Neste post, quero
chamar a atenção, dentre outros pontos, para um artigo de autoria de Richard
Betts e colaboradores, recentemente publicado no Philosophical Transactions of the Royal Society, cujo título é “When could global warming reach 4°C?”
Apesar de,
especialmente acima de 3 graus de aquecimento, as incertezas nos impactos
crescerem, sabe-se que um planeta 4 graus acima da era pré-industrial (mais de
3 graus mais quente do que o presente) é virtualmente irreconhecível. O
primeiro ponto diz respeito a tempestades mais intensas. Uma atmosfera mais
quente permite a presença de uma maior quantidade de vapor d’água, o que tem o
efeito, como discutimos em outro momento, de amplificar a intensidade de
tempestades, furacões e outros fenômenos extremos. O segundo se remete às
geleiras. Como se sabe as projeções de degelo tem sido profundamente
conservadoras, subestimando o que de fato tem acontecido (como já mostramos, o
recorde de degelo no Ártico em 2012 aconteceu com mais de duas décadas de
antecipação em relação à projeção mais “pessimista” e cerca de 50 anos antes do
que a média dos “modelos do IPCC” previu, quando do quarto relatório).
Comparação entre os
cenários de emissão SRES (cenários adotados nos relatórios anteriores do IPCC,
isto é, até o AR4) e as emissões observadas.
Na medida em que nos
damos conta da realidade, porém, esse cenário assustador se torna,
lamentavelmente, mais palpável. A pergunta do artigo, isto é, “quando o
aquecimento global pode alcanças 4 graus?” é pertinente já ao olharmos a figura
ao lado. Extraída de artigo de Betts et al., ela mostra as emissões observadas
(quadradinhos) em comparação com cenários que foram usados para guiar as
projeções dos relatórios anteriores do IPCC (do segundo – o SAR – ao quarto, o
AR4, disponíveis no próprio site do IPCC). Esses cenários eram divididos em
“famílias”, sendo que os cenários A tinham ênfase na expansão econômica, ao invés da proteção
ambiental e, evidentemente seriam aqueles para os quais as emissões de gases de
efeito estufa em geral seriam maiores. Na figura, fica claro que estamos
seguindo de perto os piores cenários (é particularmente marcante a similaridade
entre a curva observada e as emissões previstas conforme o cenário A1FI*, uma variante
do cenário “[fóssil] fuel intensive“, isto é, de uso
intensivo de combustíveis fósseis). A lição é clara: a humanidade tem praticado
o perigoso “business as usual“,
ou seja, na prática tem ignorado todos os alertas emitidos com base nas
descobertas da Ciência do Clima moderna.
Um conjunto de
resultados anteriores de modelagem climática que Betts et al. destaca são os do
chamado C4MIP (em que “C4″ corresponde a quatro C’s de “Coupled Climate–Carbon Cycle“, referindo-se ao acoplamento entre
o clima e o ciclo do carbono). O eu eles tem de especial? Assim como em outros “mip’s” (projetos de intercomparação de
modelos), diferentes modelos foram testados em cenários nos quais, ao invés de
se informar aos modelos qual a concentração dos gases de efeito estufa, eram
informadas as emissões antrópicas, e os modelos, através de cálculos do ciclo
de carbono, tinham de prever as concentrações desses gases. Isto permite que
mecanismos de retroalimentação apareçam, tanto positivos (por exemplo, o
derretimento do solo congelado, o “permafrost”
que permite que mais matéria orgânica se decomponha, com emissão de metano),
tanto negativos (uma maior concentração de CO2 na atmosfera permite que certas
espécies vegetais realizem fotossíntese de forma mais acelerada, processo conhecido
como ”fertilização por CO2″ e, portanto, alguns biomas podem fazer um
“sequestro de carbono” mais eficiente).
Projeções de
temperatura global dos modelos do C4MIP: em preto, o conjunto de modelos
alimentados pela concentração de gases de efeito estufa. Em vermelho, o
conjunto de modelos alimentados pelas emissões.
O que esse esses
modelos com que contém um “ciclo do carbono” nos diziam então? Duas coisas,
ambas traduzidas na imagem ao lado. Primeiro, fica clara a que o papel do ciclo
do carbono é uma incerteza importante, pois as linhas em vermelho estão mais
espalhadas do que as linhas em preto. Segundo, é que, mesmo com esse
espalhamento, há indícios de que, no ciclo do carbono terrestre, há mais
feedbacks positivos do que nagativos. Isto significa que, ao se considerar o
ciclo do carbono, os processos em que o aquecimento é amplificado (como a
liberação de metano do derretimento do solo congelado) dominam, segundo a maior
parte dos modelos, os processos que poderiam amortecê-lo, como a fertilização
por CO2.
