quarta-feira, 3 de julho de 2024

Emergência climática no Brasil: Qual é a obrigação do Estado?

A crise climática é considerada o problema mais urgente da humanidade e a maior ameaça aos direitos humanos. Nesse contexto, que obrigações os Estados têm de proteger as pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade, dos impactos da crise climática?

O processo do Parecer Consultivo sobre Emergência Climática e Direitos Humanos, da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), está construindo uma resposta para essa pergunta. A Corte busca, através de um longo processo de consulta pública e participação de mais de 300 organizações e comunidades, esclarecer o conteúdo e o escopo das obrigações de proteger os direitos humanos que os Estados do continente possuem em relação às comunidades e povos latino-americanos.

Um processo similar está em curso também na Corte Internacional de Justiça, e no Tribunal Internacional do Direito do Mar. Em conjunto, essas três Cortes vão proferir decisões vinculantes que estabelecerão as novas regras do jogo para Estados e empresas no contexto da crise climática.

As interpretações e conclusões desses processos fortalecerão os argumentos usados por organizações, comunidades e outros atores em litígios climáticos que buscam responsabilizar governos pelas omissões e ações que contribuem para os graves impactos da crise climática. Mais ainda, o resultado desse processo abrirá os caminhos para a reparação adequada de comunidades, famílias e grupos impactados pelos efeitos da crise climática — oferecendo um caminho para a justiça climática.

O que são os pareceres consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos e qual sua relevância para o Brasil?

Os pareceres consultivos da Corte Interamericana são pronunciamentos feitos por esse tribunal internacional, a pedido de países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), a fim de esclarecer o alcance e interpretar tratados internacionais em relação a temas ainda não decididos pelo procedimento contencioso da Corte. Em outras palavras, na falta de um entendimento claro sobre os limites das obrigações dos Estados em relação a determinado tema, a Corte pode emitir uma decisão aplicável a todos os Estados-parte do tratado sob interpretação, esclarecendo as obrigações específicas que se impõem.

Um exemplo claro é o Parecer Consultivo 23 de 2017, no qual a Corte estabeleceu um precedente histórico ao reconhecer o direito a um ambiente saudável como fundamental para a existência humana e se pronunciou pela primeira vez sobre o conteúdo desse direito. Esses pronunciamentos, portanto, são tão relevantes quanto sentenças internacionais, e determinam os parâmetros da responsabilidade de Estados que, no futuro, estarão suscetíveis à condenação por desrespeitar essas obrigações.

Em janeiro de 2023, Colômbia e Chile solicitaram um parecer consultivo da Corte Interamericana para esclarecer o escopo das obrigações estatais em matéria de direitos humanos no contexto da emergência climática. Ambos Estados declararam que suas populações, e outras no continente, são particularmente vulneráveis e estão sofrendo as consequências da tríplice crise planetária, o que se vê através das secas, inundações e incêndios, entre outros. Portanto, consideram necessário que a Corte determine a maneira apropriada de interpretar a Convenção Americana e os direitos nela reconhecidos “no que for relevante para abordar as situações geradas pela emergência climática, suas causas e consequências”.

Uma vez emitido, o parecer consultivo esclarecerá as obrigações legais dos Estados latino-americanos para combater a crise climática como uma questão de direitos humanos. O parecer da Corte poderia forçar os Estados a reconhecer sua competência para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, apoiar medidas de adaptação e estabelecer mecanismos para lidar com perdas e danos causados por desastres.

No caso do Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul transformaram 500.000 pessoas em refugiados climáticos, desalojados pela inundação de suas casas e cidades. Além da perda de vidas e danos materiais e imateriais irreversíveis, os afetados pelas enchentes também estão enfrentando riscos em razão da falta de preparação do governo na resposta a esta emergência. Abrigos insuficientes, sem segurança, sem condições sanitárias adequadas, com acesso limitado à comida, água e atenção médica são apenas alguns dos problemas que se somam ao trauma dos refugiados.

Situações de crise humanitária semelhantes vêm ocorrendo por todo o país nos últimos anos, basta recordar das secas na Amazônia, que isolaram dezenas de povos e levaram milhares à situação de insegurança alimentar e escassez hídrica. O nordeste do país não é diferente, que além das secas prolongadas se depara com o avanço incessante do mar. Recife é a 16ª cidade mais vulnerável aos efeitos da mudança do clima segundo o Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC).

O Parecer Consultivo da Corte será vinculante para o Brasil, e isso significará que o estado brasileiro deverá adequar suas leis e políticas internas para cumprir com suas obrigações de direitos humanos no marco da crise climática. Desde à sociedade civil, existe uma alta expectativa de que a Corte anuncie que os Estados devem, a partir de agora, tomar decisões políticas com base na informação científica disponível, além de abrir a possibilidade de que esses sejam responsabilizados por perdas e danos evitáveis —o que seria o caso do Rio Grande do Sul caso as autoridades houvessem projetado planos de prevenção e adaptação segundo o relatório Brasil 2040, publicado em 2015.

É no espírito de justiça climática, social e ambiental que centenas de brasileiros e estrangeiros estarão em Manaus nos próximos dias 27, 28 e 29, a fim de serem ouvidos diretamente pelos juízes da Corte em audiências públicas. O movimento pela justiça climática na América Latina e no mundo está se fortalecendo e se tornando mais eficaz, impulsionado pelos sucessos dos litígios climáticos e por precedentes importantes, como os que emergem dos pareceres consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Esperamos que o reconhecimento contundente das fronteiras da responsabilidade dos estados ante os riscos da crise climática evite mais tragédias, e promova uma justiça reparatória para os grupos que historicamente foram sacrificados em nome do capitalismo predatório. (ecodebate)

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