Irresponsabilidade
organizada e as catástrofes ambientais
O tema da sociedade
produtora de risco global ambiental desenvolvido por Ulrich Beck é
paradigmático neste começo de século. De um lado, assiste-se a consolidação da
sociedade de risco mundial com a ocorrência de catástrofes ambientais
resultantes de decisões tomadas no processo de industrialização e globalização.
Por outro lado, desaparece a hierarquização de quem sofre as consequências dos
riscos produzidos pela sociedade industrial. Ou seja, todos estão expostos aos
riscos e catástrofes ambientais, tanto países desenvolvidos quanto países
subdesenvolvidos, pessoas ricas e pobres, sem exceção. Claro que os estratos
menos favorecidos ou mais pobres da população, são os mais atingidos frente aos
riscos da sociedade global.
Os riscos ambientais
não se refletem apenas localmente. Eles se deslocam, invadem fronteiras,
atravessam continentes e comportam danos sem limites, globais, incalculáveis e
irreparáveis ao meio ambiente. Beck alerta que há uma crescente exportação
invisível de perigos e riscos ambientais, ou seja, eles cruzam fronteiras sem
ser detectados. Um exemplo que caracteriza o risco transnacional e
transtemporal é o acidente ocorrido com petróleo no ano de 2010 nos Estados
Unidos. É impossível calcular hoje toda a dimensão dos impactos e riscos
socioambientais decorrentes, e riscos associados.
As informações
distorcidas e enganosas sobre as tragédias ambientais mostram que, como se, num
passe de mágica a simples compensação financeira institucionalizada pelo
princípio do poluidor-pagador fosse capaz de compensar os impactos e os riscos
sociais e ambientais causados ao meio ambiente.
É nesse contexto que
Beck insere a ideia de uma “irresponsabilidade organizada” que os riscos e
perigos possuem, pois além de uma explosividade física eles possuem uma
explosividade social. Sua análise teórica sobre “sociedade de risco global” o
credencia a alertar a humanidade em relação aos danos ambientais sem limite,
globais e irreparáveis, onde a noção de compensação sedimentada pelo princípio
poluidor-pagador se torna um direito de degradar mediante o pagamento de uma
soma qualquer e, portanto se torna um princípio socialmente inútil e
irrelevante.
Esta é a hora de se
perguntar, se o consagrado internacionalmente princípio do poluidor-pagador não
deve ser seriamente questionado. O que se compreende atrás deste princípio é
que feito o pagamento, cabe ao corpo social a função de recompor o dano, pois o
poluidor pagou. Estamos cansados de observar que existem danos irreversíveis,
ou que são reversíveis em escalas de tempo geológicas de milhares ou milhões de
ano, ou a um custo econômico impagável para a sociedade como um todo.
Há uma lógica de não
controle institucionalizada e um sistema legal que persegue e regula em todos
os seus detalhes os pequenos riscos tecnicamente manejáveis, mas que, por outro
lado legitima e impõe a todos os grandes riscos que a técnica não pode
minimizar. Infelizmente podemos afirmar que os órgãos ambientais atuam de forma
a se proteger desta forma. Potencializam pequenos danos, extrapolam em pequenos
procedimentos, mas são incapazes de uma análise sistêmica e holística do conjunto
da concepção gerada por um empreendimento.
A questão que Beck
levanta está calcada no que ele denomina inimputabilidade legalmente
institucionalizada resultante da fragmentação dos espaços legais dentro dos
Estados bem como fora dos mesmos. Com as normas legais vigentes é possível
dizer que nas grandes catástrofes ambientais a inimputabilidade aflora motivada
pela dificuldade em individualizar a parcela de responsabilidade que cabe a
cada poluidor. O que para Beck resulta no seguinte: quanto mais se envenena,
menos se envenena. Isso se dá amparado em um construto social e legal. Para o
autor por traz das muitas catástrofes ambientais ocorridas é possível
vislumbrar o início, mas sem um fim previsto, ou seja, vivencia-se cada vez
mais a destruição silenciosa do planeta e com uma velocidade assombrosa.
Mas não se deve
imaginar neste momento uma visão niilista ou catastrófica da humanidade ou do
futuro. E sim uma grande oportunidade de melhoria, conforme identificação
consagrada em auditorias de sistemas de qualidade ou sistemas de gestão
ambiental normatizados pela ISO.
É preciso visualizar
que a sociedade humana está tomando consciência da situação e criando
mecanismos jurídicos adequados, alicerçados em sólidas doutrinas e elaborados
constructos teóricos que integram cada vez mais a filosofia, o direito, a
engenharia e a biologia em busca de uma racionalidade humanista ou de um
humanismo hegemônico a partir da visão iluminista de que o homem, centro do
universo, só tem equilíbrio e qualidade de vida com um meio ambiente
equilibrado. Pois o meio ambiente é o ecossistema do “homo sapiens” e de todos
os tipos e espécies de hominídeos.
O paradoxo consiste
em que a irresponsabilidade cresce na medida em que aumenta o número de agentes
que degradam o ambiente, inviabilizando o uso de determinado bem público como a
água.
A probabilidade legal
de responsabilizar os autores das catástrofes ambientais não resolve o
problema, mas o aumento da contaminação e dos níveis de toxidade resulta no que
Ulrich Beck denomina de “irresponsabilidade organizada”. Esse é sem dúvida um
desafio que exige a integração do Direito com as demais áreas do conhecimento
humano. (EcoDebate)
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