Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre: Brasil desenvolve
modelo de mudanças climáticas globais
Modelo Brasileiro
do Sistema Terrestre leva em conta questões climáticas particulares do Brasil e
de outros países da América do Sul. Na foto, ciclone tropical na costa
brasileira, em 2004 (NASA/GSFC)
No mundo hoje, há
poucos países que lideram os avanços científicos em modelagem climática. A
maioria deles – como os Estados Unidos, por exemplo – está no Hemisfério Norte.
A Austrália era o único país no Hemisfério Sul que possuía essa capacidade.
Após desenvolver por 30 anos modelos climáticos próprios, porém, o país
abandonou seus esforços na área e optou por importar e ajudar a aprimorar um
modelo do Hadley Centre for Climate Prediction and Research , da Grã-Bretanha.
Agora, o Brasil acaba
de preencher essa lacuna deixada pela Austrália e se credenciou ao seleto grupo
de países capazes de desenvolver um modelo, validar e simular as mudanças
climáticas globais.
Pesquisadores de
diversas instituições, integrantes do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas
Globais (PFPMCG), da Rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais
(Rede Clima) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Mudanças
Climáticas (INCT-MC), concluíram a versão preliminar do Modelo Brasileiro do
Sistema Terrestre (BESM, na sigla em inglês).
Alguns dos primeiros
resultados de simulações feitas com o novo modelo foram apresentados no
Workshop sobre o BESM, realizado no dia 19 de fevereiro, na FAPESP.
“A opção do Brasil de
enfrentar o desafio de desenvolver seu próprio modelo de sistema climático
global, em vez de importar um modelo pronto e aplicá-lo, foi feita com o
objetivo estratégico de construir uma rede de pesquisadores capazes de atuar em
todas as dimensões da construção de um modelo desta natureza, como no
desenvolvimento, validação e simulação”, disse Carlos Nobre, secretário de
Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), membro da coordenação do Programa FAPESP de
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e um dos idealizadores do
BESM.
“Como nós temos uma
comunidade científica atuante no desenvolvimento e integração dos componentes
de um modelo do sistema terrestre de boa qualidade, mas ainda incipiente
numericamente, não poderíamos dar um passo como o da Austrália – que tem uma
enorme competência em modelagem climática e uma grande comunidade de
pesquisadores especializados em todos os aspectos relacionados ao clima – de
aprimorar um modelo em parceria com outro país”, explicou Nobre.
Contribuição
brasileira
De acordo com Nobre e
outros pesquisadores presentes ao evento, uma das principais contribuições do
novo Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre para os esforços internacionais de
avanço das ciências climáticas, ambientais e atmosféricas será olhar para
algumas questões particulares do Hemisfério Sul e representar alguns processos
ambientais importantes para o Brasil e outros países da América do Sul que são
considerados secundários nos modelos climáticos internacionais.
Entre essas questões,
estão as queimadas, capazes de intensificar o efeito estufa e mudar as
características de chuvas e nuvens de uma determinada região, por exemplo, e o
desmatamento da Amazônia.
“Como é a própria
comunidade científica brasileira na área de modelagem climática que desenvolve
esse novo modelo do sistema terrestre, é mais lógico e até mais fácil, de certa
forma, ela introduzir a modelagem desses fenômenos que são mais típicos da
América do Sul”, avaliou Nobre.
A ideia do BESM,
segundo Nobre, é ser uma plataforma aberta, em que várias hipóteses de
processos que acontecem na América do Sul, no Oceano Atlântico e na Antártica,
por exemplo, possam ser testadas pelos pesquisadores de áreas relacionadas às
ciências climáticas e ambientais.
“O objetivo foi
construir um modelo climático com competência brasileira que seja incorporado
como uma contribuição do país para a construção de um sistema global de
modelagem do sistema terrestre, como se pretende criar nos próximos anos”,
disse Nobre.
“No futuro haverá um
sistema global de modelagem do sistema terrestre por meio do qual será possível
montar um modelo climático por módulos que interessem a um pesquisador para
testar suas hipóteses”, estimou.
