Em meio a nossa vida corrida
e cheia de atribulações, fica difícil parar para pensar que, para além das
paredes da nossa casa, temos um lar em comum, o nosso planeta, e é urgente que
cuidemos dele. O Dia da Terra ou Dia Mundial do Planeta Terra, comemorado no
dia 22 de abril em todo o mundo, é uma oportunidade de refletirmos sobre o que
anda acontecendo por aqui e a importância de desenvolvermos uma consciência ambiental.
Eu acredito que muitas vezes
nós temos a falsa ilusão de que alguns problemas não vão nos atingir ou não nos
dizem respeito, mas quando falamos nos impactos à natureza causados pelos
humanos, estamos falando de um problema de todos nós, sem exceção.
Quer um exemplo? Você pode
até não entender muito bem quando vê notícias falando sobre efeito estufa, El
Niño, mudanças climáticas, aquecimento global, mas estando no Brasil ou em
qualquer outro lugar do globo, você já sentiu na pele ou pode observar de perto
as mudanças recentes no clima. Sabe aquela onda de calor insuportável que não
tem ventilador ou ar-condicionado que amenize? Aquele temporal avassalador que
destrói casas e cidades? Os incêndios florestais que duram dias ou as
catástrofes naturais que têm acontecido com cada vez mais frequência? Isso não
tem acontecido por acaso.
Tripla crise planetária
Parece nome de filme de
ficção científica não é mesmo?
Mas tripla crise planetária é o termo que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) adotou para descrever as três crises ambientais que estamos enfrentando atualmente: a crise das mudanças climáticas, a crise da perda de natureza e de biodiversidade, e a crise da poluição e do desperdício.
Vista área do desmatamento da Floresta amazônica
O Panorama Global de
Recursos 2024 aponta que a economia global está consumindo cada vez mais
recursos naturais, enquanto o mundo não está no caminho certo para atingir os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por isso, a comunidade científica
nunca esteve tão alinhada quanto à necessidade de uma transformação global
urgente para o uso sustentável dos recursos.
“A tripla crise planetária é
impulsionada por uma crise de consumo e produção insustentáveis. Devemos
trabalhar com a natureza, em vez de apenas explorá-la”, alerta Inger Andersen,
diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A crise das mudanças climáticas
Termômetro de rua marca 49°C em Quaraí no Rio Grande do Sul
De acordo com o relatório
Estado do Clima Global, o planeta está emitindo “sinais de socorro”. Em 2024 o
aumento da temperatura mundial ultrapassou 1,5ºC, meta estabelecida pelo Acordo
de Paris como limítrofe para evitar impactos climáticos catastróficos e o
distúrbio de ecossistemas.
E o início de 2025 não está
diferente. O verão de 2024-2025 entrou para a história como o sexto mais quente
no Brasil desde 1961, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). O
primeiro mês de 2025 também foi o janeiro mais quente já registrado, segundo
dados do Copernicus, observatório climático da União Europeia.
O secretário-geral da
Organização das Nações Unidas, António Guterres, usou o termo “Ebulição global”
para descrever o atual estágio de mudanças climáticas pelo qual o planeta tem
passado, indicando um período de intensificação sem precedentes do aquecimento
global e de extrema preocupação com relação ao futuro da população mundial e,
principalmente, da manutenção do nosso planeta.
Já Celeste Saulo,
secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial deixou o seguinte alerta
no lançamento do relatório sobre o estado do clima global: “O relatório mostrou
que a crise do clima é o desafio definitivo enfrentado pela humanidade. Ele é
intimamente entrelaçado com a crise de desigualdade, que testemunhamos com o
crescimento da insegurança alimentar, o deslocamento de populações e a perda de
biodiversidade. É uma ameaça existencial a populações vulneráveis em todo o
mundo e, particularmente, às nações insulares”.
Mas o que isso significa de
verdade? Que eventos extremos como
ondas de calor, secas, enchentes, incêndios florestais e tempestades se
intensificaram, acentuando a pobreza, ameaçando a segurança alimentar e
forçando o deslocamento de milhares de pessoas ao redor do mundo.
