Leito de lixo, na
rua Lino Teixeira com Álvares de Azevedo, cidade do Rio de Janeiro, agosto,
2014, de Beatriz Diniz [Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial 3.0
Brasil]
Se você acha que faltar água é problema do Nordeste e agora
de São Paulo, ah, está de inocente na história do nosso país. Estamos em plena
crise de água e saneamento, acumulando ralos de desperdício e gargalos de
degradação. Somos 77 milhões sem abastecimento de água regular e de qualidade.
Somos 114 milhões sem uma solução sanitária apropriada [60% da população].
Somos 8 milhões de brasileiros fazendo necessidades ao ar livre todos os dias.
Os dados do informe da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentados em
setembro/14, refletem a desimportância do tema por aqui.
Água é um recurso natural vital [ou vivemos sem água?], não
produzimos alimentos sem água, sem água não são feitas as coisas que compramos.
O planeta tem apenas 0,6% de água doce em sua superfície. No Brasil estão 12%
de toda água doce do planeta, uma preciosidade sob nossos cuidados.
Vamos conversar sobre a Política Nacional de Recursos
Hídricos? Não. Ah tá…
Falta de água não é um “privilégio” de São Paulo e nem é um
problema que mereça ser tratado como munição de marketing eleitoral, tão pouco
está suspenso do restante do país ou desconectado das questões econômicas e
ambientais no mundo. A crise da água é mundial, agravada com o aquecimento do
planeta e as mudanças climáticas, decorrentes de um modelo econômico
insustentável que forja a sociedade de consumo e sua alienação [e nelas está
baseado]. A estiagem no Sudeste e no Centro-Oeste tem relação com o
desmatamento na Amazônia, a natureza não tem fronteiras. Culpar políticos,
porque são filiados a um partido e não a outro, pelo problema de faltar água em
Sampa é tão raso quanto o baixo nível do Cantareira. E é uma demonstração de
como ignoramos políticas públicas que deviam estar em execução e com nossa
participação.
A Política Nacional de Recursos Hídricos foi sancionada em
1997 [Lei 9.433], instituindo o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, com gestão participativa em todos os níveis, ou seja,
responsabilidade de todos, dos poderes públicos, da iniciativa privada e da
sociedade. Temos uma Política Nacional de Saneamento desde 2007 [Lei 11.445]. E
ainda são problemas básicos para se enfrentar, em todo Brasil, a poluição das
fontes de água por esgoto, resíduos de indústrias, da agropecuária e todo tipo
de lixo, a degradação da vegetação nas margens, o desperdício na distribuição e
no uso doméstico e industrial, a baixa captação de água das chuvas, o pouco
reuso e a falta de noção do valor da água e de educação ambiental para o
consumo consciente.
Devemos acreditar mais em cientistas e técnicos [e menos em
candidatos e eleitos]. Temos que aprender a ler e considerar estudos e
pesquisas [e não discursos de ocasião, como eleições e tragédias]. Precisamos
entender que a crise da água é fato em nosso país e no mundo [e não uma arma de
botar medo], que não se reduz a um Estado ou outro [muito menos conforme esse
ou aquele partido] e que requer seriedade conforme a importância desse recurso
natural para a vida de todos [independentemente de preferências políticas]. E
está mais que na hora de seguir as leis, por que não?
Preferimos seguir “líderes políticos” no sentido contrário à
sustentabilidade
Esquecemos que temos a Política Nacional de Meio Ambiente,
das mais avançadas no mundo com sua gestão participativa, definida em 1981 por
Lei [6.938]. Seria promotora de diálogos e de participação social, ó, faz
tempo, não fosse engavetada na estupidez, massacrada no desrespeito, sufocada
na política econômica baseada no crescimento custe o que custar e [a pá de cal]
chafurdada na reles disputa pelo poder.
Nas leis que ignoramos estão instâncias de diálogos e
participação da sociedade que não dependem de decreto, votação, aprovações. A
roda já foi inventada. Basta olhar para fora do umbigo. E a preocupação com o
Meio Ambiente gerou o instrumento mais poderoso e apaixonante de participação
social, englobando os aspectos econômico, ambiental e social, com dinâmicas
espetaculares de espalhamento de cidadania, responsabilidade, engajamento e
amor pelo lugar em que se vive: a Agenda 21. É o “pensar global, agir local”
que dá a municípios e estados a autonomia de fazer política no melhor dos
exercícios, no cotidiano dos cidadãos, para o bem coletivo.
A Agenda 21 Brasileira foi lançada em 2002 e implementada em
2003 [seu projeto foi iniciado em 1995 e as bases para discussão foram
divulgadas em 2000]. No site do Ministério do Meio Ambiente [MMA], na seção sobre o processo de construção, consta que
foi reconhecida no programa de governo do então presidente Lula como
“instrumento propulsor da democracia, da participação e da ação coletiva da
sociedade [...] e suas diretrizes inseridas [...] em suas orientações
estratégicas.” E mais, que foi transformada em programa no Plano Plurianual do
Governo 2004/2007 [PPA], com três ações estratégicas [implementar a Agenda 21
Brasileira, elaborar e implementar as Agendas 21 Locais e a formação continuada
em Agenda 21]. Bonito, né?
Então, pensa rápido, você conhece a Agenda 21 Brasileira?
Difícil que sua resposta seja sim. Até porque se quiser conhecer, tem de
consultar o site do MMA e não vai encontrar informações atualizadas sobre os
resultados até 2007 no PPA e a continuidade do programa até 2013. Nada acontece
se você clicar no mapa das regiões, que seria para acessarmos as iniciativas
regionais, estaduais e municipais de Agenda 21. E o acesso ao sistema de
acompanhamento das Agendas 21 Locais só com cadastro e justificativa. A maioria
das informações datadas é de 2004, quando chegamos ao número de Agendas 21
Locais quase triplicado e 544 processos em andamento. Ah, esse incremento
ocorreu no período em que Marina Silva era a ministra.
Sabe o que é governança ambiental frouxa?
Pois é o que você está sentindo na pele, seja com o calor
infernal no Rio de Janeiro, em São Paulo, seja com o granizo no sul de Minas
Gerais ou com as tempestades em Manaus, no Acre, em Santa Catarina. Na vida
real, o futuro já chegou, com altas temperaturas, baixa umidade, pouca chuva,
escassez de água, chuva demais fora de época, enchentes. Poluição do ar, das
águas doces e salgadas, dos solos, dos alimentos. Florestas ardendo em chamas,
queimadas destruindo reservas de árvores, plantas, flores e bichos.
Desmatamento. Eis o que estamos fazendo com o privilégio de ter abundância de
recursos naturais e uma boa parte de toda água doce do planeta.
Meio ambiente no Brasil, na perspectiva da Economia,
representa um potencial fenomenal de liderarmos a transição para o
Desenvolvimento Sustentável. Só que não… Seguir com o modelo econômico
insustentável não nos dá um pingo sequer de “mudança” ou de “ideias novas”, é
mais do mesmo. E o que é pior, nos atola na cultura da sociedade de consumo com
poder aquisitivo e sem poder de escolha, com parcelas no cartão e futilidade na
cachola.
É tempo de despertar. Tictactictactictactictactictac…
Sustentabilidade está em nós, no nosso livre arbítrio, nas nossas atitudes
cotidianas. Ative o seu protagonismo para democratizar a governança ambiental
na sua cidade com o Pequeno Guia da Agenda 21 Local
[de Patricia Kranz] e inspire outras pessoas. (ecodebate)
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