Projeções de
temperatura média global, em comparação com a média de 1861-1890 de acordo com
os vários membros do conjunto do modelo HadCM3-QUMP, sob o cenário A1FI.
Como as emissões
observadas estão seguindo fortemente os cenários de emissões maiores, Betts e
seus co-autores tomaram simulações diferentes com o modelo inglês (o HadCM3),
em que a representação de processos físicos era diferia de um para o outro.
Tais simulações foram feitas sob o cenário de emissões A1FI. O resultado (as
projeções de temperatura de cada um deles) é mostrado no gráfico ao lado, em
que os membros do conjunto que levam a um aquecimento de 4 graus ou mais até
2100 aparecem em laranja (uma ampla maioria, em comparação com os que,
mostrados em azul, projetam aquecimento de menos de 4°C até o fim deste
século). Um dos membros antecipa esse aquecimento desmedido para 2060 e a ampla
maioria dos membros chega a esse valor antes de 2080.
As conclusões dos
autores são bastante sérias, tanto para a comunidade científica quanto para
tomadores de decisão, formuladores de política e público em geral.
Do lado dos tomadores
de decisão e do público, a lição é que, em função dos feedbacks relacionados ao
ciclo do carbono, há mais chances de as mudanças climáticas serem mais aceleradas
do que imaginávamos do que de serem menos aceleradas, bastando comparar o
conjunto de linhas vermelhas com o de linhas pretas na segunda figura deste
artigo. Isso deve alertar ainda mais para a necessidade e urgência das medidas
(sobre as quais tanto temos insistido) para conter as emissões, com ênfase na
extinção dos combustíveis fósseis.
Do lado dos
cientistas, deveria ficar a lição da necessidade de nos debruçarmos de maneira
concentrada e responsável sobre as incertezas. Fica claro que quando introduzimos
um “grau de liberdade” extra na representação do sistema climático pelos
modelos (o ciclo do carbono), essas incertezas aumentam, seja no contexto dos
vários “modelos do IPCC”, seja no contexto de um modelo com diferentes versões.
É preciso portanto, entender melhor o papel do ciclo do carbono, se este é de
amplificar (como, pelo conjunto dos modelo, parece ser o caso) ou atenuar o
aquecimento global (o que também é possível, apesar de a maioria dos resultados
preliminares, do C4MIP, indicar o contrário).
Amazônia: assim como
antes, a possibilidade de “die-back” não podia ser encarada como uma catástrofe
certa, os estudos que sugerem que o mesmo não ocorrerá não podem ser vistos com
otimismo injustificado.
Em fevereiro/13
interagi com o próprio Richard Betts (via twitter), a respeito das publicações
que têm anunciado “boas notícias” sobre a Amazônia (ver, por exemplo, o anúncio
da Reuters, que diz “Floresta Amazônica mais resistente à mudança climática do
que se temia – diz estudo” ou a publicação trazida pelo Portal Ecodebate) com
base neste estudo de Peter Cox e colaboradores, recém-publicado na Revista Nature. Voltarei a este assunto logo
que puder, mas meu questionamento foi no sentido de que, da mesma forma que fui
crítico ao alvoroço em torno do die-back,
isto é, da morte da floresta que era prevista até o fim do século por um modelo
(coincidente e ironicamente, outro modelo do centro inglês), serei crítico do
que considero um otimismo injustificado.
Tá rindo de quê?
Considero assim,
porque, em primeiro lugar, mesmo que a floresta como um todo não desapareça num
cenário de aquecimento global de 4 graus, a mesma não é homogênea. Há porções
da floresta que são mais vulneráveis do que outras e, portanto, poderia haver
avanços do cerrado e/ou da savana venezuelana sobre porções da floresta. As
espécies também não são “resilientes” por igual e a extinção de certas espécies
vegetais, ainda que não leve à perda integral da floresta certamente
representam uma importante fonte de desequilíbrio no ecossistema. Mas para mim,
o mais grave, como o próprio Richard Betts admitiu, é que há um grande número
de processos que não são bem representados em nenhum modelo ainda (incluindo
aquele utilizado no artigo de Peter Cox), e que podem ser cruciais: a
mortandade de árvores em secas, cheias e tempestades, o aparecimento e
crescimento de pragas e o risco de incêndios florestais. Em suma, meu ponto de
vista é que sequer o “die-back” pode ser completamente descartado e que o
otimismo de alguns textos recentes é desprovido de sentido, vindo bem ao
encontro do que exposto em outro artigo. (EcoDebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário