Existe um tabu em
relação à ideia de metas demográficas. Este tabu é justificável, pois regimes
autoritários já colocaram em prática metas de crescimento ou controle da
população, com efeitos desastrosos. Ao longo da história, o genocídio sempre
foi utilizado como uma arma de guerra. O caso mais dramático do uso da
manipulação demográfica e de prática eugênicas ocorreu no Nazismo, quando
Hitler incentivava o crescimento demográfico das raças arianas e promovia o
controle ou a eliminação de raças indesejadas (vide o Holocausto e a solução
final contra os judeus). Em termos de controle da população, um dos casos mais
draconianos é o que ocorre atualmente, pois a China tem uma política de filho
único que tem gerado grandes violações aos direitos reprodutivos e provocado o
fetocídio feminino e o femicídio de crianças. Como resultado prático, a China
possui grande desequilíbrio na razão de sexo da população e um grande déficit
de mulheres.
Mas ao longo da
história, os casos mais frequentes são aqueles de manipulação pró-natalista em
favor da grandeza populacional e econômica das nações. O mais consolidado lema
dos dirigentes da América Latina sempre foi “governar é povoar”. Capitalistas,
militares e religiosos sempre foram a favor de uma população grande com oferta
ilimitada de mão-de-obra e jovens para servir de bucha de canhão nas guerras
“patrióticas”. Praticamente todos os hinos nacionais falam em “morrer pela
pátria” e defendem os territórios conquistados. O controle de um grande mercado
interno é o sonho de todos capitalistas, militares e nacionalistas.
Durante a maior parte
da história, a humanidade deu prioridade ao crescimento populacional. Isto
acontecia porque as taxas de mortalidade eram altas e as sociedades se
organizavam para que as mulheres casassem cedo e tivessem muitos filhos,
durante o período reprodutivo que era abreviado pelas altas taxas de
mortalidade materna e pela baixa esperança de vida.
Porém, tudo mudou com
a transição demográfica, que começou com a queda nas taxas brutas de
mortalidade e pelo grande aumento da esperança de vida. Como existe um hiato
entre a queda da mortalidade e da natalidade, sempre ocorre um período de
aceleração da população.
Mas as taxas de
fecundidade do mundo começaram a cair e passaram de 5 filhos por mulher em 1950
para 2,5 filhos por mulher em 2010. Metade da população mundial já está com
taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. E o mais importante foi que
isto aconteceu, em geral, em um quadro de liberdade e de autodeterminação
reprodutiva, respeitando-se os direitos reprodutivos. De regra, quanto maior é
o grau de cidadania de um país, menor são as taxas de fecundidade.
A Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em setembro
de 1994, na cidade do Cairo, no Egito, aprovou o Plano de Ação (PoA) – valido
por 20 anos – que se tornou uma referência fundamental para as políticas de
população e para os direitos sexuais e reprodutivos em todo o mundo. Os
parágrafos 3.14 e 3.15 colocam claramente que a queda da fecundidade é
fundamental para garantir a erradicação da pobreza, para o aumento da qualidade
de vida e para a proteção do meio ambiente; colocando também a necessidade de
estabilização da população:
“3.14 Estão se fortalecendo
mutuamente os esforços para diminuir o crescimento demográfico, para reduzir a
pobreza, para alcançar o progresso econômico, melhorar a proteção ambiental e
reduzir sistemas insustentáveis de consumo e de produção. Em muitos países, o
crescimento mais lento da população exigiu mais tempo para se ajustar a futuros
aumentos demográficos. Isso aumentou a capacidade desses países de atacar a
pobreza, proteger e recuperar o meio ambiente e lançar a base de um futuro
desenvolvimento sustentável. A simples diferença de uma única década na
transição para níveis de estabilização da fecundidade pode ter considerável impacto positivo na
qualidade de vida. 3.15 O crescimento econômico sustentado é essencial, no
conceito de desenvolvimento sustentável, para a erradicação da pobreza. A
erradicação da pobreza contribuirá para reduzir a velocidade do crescimento
demográfico e para se chegar de imediato, a uma estabilização da população”.
Mas a despeito desta
meta demográfica, a população mundial que era de 5,6 bilhões de habitantes, em
1994, deve chegar a 7,2 bilhões em 2014. Portanto, segundo a divisão de
população da ONU, em 20 anos, a população mundial terá crescido 1,6 bilhões de
habitantes. Isto é mais do que todo o crescimento da história da humanidade até
o ano de 1900. Evidentemente, é impossível manter este crescimento exponencial
em um Planeta finito. Esta é uma questão que o processo de revisão da CIPD do
Cairo + 20 não pode ignorar.
As taxas de
fecundidade no mundo caíram pela metade entre 1950 e 2010. Se a parcela
minoritária de países que estão com fecundidade muito elevada promoverem a
redução da fecundidade para o nível de reposição (2,1 filhos por mulher), então
a estabilização da população mundial poderá ocorrer antes de 2050. O
crescimento populacional até 8 bilhões de habitantes já está encomendado,
devido à inércia demográfica. Mas a estabilização pode vir antes dos 9 bilhões
de habitantes, se o tamanho médio das famílias ficar em torno de 2 filhos. Em
1990-95 a taxa de fecundidade do mundo era de 3,1 filhos por mulher e deve
ficar em 2,45 no quinquênio 2010-15. Portanto, falta pouco para se chegar ao
nível de reposição.
A autolimitação da
população humana representa uma mudança da prioridade do crescimento
quantitativo para a prioridade no crescimento da qualidade de vida. Trata-se de
fazer a opção da prosperidade sem crescimento, ou seja, ao invés de ter muitos
filhos, os casais trocam a quantidade de filhos pela qualidade dos filhos. Do
ponto de vista microeconômico, famílias menores possibilitam filhos com maiores
níveis de educação, mulheres com maior inserção produtiva na vida pública e
maior mobilidade social ascendente. Do ponto de vista macroeconômico, a queda
da fecundidade cria um bônus demográfico que possibilita maiores investimentos
na qualidade de vida e na proteção social.
A estabilização da
população é considerada fundamental para a estabilização da economia mundial.
Se a população mundial se estabilizasse, por exemplo, em torno de 9 bilhões de
habitantes durante o terceiro milênio, então o foco passaria ser no modelo de
produção e consumo para tornar possível a sustentabilidade desta população, em
harmonia com a natureza e as outras espécies do Planeta.
O crescimento das
atividades antrópicas tem provocado uma grande degradação do meio ambiente.
Além da poluição dos rios, lagos, oceanos e do solo, milhares de espécies são
extintas todos os anos. Estabilizar a população e o consumo humano é
fundamental para salvar o meio ambiente e possibilitar a recuperação dos
ambientes degradados. A legislação internacional tornou o genocídio um crime
contra a humanidade. Agora falta tornar o ecocídio um crime contra a natureza e
o Planeta. Portanto, a estabilização da população mundial e a defesa do meio
ambiente são metas que a humanidade precisa abraçar, de forma democrática,
livre e com respeito aos direitos humanos, em nome da qualidade de vida não só
da humanidade, mas de todos os seres vivos da biodiversidade da Terra. (EcoDebate)
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