Ansiedade climática
Para aqueles que já entenderam a gravidade do problema e sentem angústia e preocupação com as consequências das mudanças climáticas existe até um novo sentimento: o da ansiedade climática ou ecoansiedade.
Desastres climáticos
como chuvas torrenciais, enchentes, incêndios e ondas de calor extremo, além de
afetar diretamente os envolvidos, trazem uma sensação de desamparo,
desesperança e tristeza. Segundo a Associação Americana de Psicologia, 25% a
50% das pessoas expostas a um desastre climático têm risco de desenvolver
problemas de saúde mental.
E tudo isso tem
afetados crianças e jovens de maneira diferente. De acordo com a pesquisa
Ecoansiedade entre Jovens: Resiliência e Demanda por Ação Climática, realizada
pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 57% dos jovens
entrevistados experimentam ansiedade ecológica.
Já um estudo da
publicação científica The Lancet – que conversou com 10.000 crianças e jovens
de 16 a 25 anos em dez países (Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia,
Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e EUA) – 75% dos entrevistados acham
que o futuro é assustador e 83% acreditam que as pessoas falharam em cuidar do
planeta.
Crise da perda de natureza e de biodiversidade
Biodiversidade marinha nos recifes de corais
A biodiversidade
ou diversidade biológica é o elo entre todos os organismos existentes na Terra,
que liga cada um deles a um ecossistema interdependente, em que cada espécie
desempenha sua função. Esses ecossistemas, sejam florestas, pastagens,
manguezais ou oceanos, são essenciais para o nosso bem-estar, pois fornecem
alimentos para consumo humano e animal, medicamentos, energia e fibras.
Contudo, estamos
usando 25% mais recursos naturais do que o planeta é capaz de fornecer e o
resultado é que espécies, habitats e comunidades locais estão sofrendo pressões
ou ameaças diretas.
Responsável por
monitorar as populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios, o
Índice Planeta Vivo (LPI) registrou uma queda de 69% nas populações monitoradas
desde 1970, mostrando que as regiões tropicais são as mais afetadas pela perda
de biodiversidade.
Quando falamos em
perda de biodiversidade por continente, a América Latina e o Caribe têm uma
taxa de 94%, a África 66%, Ásia e Pacífico 55%, América do Norte 20% e Europa e
Ásia Central 18%, o que mostra que apesar dos países desenvolvidos serem
responsáveis pela maior parte da degradação ambiental, são as nações em
desenvolvimento que são impactadas desproporcionalmente pela perda de
biodiversidade.
De acordo com a
14ª edição do Relatório Planeta Vivo um milhão de espécies vegetais e animais
estão ameaçadas de extinção, já perdemos metade dos corais do mundo e
continuamos perdendo áreas florestais do tamanho de 27 campos de futebol por
minuto. Só aqui no Brasil, mais de 45 mil km² foram devastados entre 2019 e
2022, o que causa emissões de carbono e faz com que o clima se torne ainda mais
quente e seco.
A Plataforma
Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES)
identificou cinco fatores-chave para a perda de biodiversidade: mudanças no uso
do mar e da terra, exploração direta de organismos, mudanças climáticas,
poluição e espécies invasoras não nativas.
Um ponto
importante é que a perda de biodiversidade tem uma relação direta com a nossa
saúde, pois quanto mais biodiversos é um ecossistema, mais difícil é para um
patógeno (organismo que é capaz de causar doença) se espalhar rapidamente, por
outro lado, a perda de biodiversidade favorece a transmissão de patógenos entre
animais e pessoas, o que vivenciamos durante a pandemia de COVID –19 com a
disseminação da corona vírus globalmente.
A Organização
Mundial da Saúde (OMS) afirma que quase toda a população global,
aproximadamente 99%, respira ar fora da qualidade recomendada pela agência. A
poluição plástica também tem sido um problema que aumenta gradativamente. A produção de plástico tem crescido nas
últimas décadas e agora chega a cerca de 400 milhões de toneladas por ano, um
volume que deve dobrar até 2040.
