Lições da ocupação da bacia hidrográfica do rio
Mississipi
Bacia
hidrográfica do rio Mississipi.
Este
rio se mistura com a notável e relevante história dos Estados Unidos. Cruzando
o país de norte a sul, no meio leste americano, desemboca num delta onde se
situa a cidade de Nova Orleans, profundamente afetada pelo episódio do furacão
Katrina na década passada. O rio nasce no Minesota e segue para o sul. A partir
do estado de Ohio corre a fração meridional do rio, que tem uma profunda
ligação histórica com vários ritmos musicais desenvolvidos a partir de
descendentes dos primeiros escravos americanos, citando-se o jazz, blues e a
própria música gospel.
A
ocupação da bacia hidrográfica do rio Mississipi se confunde com a história
americana. No sul se desenvolveram utilizando a mão de obra escrava, as primeiras
grandes plantações de algodão. Mesmo na rica sociedade americana, o débito com
os irmãos negros nunca foi e talvez nunca seja resgatado nem na dimensão
econômica, e muito menos no aspecto existencial, onde provavelmente seja
impossível qualquer forma de compensação.
Mas
além desta inesquecível lição de conotação ou valor humanístico, a bacia
hidrográfica do rio Mississipi deixa, no mínimo, mais 2 experiências
relevantes, que podem e devem ser objeto de reflexão permanente e sem
preconceito. O rio Mississipi ensina que não é possível escravizar a natureza,
assim como não foi possível escravizar pessoas. E a geologia da bacia
hidrográfica do rio Mississipi, ensina grandes fundamentos na manutenção de
reservas hídricas, seu transporte e no abastecimento de água às populações.
Os
primórdios da economia americana foram estimulados pelas primeiras safras de
algodão, desenvolvidas sobre planícies aluviais enriquecidas de nutrientes
pelas deposições de sedimentos pelas enchentes do rio Mississipi, que extravasava
e alimentava suas planícies. Este processo é muito importante e constitui
fundamento da evolução fluvial, que necessita das planícies para extravasamento
e além da fertilização superficial, provê a realimentação de água aos aquíferos
sedimentares em rochas psamíticas existentes nas camadas subterrâneas.
Logo
não é viável querer restringir a vida de qualquer curso de água apenas no canal
principal de escoamento. Certamente influenciada por uma época onde escravizar
pessoas era admissível, se desenvolveu a concepção de perenizar o rio em sua
caixa de drenagem e impedir que as enchentes alcançassem as planícies. Ora,
hoje se tem conhecimento e consciência de que esta missão é impossível. Mas na
época, certamente a arrogância e autossuficiência com a concepção cartesiana de
que a tecnologia adequadamente utilizada podia controlar a natureza, falaram
mais alto.
Em
algum momento o corpo de engenharia do exército americano certamente de
inegável capacidade técnica, foi chamado a contribuir nesta missão. Então se
criaram redes de barragens na fase madura ou senil do rio, acompanhadas de
diques de terra e muros de concreto, limitando o curso do rio e impedindo sua
conexão com as planícies de inundação. Não se conhece as datas em detalhe, mas
os fatos são absolutamente verdadeiros. Depois de concluída toda esta obra de
engenharia, embora dos alertas de parte do corpo de engenheiros, que já tinha
se apercebido da inviabilidade da tarefa, em poucos meses sobreveio uma
enchente e acabou com todas as intervenções antrópicas.
A
mensagem certa já havia sido enviada e nem houve tentativa de reconstrução da
malfadada estrutura de contenção, constituída de vários elementos integrados,
destacando-se barragens de contenção, diques e canais. Não se escravizam
pessoas e não se deve acorrentar ou tentar agrilhoar rios e a natureza. Com os
seres humanos e com os recursos naturais é preciso desenvolver uma relação de
harmonia e equilíbrio. O resto é desenfreada pretensão, acreditar que sistemas
políticos ou artefatos tecnológicos possam substituir bom senso e homeostase.
Já
no século atual, cidade atingida pela bacia hidrográfica do rio Mississipi
necessitava reforçar suas fontes de abastecimento de água. Não ocorre a
lembrança exata se era Memphis no Tenesse ou Denver no Colorado. E não importa
muito o local, interessa o fato. Diante da escassez de recursos hídricos para
abastecimento das populações, houve grande criatividade associada a
conhecimento técnico da geologia da área. Na bacia sedimentar do Mississipi
existia uma camada estratigráfica de rochas areníticas que podiam armazenar e
transportar água para níveis topográficos inferiores. Semelhante ao arenito
Botucatu na bacia gondwânica do rio Paraná no Brasil, que assenta e armazena o
denominado aquífero Guarani, englobando vários países sul-americanos.
Então
em geomorfologias mais elevadas se construíram reservatórios que aumentaram a
pressão hidrostática e permitiram a infiltração de água até a camada de rochas
sedimentares porosas. E então, estas rochas transportaram a água de forma
subterrânea até o subsolo do núcleo urbano de interesse. E de lá, as águas
foram extraídas e recuperadas por poços tubulares.
Engenhoso
e criativo. O rio Mississipi perpetua aprendizados para a sociedade humana.
Ensina que pessoas e a natureza não podem ser agrilhoadas. Aliás, pessoas fazem
parte do meio natural. Então está se falando da mesma coisa. Este rio com alma
traz aprendizados tão inesquecíveis como seu próprio espírito, que corre
eterno, ao lado das almas humanas. (ecodebate)
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