“Populações
grandes e em crescimento são boas para uma coisa: guerra” - Andrew McKillop
“O
patriotismo é o último refúgio dos canalhas” - Samuel Johnson
O
pronatalismo e o familismo são características marcantes da história desde
quando a humanidade passou a dominar a agricultura e investiu na domesticação
dos animais. Segundo Ron Patterson: “Há 10.000 anos os seres humanos e seus
animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos
vertebrados da terra. Agora, eles são 97%”.
O
crescimento da população e da economia foi incentivado pelas religiões, pelas
famílias, pelo patriotismo e pelas instituições governamentais. Este
comportamento era justificado em função das altas taxas de mortalidade. O
pronatalismo era defendido como parte da luta pela sobrevivência da espécie
humana e para o engrandecimento das nações (patriotismo).
Contudo,
o pronatalismo perdeu o sentido como defesa da sobrevivência de uma espécie
quando a população mundial chegou à casa dos bilhões de habitantes. O
crescimento populacional passou então a ser um fator que contribui para a
expansão indiscriminada e a dominação humana sobre o Planeta, uma arma que é
utilizada pelos setores fundamentalistas das igrejas, pelo fundamentalismo de
mercado que só pensa na acumulação de capital fixo e humano para a geração de
lucro, pelos setores conservadores que defendem o papel tradicional da mulher
na família, etc.
Diversos
indicadores mostram que a humanidade ocupa espaço demais na Terra e está
destruindo os ecossistemas. Segundo a Global Footprint Network, a Pegada
Ecológica global supera a biocapacidade em 50%, ou seja, as atividades
antrópicas estão consumindo um planeta e meio, pois os humanos estão vivendo
acima de “suas posses”, recorrendo ao “cheque especial”.
Segundo
a WWF, no relatório Planeta Vivo 2014, o estado atual da biodiversidade do
planeta está pior do que nunca. O Índice do Planeta Vivo (LPI, sigla em
Inglês), que mede as tendências de milhares de populações de vertebrados,
diminuiu 52% entre 1970 e 2010. Em outras palavras, a quantidade de mamíferos,
aves, répteis, anfíbios e peixes em todo o planeta é, em média, a metade do que
eram 40 anos atrás.
Outra
metodologia que indica que as atividades antrópicas estão ultrapassando os
limites da Terra é conhecida como Fronteiras Planetárias (ROCKSTRÖM et. al,
2009; STEFFEN et al, 2015). No novo estudo publicado na Revista Science
(janeiro de 2015), quatro das nove fronteiras planetárias foram ultrapassadas:
Mudanças climáticas; Perda da integridade da biosfera; Mudança no uso da terra;
Fluxos biogeoquímicos (fósforo e nitrogênio). Duas delas, a Mudança climática e
a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites
fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado
que pode ser substancialmente e persistentemente transgredido. O agravamento
destas duas fronteiras fundamentais pode levar a civilização ao colapso, pois
como estabelece a lei de Liebig: “uma corrente é tão forte quanto seu elo mais
fraco”.
O
processo contínuo de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) fizeram com que a
concentração de CO2 (e gases equivalentes) na atmosfera
ultrapassasse 400 partes por milhão (ppm), bem acima das 280 ppm da era
pré-industrial. O limiar de segurança é de 350 ppm. Com isto, o nível do mar se
eleva e cresce o processo de acidificação dos oceanos, reduzindo a vida e a
biodiversidade marinha.
Verlyn
Klinkenborg (09/10/2014) falando sobre o “Verdadeiro Altruísmo”, pergunta se os
humanos podem mudar para salvar outras espécies: “Senti uma pontada de dor e
raiva quando eu li o relatório da World Wildlife Fund detalhando o
desaparecimento de tanta vida terrena. E eu comecei a me perguntar: por meio de
quais motivos ou emoções humanas – as forças que moldam o nosso comportamento –
vamos encontrar o que verdadeiramente nos une às outras espécies neste planeta?
Existe algo dentro de nós que pode nos permitir comportar de forma altruísta
para com as demais formas de vida na terra?”
Por
tudo, devido a razões sociais e ambientais, crescem as correntes de pensamento
que defendem a ideia do decrescimento (Franco, 05/11/2013). Mas falar em
decrescimento da economia é um anátema para o capitalismo e sugerir o
decrescimento demográfico é um anátema para as igrejas e para os defensores do
nacionalismo, e do fundamentalismo desenvolvimentista estatal ou de mercado.
Os
defensores do decrescimento são chamados, constantemente, de neomalthusianos,
isto é, pessoas que defendem a diminuição do volume populacional por meio da
redução das taxas de fecundidade da população humana. Existem vários tipos de
correntes neomalthusianas, podendo ser sintetizadas em duas principais: o
neomalthusianismo voluntário (que respeita os direitos sexuais e reprodutivos)
e o neomalthusianismo coercitivo (que defende políticas firmes de controle da
natalidade, cujo exemplo mais draconiano é a política de filho único na China).
Esta
segunda acepção da palavra neomalthusianismo tem um cunho muito pejorativo. O
pior é que ela está associada a práticas eugênicas (racistas) ocorridas no
passado. Assim, chamar alguém de neomalthusianismo é o mesmo que falar um
palavrão. Portanto, no sentido mais autoritário (e até eugênico), ser chamado
de neomalthusiano é uma ofensa.
Por
conta disto, a maioria dos demógrafos, especialmente aqueles dos países do
Terceiro Mundo, reage de maneira negativa e até medrosa diante da palavra
maldita: neomalthusianismo. Da mesma forma, superpopulação é uma palavra proibida,
mesmo depois que o crescimento exponencial tem se mostrado inviável. Ser
pronatalista em países com fecundidade acima do nível de reposição, com
estrutura etária jovem e com alta densidade demográfica é prestar um desserviço
às possibilidades de avanço social e ambiental.
Contudo,
se a critica ao neomalthusianismo autoritário e eugênico tem fundamento,
diversas posturas antineomalthusianas do presente podem ser um apenas um mote
para esconder uma intenção pronatalista de setores do conservadorismo moral, do
familismo, do fundamentalismo de mercado, do nacionalismo, do fundamentalismo
religioso, do patriotismo, etc. O pronatalismo que só pensa no crescimento da
população humana e não percebe que o mundo está vivendo um holocausto
biológico, na prática, é um pronatalismo ecocida e antropocêntrico.
Por
exemplo, em plena década de 1960, quando o crescimento populacional global
atingiu suas taxas mais elevadas (2,1% ao ano) o Papa Paulo VI, publicou a
encíclica Humanae Vitae (em português “Da vida humana”), em 25 de Julho de
1968, que definiu, entre outras proibições que a contracepção, por meios
artificiais, é proibida pelo Magistério da Igreja Católica. Ou seja, a Igreja
proíbe que uma mulher católica (ou casal) use a pílula anticoncepcional ou um
preservativo para adiar o nascimento do primeiro filho (no caso,
principalmente, dos adolescentes) ou espaçar o tempo entre um filho e outro.
Pior, mesmo depois do surgimento da AIDS, a Igreja Católica continuou pregando
contra a camisinha (preservativos masculinos e femininos), mesmo como forma de
manter sexo seguro. Quem pensa ao contrário da Santa Sé é chamado, dentre
outros adjetivos, de neomalthusiano.
Em
outubro de 2014, o Papa Francisco reuniu o Sínodo sobre a família, no Vaticano.
Embora o Pontificado de Francisco se mostre mais aberto para as questões
sexuais e reprodutivas, nada mudou substancialmente até agora. Na ocasião, o
arcebispo nigeriano, Dom Ignatius Kaigama, criticou as organizações
internacionais, países e grupos que estão, segundo ele, promovendo o controle
da natalidade e incentivando os países africanos a “desviar de nossas práticas
culturais, tradições e até mesmo de nossas crenças religiosas”. Ele criticou as
agências que dizem a Nigéria tem uma população muito grande. Falando do seu
ponto de vista contra os direitos sexuais e reprodutivos ele perguntou: “Quem
disse que a nossa população nigeriana é muito grande?”.
Pois
bem, a população da Nigéria era de 37,8 milhões de habitantes em 1950 e chegou
a 180 milhões em 2014. Para 2050, a ONU, na projeção média estima uma população
de 440 milhões, podendo chegar a 913,8 milhões em 2100. A área territorial da
Nigéria é de 923,7 mil km2, bem menor do que a área do estado do
Pará, no Brasil que tem área de 1.247,9 mil km2, para uma população
em torno de 8 milhões de habitantes. A densidade demográfica da Nigéria era de
41 hab/ km2 em 1950, passou para 151 hab/km2 em 2014,
devendo chegar a 477 em 2050 e a 989 hab/ km2 em 2100. No Brasil a
densidade demográfica é de 24 hab/ km2 e no mundo de 54 hab/ km2.
Portanto,
até 2025 a Nigéria vai ultrapassar o Brasil em tamanho populacional e vai
passar os Estados Unidos até 2050, tornando-se a terceira maior população do
mundo, mesmo tendo uma área relativamente pequena. Evidentemente, este alto
crescimento populacional vai dificultar a redução da pobreza e o avanço da
qualidade de vida humana e ambiental da Nigéria. Mas os pesquisadores que
alertam sobre a falta de direitos reprodutivos do país são chamadas de
neomalthusianos pelos nigerianos nacionalistas e fundamentalistas religiosos
(católicos e muçulmanos).
Não
só os católicos citados, mas também o grupo terrorista Boko Haram, que usa o
estupro como arma de guerra, é a favor do pronatalismo. Segundo notícias
recentes, ao menos 214 mulheres e meninas libertadas do Boko Haram, entre
aquelas sequestradas ano passado, estão grávidas. Os fundamentalistas de
diversas religiões apoiam o crescimento populacional indefinido. Como disse Andrew
McKillop: “Large and growing populations are good for one thing – war”.
Todavia,
o alto crescimento demográfico aumenta a razão de dependência, dificulta a luta
contra a pobreza e pela mobilidade social ascendente, além de prejudicar a
defesa do meio ambiente e existência saudável das demais espécies vivas do
Planeta.
Em
janeiro de 2015 o Papa Francisco foi às Filipinas – país que tem uma das taxas
de fecundidade mais elevadas da Ásia Oriental – e apoiou a igreja local em sua
luta contra uma lei nacional sobre o “planejamento familiar”. Na volta à Roma,
ainda no avião, o Papa argentino ensaiou uma autocritica dizendo que os
católicos “não devem se procriar como coelhos”. Ou seja, o Papa lança sinais
contraditórios sobre as questões de sexualidade e reprodução.
Em
editorial de 23 de janeiro de 2015, a revista National Catholic Reporter afirma
que a encíclica Humanae Vitae tem sido um sério impedimento à autoridade
católica e que o seu texto criou um abismo entre os prelados e os padres, entre
a hierarquia e os fiéis. Ou seja, segundo setores da própria igreja Católica,
há um clamor para rever a doutrina e as práticas e dogmas do Vaticano sobre a
reprodução humana. Vejamos como será a encíclica ambiental do papa Francisco,
que deve sair no próximo mês de junho.
Mas
enquanto ainda predomina o fundamentalismo de mercado e o conservadorismo religioso
nas questões reprodutivas, não é de se estranhar que os teóricos
decrescentistas sejam chamados de neomalthusianos. Trata-se, na maior parte das
vezes, de uma postura que deve estar vindo de algum setor fundamentalista ou de
pessoas a favor do pronatalismo antropocêntrico e ecocida. Contudo, é preciso
defender as áreas anecúmenas, pois as atividades humanas já ocupam espaço
demais no Planeta e a humanidade precisa respeitar os direitos da natureza e
garantir a solidariedade entre as espécies, para a convivência pacífica da
biodiversidade da Terra. (ecodebate)
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