sexta-feira, 5 de julho de 2013

Obama, mudança climática e carvão

O presidente americano Barack Obama anunciou em 25/06/13, um conjunto de iniciativas para combater o aquecimento global, com medidas para reduzir as emissões de carbono, preparar os Estados Unidos para os impactos das alterações climáticas e fortalecer a cooperação internacional para lidar com o problema.
O anúncio representa o movimento político mais importante do atual governo desde a ampla reforma energética proposta em 2009, aprovada inicialmente na Câmara e posteriormente derrotada no Senado.
Nessa nova tentativa de fixar o legado de sua presidência no combate à mudança climática e no apoio às energia limpas, Obama privilegiou as ações no âmbito do próprio Executivo. Dessa forma, procurou evitar o enfrentamento legislativo que marcou o seu primeiro mandato. Contudo, se, por um lado, o presidente se livrou dos desgastes e das derrotas desse tipo de enfrentamento, por outro, sem o recurso a mudanças regulatórias significativas, suas opções se tornaram mais limitadas. Assim como mais sujeitas a questionamentos legais.
Entre as medidas anunciadas, sem dúvida, a de maior impacto ambiental, econômico e político é a proposta de definição de padrões de emissão de CO2 para as plantas de geração de eletricidade, tanto para as novas quanto para as já existentes; lembrando que a geração de eletricidade é responsável por um terço das emissões americanas de gases de efeito estufa.
Obama considera que tem o mandato legal para agir na redução das emissões de carbono a partir da determinação da Suprema Corte de que o CO2 é um poluente. Nesse sentido, o presidente estabeleceu que a agência federal do meio ambiente (Environmental Protection Agency – EPA) trabalhe em conjunto com os estados, a indústria e outras partes envolvidas com o problema, na determinação de novos padrões de poluição do carbono, similares àqueles que já existem para outros poluentes tóxicos como o mercúrio e o arsênico. Essas novas regras deverão estar definidas e prontas para serem aplicadas dentro de dois anos.
Embora essa medida tenha sido bem recebida pelos ambientalistas, que consideram que finalmente Obama atacou o problema central das emissões americanas que são as plantas de geração, ela enfrentará uma fortíssima oposição por parte dos Republicanos e da indústria, que consideram que as novas regras irão elevar os custos da energia, destruir empregos e enfraquecer a economia.
No centro do debate encontram-se as plantas de geração a carvão. Maiores emissoras de CO2, não há controvérsia de que o grande foco do plano de Obama é reduzir a sua participação na matriz elétrica americana.
Assim, desacelerar o processo de mudança climática implica em reduzir as emissões de CO2, reduzir essas emissões implica na redução do uso dos combustíveis fósseis, reduzir o uso dos combustíveis fósseis, no caso americano, implica na redução do uso do carvão.
A aplicação das novas regras deverá levar a esse resultado na medida em que a partir delas as empresas elétricas irão gerar mais usando gás natural, nuclear, eólica e solar, que deverão se tornar comparativamente fontes mais baratas e rentáveis em relação ao carvão. De tal modo que haverá uma grande redução, ou mesmo eliminação, de novas plantas que utilizem essa fonte.
Deve-se ter em conta que a significativa redução das emissões de CO2 observada nos EUA nos últimos anos deveu-se principalmente a redução da atividade econômica causada pela crise de 2008 e a substituição do carvão na geração de eletricidade pelo gás natural, extremamente barato em função da imensa disponibilidade do chamado shale gas (gás não convencional); portanto, fatores que não podem ser debitados ao presidente americano. Assim, a definição das novas regras representaria a retomada do protagonismo do governo federal nesse processo de redução de emissões.
Essa retomada, segundo um conjunto de atores políticos e econômicos que se opõem às novas regras – republicanos, empresas elétricas, estados produtores -, teria um sentido político claro: uma declaração de guerra ao carvão por parte do governo Obama. Contudo, essa guerra já vem de longe.
Durante a última campanha presidencial, o lobby reunido na American Coalition for Clean Coal Electricity – ACCCE –, a face mais agressiva e pública da indústria do carvão, lançou uma campanha publicitária de 35 milhões de dólares acusando Obama de levar a cabo uma guerra contra o carvão, desligando usinas, destruindo empregos e enfraquecendo a economia do país.
Na verdade, de 2008 a 2012, a indústria quase quadruplicou suas contribuições políticas, direcionando 90% de seu dinheiro para os republicanos.
O esforço para manter Obama fora da Casa Branca foi um fracasso total. Ele venceu a reeleição confortavelmente, levando todos os principais swing states que produzem a maior parte do carvão: Pensilvânia, Ohio, Colorado e Virgínia.
O fato é que o carvão hoje em termos econômicos é bem menor do que era antes. A mensagem central da campanha de 2012 era de que as novas regras do EPA iriam custar milhões de empregos. No entanto, de acordo com o Bureau of Labor Statistics, existem apenas 84 mil empregos nos EUA em mineração de carvão. Na verdade, de 1978 a 2012, o setor perdeu 100.000 postos de trabalho.
Para aquelas famílias que dependem do carvão, historicamente membros e simpatizantes dos sindicatos, historicamente mais democratas do que republicanos, que ficaram nervosos com a crise de 2008 e estão em pânico com o plano de Obama, é difícil entender por que seus empregos estão sendo destruídos, não pela competição estrangeira ou pelo comércio internacional, mas pelo juízo de valor de uma parte da sociedade e pela decisão de políticos distantes.
Certamente, os mineiros irão sofrer se o carvão continuar a diminuir sua participação na matriz energética americana, porém o fato político relevante é que o número de pessoas empregadas na indústria não é suficiente para fazer a diferença em uma eleição nacional.
A indústria do carvão esperava que a redução do uso de carvão nos EUA continuasse sendo compensada pelos mercados internacionais, mediante a exportação para a China e Europa. No entanto, Obama em seu discurso da semana passada pediu que todos os governos do mundo restringissem o financiamento público para as usinas a carvão; enviando um claro sinal de que os EUA não rejeitam o carvão apenas em casa, mas também no mundo.
Imprensada pelo boom do gás natural, pelo rigor das novas regras, e pela redução da influência política dos estados produtores, a indústria do carvão se prepara para uma difícil batalha pela frente.
A questão fundamental para ela é a manutenção ou não do enfrentamento com o governo Obama.
O problema é que a solução que poderia atender aos dois lados repousa em uma ruptura tecnológica: a captura e o armazenamento de carbono (CCS, Carbon Capture Storage).
Infelizmente, o sucesso desta empreitada está longe de estar garantido. O Departamento de Energia tem tentado avançar na captura de carbono desde o governo de George W. Bush, e até agora já gastou mais de 5 bilhões de dólares, mas muitos cientistas duvidam que a tecnologia funcione.
Na medida em que esse tipo de pesquisa é tão caro e o sucesso encontra-se tão distante, apenas uma entidade está investindo significativamente na busca de uma solução para a captura e estocagem de carbono: o governo dos EUA.
Se o governo aponta essa tecnologia como uma saída para o carvão, seus opositores a veem apenas como uma maneira do governo afirmar que está fazendo alguma coisa pelo carvão quando na verdade não está fazendo nada.
Cabe chamar a atenção que a coalizão lobista reunida em torno do carvão é composta por diferentes agentes econômicos – empresas de mineração, empresas elétricas, ferrovias, etc. – que têm visões diferentes sobre carbono, mudança climática e administração Obama. Essa divergência tem dificultado o estabelecimento de consensos dentro da coalizão, abrindo a possibilidade para uma divisão que possibilite a construção de uma saída negociada com o atual governo.
Da evolução dessa possibilidade irá depender o vigor da reação às medidas propostas por Obama na ultima terça-feira. Mantendo-se o atual quadro de resistências, a definição das novas regras e as disputas legais em torno delas provavelmente tomarão um tempo bem maior do que os dois anos esperados pela Casa Branca.
Desse modo, se, por um lado, o anúncio feito por Obama na Universidade de Georgetown na semana passada reforça o compromisso do presidente com o enfrentamento da mudança climática e com as energias limpas, por outro, demonstra de maneira clara as suas enormes limitações na definição de um novo e amplo arranjo institucional e regulatório que viabilize de fato tanto o controle do processo de mudança climática quanto a ampliação acelerada da participação das fontes limpas na matriz energética americana. (ambienteenergia)

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