O relatório Fazer
as Pazes com a Natureza, do PNUMA, também revela que 400 milhões de toneladas
de metais pesados, solventes, iodo tóxico e outros resíduos industriais entram
nas águas do mundo a cada ano, colocando a saúde planetária em sério risco.
Por isso, o lixo
que produzimos é outra questão preocupante. No Brasil, onde temos uma população
superior a 210 milhões de habitantes, cada pessoa produz, em média, 343 quilos
de lixo, por ano, o que totaliza cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos
gerados. Se esses materiais fossem reaproveitados ou reciclados o impacto para
o meio ambiente não seria tão grande, porém segundo a Abrelpe – Associação
Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, apenas 4%
desses resíduos passam por esse processo.
Fazer as Pazes
com a Natureza
O Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lançou a campanha Peace With Nature – fazer
as pazes com a natureza – e oferece um plano para alcançar o mundo sustentável
que precisamos, com recomendações práticas sobre como enfrentar as três crises
planetárias da mudança climática, perda de biodiversidade e poluição.
• Devemos considerar a
natureza em nossas políticas e decisões
• Incluir custos ambientais
nos preços de nossos produtos
• Acabar com os subsídios aos
combustíveis fósseis
• Investir em soluções
inovadoras e apoiá-las
• Restaurar a natureza
enquanto minimizamos a poluição e o desperdício
• Reduzir metade das nossas
emissões de dióxido de carbono até 2030
Também é necessário um objetivo global de reverter a perda de biodiversidade e garantir um mundo com natureza positiva até 2030, se quisermos proteger o mundo natural para as gerações atuais e futuras.
Natureza positiva até 2030
Relatório Planeta VIVO
Por isso, em 2022, como
resultado da conferência COP15 da ONU sobre biodiversidade, foi adotado o
Quadro Global para a Biodiversidade (GBF) no qual o mundo se compromete a deter
e reverter a perda de biodiversidade até o final da década. Entre as 23 metas a serem alcançadas até 2030
estão 30% de conservação da terra, mar e águas interiores, 30% de restauração
de ecossistemas degradados, redução pela metade da introdução de espécies
invasoras e redução de US$ 500 bilhões ao ano em subsídios prejudiciais.
Fundo Clima
Reprodução: Ministério do Meio Ambiente
Aqui no Brasil o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima
foi retomado em 2023 com aporte de R$ 10 bilhões para financiar projetos que
ajudem na mitigação e na adaptação à crise climática.
O Fundo Clima está alinhado ao Plano de Transformação
Ecológica, ao Plano de Transição Energética, à Nova Industrialização, à
promoção da bioeconomia, à restauração florestal, ao fim do desmatamento e dos
lixões, entre outras iniciativas.
O que nós podemos fazer a respeito?
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA) também indica um conjunto de ações práticas para uma vida sustentável
diária, orientando as pessoas para que possam agir de acordo com a sua localização,
modo de vida e recursos disponíveis.
Algumas práticas não estão tão próximas da nossa
realidade como ter um carro elétrico, mas algumas estão a nosso alcance e podemos
começar a qualquer instante.
Sobre as coisas que compramos
Vá além da compra
Considere o que você precisa e compre produtos que
durem mais, sejam usados várias vezes e que sejam usados pelo maior tempo
possível antes de serem remanufaturados ou reciclados.
Slow Fashion – Moda desacelerada
Compre roupas melhores, fique longe do fast fashion que
produz em massa à custa da justiça ambiental e humana.
Evite descartáveis e plásticos
Prefira usar produtos de uso diário que possam ser
reutilizados. As embalagens descartáveis são feitas à base de petróleo e levam
centenas de anos para se decompor.
Recicle
Comece separando o lixo orgânico do lixo reciclável e
cobre a gestão da sua cidade ou do prédio onde mora para que seja feita coleta
seletiva.
Sobre as coisas que comemos
Faça trocas de proteína
Segundo o Observatório do Clima, no Brasil, a pecuária
é responsável por 22% das emissões de gases de efeito estufa destruindo biomas
como a Amazônia e o Cerrado para criação de gado e monoculturas de soja. Reduza
ou elimine hábitos de consumo de carne e produtos de origem animal ao adotar
uma dieta mais vegetal.
