Em
artigo publicado aqui no EcoDebate em 29/05/2024, eu perguntei “Por que não
bacias hidrográficas-esponja? ” A pergunta foi motivada pela criação das
cidades-esponja, trabalho do arquiteto chinês Kongjian Yu e que tem sido
trazido ao debate aqui no Brasil.
Mas
disse, também naquele artigo, que as cidades estão posicionadas num espaço
maior que é a bacia hidrográfica, valendo lembrar que qualquer área da
superfície terrestre pertence a uma bacia hidrográfica. E se ela for malcuidada
produzirá grandes volumes de enxurradas. Esses volumes crescerão e, depois,
provocarão cheias e inundações nas partes mais baixas.
É o caso do Rio Grande do Sul, com a cidade Porto Alegre sendo inundada pelo Rio Guaíba que é essencialmente formado pelo conjunto hídrico do sistema Jacuí-Taquari-Antas. Só a unidade territorial da bacia do Taquari-Antas tem uma área de coleta de chuvas de 26.482km2 e está mostrada no mapa da Figura 1
Figura 1 – BaciaTaquari-Antas, RS
As
linhas azuis do mapa da Figura 1 mostram a rede de drenagem da bacia do
Taquari-Antas. Para cada pequeno córrego nas cabeceiras existe uma pequena
bacia hidrográfica, que vai se juntando a outras e formando bacias cada vez
maiores até chegar à do Rio Taquari. Os primeiros 390km são do Rio Antas e
depois de receber o Rio Guaporé ele passa a ser conhecido como Taquari,
percorrendo mais 140km até desaguar no Rio Jacuí, já bem próximo de Porto
Alegre.
As
áreas claras do mapa assinalam as regiões de maiores declividades. Das
cabeceiras, no extremo leste, até o Rio Tainhas, as altitudes variam de 1.000 a
700m, com cursos d’água encaixados e muitas corredeiras; do Tainhas até o
Guaporé já há a formação de pequenos vales, ainda encaixados, com altitudes
variando de 700 a 200m; daí até o desague no Rio Jacuí, a altitude vai de 200
até algo em torno de 10m, com vales largos, muito habitados e com muita
atividade agropecuária. Esta última está assinalada com a cor verde, valendo
observar que há expansão dela ao longo de alguns cursos d’água afluentes,
indicando a presença de vales, ainda que cada vez mais estreitos.
Esta
conformação geomorfológica leva a uma rápida concentração das enxurradas
formadas nas partes mais altas e que acabam inundando os vales das partes mais
baixas. E, então, é fundamental que a esponja seja muito eficiente desde as
cabeceiras. E para conseguir isso é necessária uma análise detalhada dos
ecossistemas hidrológicos presentes e a organização e a capacitação dos
ecossistemas familiares que vivem nessas áreas.
A hidrologia aí aplicada não pode ser aquela que se contenta em analisar o comportamento dos cursos d’água em si, mas que mergulhe na bacia hidrográfica como um todo.
A
prioritária eficiência da esponja nas áreas rurais, principalmente as das
cabeceiras, não eximem as cidades, colocadas nos vales, por exemplo, de
operarem como cidades-esponja, conforme pregado pelo arquiteto chinês. E para
isso há necessidade de uma revisão do conceito atual de drenagem urbana.
Vale
mencionar, ainda, que as enxurradas são agentes de erosão e as partículas
sólidas arrastadas vão se concentrar nos leitos dos cursos d’água, produzindo
assoreamento e diminuição da capacidade de transporte de água, provocando
extravasamento e inundação das margens e dos vales planos.
Há
muitos estudos disponíveis sobre a bacia do Taquari-Antas, incluindo vazões dos
rios, precipitações acumuladas, relevo, geologia, solos e população. Dentre
eles podem ser citados o “Diagnóstico Ambiental do Taquari-Antas”, da Fundação
Estadual de Proteção Ambiental- RS, e o “Sistema de Alerta Hidrológico da Bacia
do Taquari), do Serviço Geológico do Brasil” (Links no final do artigo).