Previsões climáticas
O Modelo Brasileiro
do Sistema Terrestre também deverá ser utilizado para a definição de políticas
públicas no Brasil de adequação do país aos impactos das mudanças climáticas
globais.
De acordo com o
Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Eventos Climáticos e Desastres
(SREX, na sigla em inglês) – divulgado recentemente pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) –, nas últimas décadas
aumentou a frequência dos eventos climáticos extremos no mundo em função das
mudanças climáticas.
No final de março de
2004, por exemplo, a região Sul do Brasil foi atingida pelo furacão Catarina –
o primeiro de classe 1 (com ventos de 119 a 153 quilômetros por hora e elevação
do nível do mar de 1,2 a 1,6 metro) registrado no país.
“O novo modelo também
tem a finalidade de melhorar as condições de previsão de clima sazonal no
Brasil”, disse Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), um dos coordenadores do projeto.
Primeiros resultados
Segundo o
pesquisador, o desenvolvimento do novo modelo possibilitou melhorar a previsão
de precipitação (chuva) no Atlântico Sul e na América do Sul.
“É muito difícil
melhorar a previsibilidade de precipitação no Atlântico Sul. Mas, como o novo
modelo, houve um aumento generalizado da melhoria da previsão tanto de
temperatura da superfície das águas do Atlântico Sul como da América do Sul”,
afirmou.
Outro resultado da
implementação do modelo foi a constatação de que o desmatamento da Amazônia
aumenta a possibilidade de ocorrência de El Niño (fenômeno caracterizado por um
aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, capaz
de afetar o clima regional e global).
“Este foi um
resultado antecipado que o modelo já pode verificar mesmo sendo uma versão
preliminar, de baixa resolução”, disse Paulo Nobre. Segundo o pesquisador, o
modelo também é capaz de prever a capacidade de formação de chuva da Zona de
Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) – uma região com uma extensa faixa e
bandas de nuvens formadas desde a Amazônia, Brasil Central e Sudeste até o
Oceano Atlântico – que os modelos existentes até então eram incapazes de
prever.
O Brasil ainda passou
a ter a capacidade de executar a previsão da extensão de gelo marinho do
planeta.
“Pela primeira vez no
país existe capacidade de prevermos o avanço e a retração do gelo marinho não
só no Hemisfério Sul, onde existe uma grande dificuldade de realizar previsões
de extensão de gelo, como em outras partes do planeta”, disse Paulo Nobre.
“O modelo tem
previsto, por exemplo, os últimos recordes de diminuição da extensão do gelo do
Ártico, o que nos dá sinais de que estamos no caminho certo”, avaliou.
Aprimoramentos
O novo modelo foi
construído a partir da experiência em modelagem climática implementada no
Brasil a partir da década de 1990 com a criação no INPE do Centro de Previsão
de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).
A fim de desenvolver
o projeto, os pesquisadores utilizaram um modelo climático acoplado (unido) de
oceano e atmosfera desenvolvido pelo CPTEC há mais de uma década e introduziram
nos últimos anos outros componentes, como vegetação dinâmica, hidrologia
continental, ciclo de carbono dos oceanos e gelo marinho.
Para integrar esses
diferentes componentes do modelo, os pesquisadores utilizam o supercomputador
Tupã, instalado no final de 2010 no CPTEC, em Cachoeira Paulista (SP), com
recursos da FAPESP e do MCTI.
As simulações
brasileiras foram submetidas ao Projeto de Intercomparação de Modelos
Acoplados, Fase 5 (CMIP5, na sigla em inglês), que deverá ser utilizado pelo
IPCC para balizar seu quinto Relatório de Avaliação (AR 5, na sigla em inglês),
previsto para ser publicado no final de 2014.
“O modelo deve
inaugurar a participação brasileira nos cenários globais de mudanças climáticas
do CMIP5 e do AR 5”, disse Paulo Nobre. (EcoDebate)
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