Use todos os seus alimentos
Transforme seu lixo orgânico em adubo por meio da
compostagem e ajude a retirar esses resíduos dos lixos e aterros reduzindo o
metano, melhorando a fertilidade do solo e aumentando o acesso a alimentos
frescos
Compre local ou a granel
Se aproxime de quem produz alimentos orgânicos na sua
região para economizar dinheiro e reduzir transporte, embalagens e desperdício
de alimentos. Você pode até mesmo começar uma horta comunitária no seu bairro e
cultivar seus próprios alimentos ou sugerir essa ideia dentro da sua
comunidade.
Sobre a maneira como nos movemos
Deixe o carro em casa
Evitar andar de carro é uma forma de contribuir para a
redução da emissão de gases poluentes, especialmente o CO2. Comece a
praticar caminhadas até o trabalho ou vá de bicicleta e exija que o governo e
as empresas locais forneçam opções de transporte público mais sustentáveis e
seguras.
Compartilhe o seu trajeto
Opte pelo transporte compartilhado, vá de carona ou
ofereça carona para as pessoas que fazem o mesmo trajeto que você.
Criar uma consciência ambiental é importante para
expandirmos nosso conhecimento sobre o que está acontecendo com o meio-ambiente
e refletirmos sobre como podemos ser mais sustentáveis, contudo, apesar da
relevância do impacto coletivo, precisamos cobrar as pessoas que elegemos para
nos representar – seja na prefeitura de nossa cidade ou em Brasília – para
trabalhar em prol do meio ambiente, criando políticas públicas que permitam que
todos possam ter atitudes mais sustentáveis e investindo para que tecnologias
verdes possam ser desenvolvidas e se tornem acessíveis.
Para refletir sobre o Dia da Terra e seus desafios
ambientais
Assista ao vídeo: Animação “Man” de Steve Cutts
A animação Man, criada pelo animador e ilustrador Steve Cutts, é de 2012, mas continua extremamente atual ao ilustrar a relação destrutiva da humanidade com a natureza.
Ele
inclusive fez uma versão atualizada Man 2020, que mostra como a natureza
estaria prosperando longe do homem no período de pandemia.
Assista ao vídeo Duna: https://youtu.be/2JSy9OgwP7I.
Aproveitando o hype das novas adaptações cinematográficas de Duna, fica aqui a minha indicação para conhecerem essa obra que figura entre os maiores romances de ficção científica. O livro, escrito por Frank Herbert, foi publicado pela primeira vez em 1965, mas se manteve extremamente atual ao abordar ecologia quando as pessoas ainda começavam a pensar sobre esse tema.
Na
história, somos levados ao Planeta Arrakis, um mundo onde a água é o bem mais
precioso e conhecemos os fremen, a população nômade do planeta que aprendeu a usar
a natureza ao seu favor.
“O que o
analfabeto em ecologia não percebe em relação a um ecossistema, dizia Kynes, é
que se trata de um sistema! … Um sistema tem ordem, uma correnteza que flui de
um ponto a outro. Se algo represar a correnteza, a ordem desmorona. Os
inexperientes talvez só percebam esse desmoronamento quando já for tarde
demais. É por isso que a função mais elevada da ecologia é a compreensão das
consequências”. (Trecho do Apêndice I: A ecologia de Duna)
• TEDWomen
– Katharine Hayhoe
“A coisa mais importante que você pode fazer para combater as mudanças climáticas: falar sobre elas”. – (Katharine Hayhoe).
Katharine Hayhoe é uma cientista que estuda o que as alterações climáticas significam para nós nos locais onde vivemos. Nesta palestra, ela afirma que a chave para se ter uma discussão real sobre o assunto é conectar valores como família, comunidade, religião e solicitar que as pessoas percebam que se importam com a mudança do clima. “Não podemos nos desesperar”, diz Hayhoe. “Temos que procurar pela esperança que precisamos para que nos inspiremos a agir, e essa esperança começa hoje, com uma conversa”. (portalconteudoaberto)
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