Na última década, pelo menos, cientistas, pesquisadores e ambientalistas
insistentemente alertam para os riscos de uma grave crise hídrica.
Alertaram para a necessidade de revitalizar bacias hidrográficas,
recuperar mananciais, ampliar ao máximo os sistemas de captação e tratamento de
esgoto, conservar e proteger as áreas de recarga dos aquíferos. Isto sem falar,
da redução do desperdício dos sistemas de distribuição, do uso perdulário da
água pela agricultura e do desperdício pelos consumidores.
Além disto, cientistas, pesquisadores e ambientalistas também alertavam
que o desmatamento da floresta amazônica ameaçava os ‘rios voadores’, de fundamental
importância para o clima e as chuvas na região sudeste.
Alertaram em vão e foram rotulados de catastrofistas e apocalípticos,
para dizer o mínimo. Os desenvolvimentistas a qualquer custo e os paladinos do
agronegócio, em especial, sempre desqualificaram os alertas, por maior
embasamento científico que tivessem.
Sei disto muito bem porque perdi a conta de quantas vezes enfrentei esta
desqualificação.
Pois bem, exatamente como nos alertas, a crise hídrica chegou.
O estudo ‘O Futuro Climático da Amazônia‘, por exemplo, estimou
que o desmatamento acumulado na Floresta Amazônica, em 40 anos de análise,
somou 762.979 quilômetros quadrados (km²), o que corresponde a três estados de
São Paulo. Dentre suas conclusões, destacou que floresta amazônica não mantém o
ar úmido apenas para si mesma. Ela exporta essa umidade por meio de rios aéreos
de vapor, os chamados “rios voadores,” que irrigam áreas como o Sudeste,
Centro-Oeste e Sul do Brasil e outras áreas como o Pantanal e o Chaco, além da
Bolívia, Paraguai e Argentina.
O pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),
Antônio Nobre, em entrevista e com base no estudo, estimou que, nos últimos 40
anos, a Amazônia perdeu 42 bilhões de árvores e que é impossível não relacionar
os dados com a crise hídrica e a seca pelas quais passa o Brasil atualmente.
Ainda segundo Nobre, uma árvore grande da Amazônia chega a evaporar mil
litros de água em apenas um dia. Se calcularmos todas as árvores da bacia
amazônica, a quantidade de vapor que vai pra atmosfera corresponde a 20 bilhões
de toneladas de água por dia (mais que o Rio Amazonas coloca no Oceano
Atlântico no mesmo período).
A mesma lógica perversa também ocorre no Cerrado, vigorosamente
devastado para a expansão do agronegócio. O Prof. Altair Sales Barbosa, em
entrevista, destacou que …”Somente na abrangência do Cerrado, destaca,
“encontram-se três grandes aquíferos responsáveis pela formação e alimentação
dos grandes rios continentais. Um deles e o mais conhecido é o aquífero
Guarani, associado ao arenito Botucatu e a outras formações
areníticas mais antigas. Esse aquífero é responsável pelas águas que alimentam
a bacia hidrográfica do Paraná, além de alguns formadores que vertem para
a bacia Amazônica. Os outros dois são os aquíferos Bambuí e Urucuia (…)
Os aquíferos Bambuí e Urucuia são responsáveis pela
formação e alimentação dos rios que integram a bacia do São
Francisco e as sub-bacias hidrográficas do Tocantins, Araguaia,
além de outras situadas na abrangência do Cerrado”. Isso significa que,
“representada por uma complexa teia, as águas que brotam
do Cerrado são as responsáveis pela alimentação e configuração das
grandes bacias hidrográficas da América do Sul”. “
Em meio a isto, o rio São Francisco agoniza, a ponto de sua nascente
histórica ter secado. E, em quase todo país, os estoques de água nos
reservatórios das hidrelétricas estão perigosamente baixos, como nos níveis de
2001, trazendo de volta o risco de racionamento de energia.
Diante deste grave cenário, aqueles que nos desqualificaram permanecem
impávidos e incapazes de autocritica. Uma parte, relativiza a crise e aposta na
generosidade de São Pedro. Outra parte, opta por defender megaobras hídricas
como ‘solução’, embora em custos astronômicos. Nesta lógica imediatista, o
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, apresentou à presidenta Dilma
Rousseff, uma lista de oito obras, orçadas em R$ 3,5 bilhões, visando a
‘segurança hídrica’ de São Paulo. Mais uma vez, mais obras, obras, obras e nada
de gestão, eficiência, redução de desperdício e revitalização de bacias.
Ou seja, os desenvolvimentistas apostam em mais do mesmo. E, mais uma
vez, alguns apostam e todos perdem.
Sinceramente, não percebo que governos, autoridades, gestores, usuários
e consumidores realmente compreendam a dimensão da crise e que as soluções
passam pelas mesmas recomendações que cientistas, pesquisadores e
ambientalistas fazem há mais de uma década.
Pena, porque a crise hídrica chegou para ficar. (ecodebate)
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