitar grandes concentrações dessas enxurradas nas regiões mais baixas, causando os desastres já tão frequentes.

E a minha proposta, ao sugerir as “bacias hidrográficas-esponja”, é que o conceito atual de segurança hídrica, que trata apenas da garantia de suprimento adequado de água para consumo humano e demandas produtivas necessárias à vida, passe, também, a incluir a proteção contra cheias e inundações. (ecodebate)

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