Mas
são estudos gerais, de dimensão macro, faltando detalhamentos sobre os
ecossistemas hidrológicos, aqueles que analisam as interações da água de chuva
com os componentes bióticos e abióticos das pequenas bacias que compõem o
conjunto. Também faltam estudos sociológicos e antropológicos da população
presente para que seja possível a criação de ecossistemas familiares que ajudem
no trato adequado dos volumes de água recebidos pelas chuvas. É claro que
estudos existentes ajudam muito, pois servem de base para os estudos
detalhados.
Algumas informações sobre
como fazer esses detalhamentos estão no texto de treze páginas, intitulado
Aplicação da “Hidrologia e Manejo de Bacias Hidrográficas” na Busca por
Segurança Hídrica, que proponho disponibilizar pelo e-mail citado na minha
pequena biografia, no final deste artigo.
A
imagem da esponja é um apelo ao senso comum de que volumes de água lançados
sobre a superfície de uma esponja, tipo aquela usada para lavar vasilhas, são
rapidamente absorvidos por ela.
Esse é o comportamento desejado e perseguido para uma superfície de solo atingido por chuvas, ou seja, que todo ou a maior parte do volume de água recebido seja também rapidamente absorvido, evitando ou reduzindo a formação de enxurradas. Mas na prática o nosso desejo precisa ser trabalhado, usando os conceitos de intensidade de chuva e de velocidade de infiltração de água no solo.
Figura 2 – Infiltração de água no solo
A Figura
2 mostra um gráfico com duas curvas, representando o comportamento da
superfície ao ser atingida por uma chuva. A de cor verde (IA) mostra que quanto
mais tempo durar a chuva, mais água será infiltrada no solo. Já a de cor
vermelha mostra a velocidade com que a água se infiltra no solo; é a chamada
velocidade de infiltração (VI), que vai diminuindo enquanto a umidade do solo
está sendo satisfeita. A partir de um certo tempo, os volumes infiltrados
começam a vencer as forças de retenção do solo e a velocidade de infiltração
passa a manter certa constância, conhecida como velocidade de infiltração
básica (VIB).
Se
a chuva no tempo Ta estiver caindo com uma velocidade de 50mm/h e a VI for,
nesse tempo, de 20mm/h, haverá uma sobra de 30mm/h para formar enxurradas. Mas
se a chuva cessar por esse tempo e tivermos conseguido reter volumes de
enxurradas em caixas ou terraços, por exemplo, a infiltração poderá continuar
até o tempo Tb, aumentando a retenção de Qa para Qb. Esta análise feita é
apenas uma simplificação do que acontece e pode acontecer, para que o leitor
possa entender porque as caixas e os terraços colaboram para efeito esponja da
superfície.
Então,
dentro dessa linha, quaisquer estruturas que consigam aumentar o tempo que a
água permanece na superfície, sem escoar, colaborarão para o aumento dos totais
infiltrados. Em resumo, o que é preciso é aumentar a rugosidade da superfície
para diminuir a formação de enxurradas e dar tempo para a infiltração.
Em resumo, quando vivo pregando a necessidade de segurar as enxurradas não só com áreas cobertas de vegetação protetora, mas também com estruturas como terraços e caixas variadas, visando enriquecer os aquíferos subterrâneos para uma boa produção de água, estou, ao mesmo tempo, trabalhando para evitar grandes concentrações dessas enxurradas nas regiões mais baixas, causando os desastres já tão frequentes.
E a minha proposta, ao sugerir as “bacias hidrográficas-esponja”, é que o conceito atual de segurança hídrica, que trata apenas da garantia de suprimento adequado de água para consumo humano e demandas produtivas necessárias à vida, passe, também, a incluir a proteção contra cheias e inundações. (ecodebate)
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