O processo do Parecer
Consultivo sobre Emergência Climática e Direitos Humanos, da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), está construindo uma resposta para
essa pergunta. A Corte busca, através de um longo processo de consulta pública
e participação de mais de 300 organizações e comunidades, esclarecer o conteúdo
e o escopo das obrigações de proteger os direitos humanos que os Estados do
continente possuem em relação às comunidades e povos latino-americanos.
Um processo similar está em
curso também na Corte Internacional de Justiça, e no Tribunal Internacional do
Direito do Mar. Em conjunto, essas três Cortes vão proferir decisões
vinculantes que estabelecerão as novas regras do jogo para Estados e empresas
no contexto da crise climática.
As interpretações e conclusões desses processos fortalecerão os argumentos usados por organizações, comunidades e outros atores em litígios climáticos que buscam responsabilizar governos pelas omissões e ações que contribuem para os graves impactos da crise climática. Mais ainda, o resultado desse processo abrirá os caminhos para a reparação adequada de comunidades, famílias e grupos impactados pelos efeitos da crise climática — oferecendo um caminho para a justiça climática.
O que são os pareceres consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos e qual sua relevância para o Brasil?
Os pareceres consultivos da
Corte Interamericana são pronunciamentos feitos por esse tribunal
internacional, a pedido de países membros da Organização dos Estados Americanos
(OEA), a fim de esclarecer o alcance e interpretar tratados internacionais em
relação a temas ainda não decididos pelo procedimento contencioso da Corte. Em
outras palavras, na falta de um entendimento claro sobre os limites das
obrigações dos Estados em relação a determinado tema, a Corte pode emitir uma
decisão aplicável a todos os Estados-parte do tratado sob interpretação,
esclarecendo as obrigações específicas que se impõem.
Um exemplo claro é o Parecer Consultivo 23 de 2017, no qual a Corte estabeleceu um precedente histórico ao reconhecer o direito a um ambiente saudável como fundamental para a existência humana e se pronunciou pela primeira vez sobre o conteúdo desse direito. Esses pronunciamentos, portanto, são tão relevantes quanto sentenças internacionais, e determinam os parâmetros da responsabilidade de Estados que, no futuro, estarão suscetíveis à condenação por desrespeitar essas obrigações.
Em janeiro de 2023, Colômbia e Chile solicitaram um parecer consultivo da Corte Interamericana para esclarecer o escopo das obrigações estatais em matéria de direitos humanos no contexto da emergência climática. Ambos Estados declararam que suas populações, e outras no continente, são particularmente vulneráveis e estão sofrendo as consequências da tríplice crise planetária, o que se vê através das secas, inundações e incêndios, entre outros. Portanto, consideram necessário que a Corte determine a maneira apropriada de interpretar a Convenção Americana e os direitos nela reconhecidos “no que for relevante para abordar as situações geradas pela emergência climática, suas causas e consequências”.
Uma vez emitido, o parecer
consultivo esclarecerá as obrigações legais dos Estados latino-americanos para
combater a crise climática como uma questão de direitos humanos. O parecer da
Corte poderia forçar os Estados a reconhecer sua competência para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa, apoiar medidas de adaptação e estabelecer
mecanismos para lidar com perdas e danos causados por desastres.
No caso do Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul transformaram 500.000 pessoas em refugiados climáticos, desalojados pela inundação de suas casas e cidades. Além da perda de vidas e danos materiais e imateriais irreversíveis, os afetados pelas enchentes também estão enfrentando riscos em razão da falta de preparação do governo na resposta a esta emergência. Abrigos insuficientes, sem segurança, sem condições sanitárias adequadas, com acesso limitado à comida, água e atenção médica são apenas alguns dos problemas que se somam ao trauma dos refugiados.
Situações de crise humanitária semelhantes vêm ocorrendo por todo o país nos últimos anos, basta recordar das secas na Amazônia, que isolaram dezenas de povos e levaram milhares à situação de insegurança alimentar e escassez hídrica. O nordeste do país não é diferente, que além das secas prolongadas se depara com o avanço incessante do mar. Recife é a 16ª cidade mais vulnerável aos efeitos da mudança do clima segundo o Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC).
O Parecer Consultivo da Corte
será vinculante para o Brasil, e isso significará que o estado brasileiro
deverá adequar suas leis e políticas internas para cumprir com suas obrigações
de direitos humanos no marco da crise climática. Desde à sociedade civil,
existe uma alta expectativa de que a Corte anuncie que os Estados devem, a
partir de agora, tomar decisões políticas com base na informação científica
disponível, além de abrir a possibilidade de que esses sejam responsabilizados
por perdas e danos evitáveis —o que seria o caso do Rio Grande do Sul caso as
autoridades houvessem projetado planos de prevenção e adaptação segundo o
relatório Brasil 2040, publicado em 2015.
É no espírito de justiça climática, social e ambiental que centenas de brasileiros e estrangeiros estarão em Manaus nos próximos dias 27, 28 e 29, a fim de serem ouvidos diretamente pelos juízes da Corte em audiências públicas. O movimento pela justiça climática na América Latina e no mundo está se fortalecendo e se tornando mais eficaz, impulsionado pelos sucessos dos litígios climáticos e por precedentes importantes, como os que emergem dos pareceres consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Esperamos que o reconhecimento contundente das fronteiras da responsabilidade dos estados ante os riscos da crise climática evite mais tragédias, e promova uma justiça reparatória para os grupos que historicamente foram sacrificados em nome do capitalismo predatório. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário