Desmatamento ‘formiga’ ameaça
área de proteção da Billings na zona sul de SP
Reserva Bororé-Colônia é alvo de invasões e loteamentos
irregulares na capital; pequenas porções de Mata Atlântica são cortadas para
construção de moradias.
"Um
dia aquela região estava cheia de árvores. No outro, havia sido murada. No dia
seguinte, já tinham derrubado todas as árvores e, logo depois, já estava tudo
construído." O relato da agricultora orgânica Valéria Maria Macoretti,
moradora há cerca de oito anos da Área de Proteção Ambiental (APA)
Bororé-Colônia, no extremo sul da capital, descreve um repentino loteamento
irregular em um antigo sítio no limite da reserva com a área urbana."
É um
dos exemplos mais recentes de um processo de invasões, adensamento populacional
e pequenos desmatamentos - conhecidos como "efeito formiga" - que já
se desenrola há pouco mais de dois anos naquela região e vem afetando, em meio
a maior crise hídrica de São Paulo, a capacidade da APA de proteger os
mananciais. Localizada a 25 quilômetros do centro, a região fica entre as
Represas Billings e Guarapiranga.
Conheça a APA Bororé-Colônia
Estima-se que mais de 1
milhão de pessoas vivam na região
Região do
Bororé-Colônia começou a ser ocupada por volta dos anos 1970.
Ideia de ter um sítio
ou chácara fez muita gente ir para Bororé-Colônia no início da ocupação
Terreno é permeado por nascentes
e corpos d'água que abastecem as represas Billings e Guarapiranga.
Documento obtido pelo Estado
mostra que técnicos da Secretaria do Verde do município vem fazendo alertas
sobre a situação. O relatório, distribuído em reunião do Conselho Gestor da APA
no final de julho, lista com imagens uma série de ocorrências e aponta que
"nota-se de forma generalizada a construção de novas habitações e a
implantação de novos loteamentos de forma clandestina".
O
material descreve o "adensamento dos núcleos e loteamentos já existentes,
crescendo e avançando sobre as matas vizinhas, bem como a abertura de novos
eixos e focos de ocupação." E conclui que esse processo ameaça "a
produção de água para milhões de habitantes na Grande São Paulo." O alerta
ocorre no momento em que a Câmara Municipal debate o novo projeto de zoneamento
da cidade, que prevê a instalação de equipamentos públicos em áreas verdes.
Ao
longo da semana retrasada a reportagem apurou por terra e por sobrevoo essas
denúncias no local. Observamos novas casas de alvenaria sendo erguidas nos
arredores de áreas que já estavam ocupadas antes mesmo da criação da APA, que é
de 2006. Barracos avançando sobre locais em que ainda havia floresta. Um
córrego canalizado virou espaço para despejo de esgoto. E áreas em que a
cobertura vegetal foi toda suprimida, seja com serra elétrica ou com queimadas.
Durante o sobrevoo, testemunhamos uma área ainda pegando fogo e invasões
incrustadas no meio da mata.
Uma
das invasões mais gritantes ocorre sobre a região do antigo aterro Três
Corações, desativado por ocasião da criação da APA. Imagens de satélites
obtidas pelo Estado mostram que em 2012 a região tinha sido reocupada por uma
vegetação. Em 2015 o local estava praticamente todo ocupado por barracos e já
algumas casas de alvenaria.
Efeito
formiga
Também
chama a atenção o movimento conhecido como "bosqueamento", em que
algumas árvores são retiradas, mas outras são mantidas, sob as quais são
construídos os barracos. Com as copas altas os resguardando, fica mais difícil
serem avistados em sobrevoos. Em outros casos, também para dificultar a
fiscalização, uma faixa de árvores é mantida ao longo da estrada, mas no
interior dos terrenos tudo já foi derrubado. Quem passa rápido de carro acha que
a vegetação continua intacta.
Todo
esse movimento é grande o bastante para permitir a chegada de novas famílias à
região, que aumentam a pressão sobre uma área que já é frágil, mas pequeno para
ser visto, por exemplo, por imagens de satélite que ajudam no monitoramento dos
remanescentes da Mata Atlântica. O trabalho feito anualmente pela Fundação SOS
Mata Atlântica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) só
consegue captar a perda de vegetação a partir de 3 ha. "Mas o que está
acontecendo lá é o chamado efeito formiga, que vai comendo pelas bordas e
dificulta a fiscalização", comenta Márcia Hirota, da SOS Mata Atlântica.
Mesmo
sem ter uma estatística do tamanho atual da degradação, Márcia destaca a
importância da APA como um dos poucos remanescentes de vegetação nativa em São
Paulo. Segundo ela, considerando toda a área da capital, 19,6% é de mata com
tamanhos acima de 1 hectare. O Bororé responde por 7,7% desse total (2.294 ha).
Roberto
Resende, presidente da Iniciativa Verde, entidade que faz parte da Rede de ONGs
da Mata Atlântica explica por que isso tudo é um problema. "Por um lado, a
floresta regula a quantidade e a qualidade de água da chuva que é absorvida no
solo. Vai deixando fluir aos poucos, para alimentar os mananciais. Sem não tem
floresta, quando a chuva vem, lava tudo e provoca assoreamento. Já uma ocupação
de 40 lotes onde antes havia um sítio ou uma chácara traz uma quantidade muito
maior de lixo, esgoto e tudo vai parar na represa", afirma.
Outro
problema do desmatamento é que, se não é rapidamente inibido, em pouco tempo a
invasão pode ser grande demais para ser retirada do local. Há uma percepção
entre os criminosos que, uma vez instalados, já não serão mais retirados dali.
Para o poder público, a consolidação das moradias também é vista como
dificuldade.
Fiscalização
Segundo
apurou o Estado, apesar de a APA sempre ter sofrido pressões - a borda dela na
fronteira com o Grajaú é toda urbana -, o quadro de se intensificou nos
últimos dois anos. Em reunião do conselho gestor em julho, técnicos da
Secretaria do Verde relataram que a fiscalização é praticamente inexistente e
que denúncias não são apuradas.
A
fiscalização da APA é de responsabilidade conjunta da Prefeitura de São Paulo
(por meio da Secretaria do Verde, das subprefeituras da Capela do Socorro e de
Parelheiros e da Guarda Civil Metropolitana) e do Governo do Estado (via
Secretaria do Meio Ambiente e Polícia Militar Ambiental). Em 2005, cidade e
Estado assinaram o convênio Operação Defesa das Águas para a fiscalização integrada
de todas as áreas de manancial do município, Bororé incluído. Nas reuniões do
conselho gestor, técnicos relatam que desde o ano passado essa atuação conjunta
deixou de funcionar. Neste ano o convênio expirou.
A
Secretaria de Comunicação da Prefeitura informou, por meio de nota, que no
primeiro semestre deste ano foram efetuadas 123 rondas na APA para coibir
invasões, construções irregulares e outros crimes ambientais. Afirmou ainda que
a ocupação no aterro iniciou-se no final de 2013 em área particular. Diz que o
proprietário da área foi notificado e fez Boletim de Ocorrência para iniciar
ação judicial de reintegração de posse. "A partir desse ato, finda a
competência do Município quanto às questões administrativas. A GCM, no entanto,
efetua o monitoramento da área para prevenir degradações ambientais", diz
a nota.
A
Prefeitura afirma ainda que nas últimas três semanas, em todo o território da
APA, ocorreram o desfazimento de 14 edificações irregulares, 370 lotes
clandestinos foram demarcados e houve a apreensão de 6 caminhões de materiais
de construção.
A
Secretaria de Meio Ambiente do Estado relatou a rotina do policiamento. Disse
que em 2014 as equipes da Polícia Ambiental na região lavraram 194 boletins de
ocorrência ambiental e 64 autos de infração ambiental, e em 2015, até o
momento, 19 autos de infração ambiental e 190 boletins de ocorrência ambiental.
Em relação à renovação da Defesa das Águas, disse que "o processo
está em andamento dependendo ainda de algumas providências formais junto aos diversos
órgãos envolvidos". (OESP)
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