Engrandecimento e apequenamento da economia
brasileira: 1820 - 2020
O 7
de setembro é uma data cívica. Neste dia, no ano 2022, o Brasil vai comemorar
os 200 anos da independência de Portugal. Como mostrado em artigo anterior,
desde 1820, houve um grande progresso demográfico e econômico no país. Em dois
séculos, a população brasileira deve apresentar um crescimento de cerca de 47
vezes (4,5 milhões de habitantes para 212 milhões entre 1820 e 2020) e um
crescimento econômico em torno de 912 vezes.
A
renda per capita cresceu quase 20 vezes no período. Houve melhorias significativas
na infraestrutura de estradas, portos, aeroportos, de telecomunicações, avanços
nas condições de moradia, na educação, na saúde, etc. A esperança de vida ao
nascer estava em torno de 25 anos em 1822 e já se encontra em 75 anos, um
crescimento espetacular na sobrevivência, consequentemente, no período
produtivo do ciclo de vida das pessoas. Atualmente vivemos o mais longo e
profundo período democrático (1985-2015) da história da República brasileira.
Nestes dois séculos, o progresso humano foi bastante significativo, embora as
condições ambientais tenham seguido na direção contrária (mas não vamos tratar
deste assunto neste artigo).
Em
duzentos anos houve um crescimento excepcional do Brasil. Mas a maioria das
conquistas brasileiras não foram exclusivas do país, pois fazem parte dos
avanços civilizacionais que ocorreram na modernidade. Houve um avanço global
nos últimos dois séculos. Neste sentido, para avaliar o progresso relativo do
Brasil é importante considerar quanto o país avançou em relação ao resto do
mundo.
O
gráfico acima mostra que a economia brasileira cresceu pouco acima da economia
mundial no período da “Brasil Império”. Segundo dados de Angus Maddison (em
poder de paridade de compra) a economia brasileira representava 0,43% da
economia mundial em 1822 e passou para 0,69% em 1889. Nos primeiros 5 anos da
República houve uma grande crise econômica e a participação brasileira no PIB
mundial caiu para 0,55% em 1894, só retomando ao nível pré-República Velha, em
1910. Houve um avanço na década de 1920 com a participação chegando a 1% em
1929. Mas com a República Nova e a crise nacional e internacional a
participação brasileira caiu para 0,92% em 1932. A partir daí houve um grande
crescimento relativo do Brasil que chegou a ter 2,1% do PIB mundial em 1962.
Mas a crise provocada pela renúncia de Jânio Quadros fez o Brasil cair para
1,9% em 1967.
No
período do chamado “milagre econômico”, durante o auge dos governos militares,
o Brasil apresentou os maiores ganhos econômicos em relação ao resto do mundo e
chegou a ter uma participação de 3,2% do PIB mundial em 1980 (maior nível da
história). A crise de 1981 a 1983 fez a economia brasileira encolher para 2,8%
em 1983. Houve pequena recuperação durante o Plano Cruzado e a participação
brasileira no PIB global chegou a 3,1% em 1987. A partir daí a queda foi se
aprofundando, chegando a 2,67% em 1992, depois das crises dos governos Sarney e
Collor. Houve pequena recuperação no Plano Real (2,8% em 1995), mas a economia
nacional continuou perdendo terreno e caiu até 2,43% em 2007. Com as medidas
keynesianas do segundo governo Lula o Brasil ganhou um pouco de espaço na
economia internacional e chegou a 2,53% em 2010. No governo Dilma a perda
continuou e se acelerou, estando em 2,3% em 2015 e, na melhor das hipóteses,
ficará em 2,18% em 2019. Em termos relativos a participação relativa da
economia brasileira no PIB mundial em 1822 deve ficar próxima daquela que tinha
em 1962. Ou seja, em termos relativos o Brasil, desde 1980, tem retrocedido
para um tamanho relativo que tinha sido atingido há 60 anos.
Considerando
apenas os dados do FMI, o declínio brasileiro é marcante desde 1980-87. Com a
crise econômica da “década perdida” e os desastres dos governos José Sarney e
Collor de Mello a participação brasileira no PIB mundial caiu e nunca mais se
recuperou. Se o Brasil mantivesse os 4,3% do PIB mundial que tinha em 1980
teria um PIB de US$ 4,9 trilhões (em ppp) no ano de 2015, conforme o gráfico
abaixo. Ou seja, a diferença que ocorreu nestes 35 anos foi de US$ 1,7 trilhões
(em ppp). A renda per capita brasileira que está calculada em torno de US$ 15
mil (em ppp) no ano 2015, poderia estar em US$ 23 mil, cerca de US$ 8 mil (em
ppp) mais elevada do que a atual.
Isto
mostra que mesmo o Brasil avançando em termos absolutos nos últimos 35 anos,
houve um recuo em termos relativos. Isto é, o resto do mundo avançou mais que o
Brasil desde o início da “década perdida”. Nos últimos 35 anos (por
coincidência, o período de maior fortalecimento da democracia) o Brasil cresce
a passos de tartaruga. E o pior, o Brasil se desindustrializou e reprimarizou
sua economia, pois as atividades mineradoras e o agronegócio foram o destaque
do crescimento nos últimos tempos, sendo também grandes responsáveis pela
degradação ambiental.
A
perda de produtividade da economia brasileira é evidente. O Brasil perde espaço
nas exportações mundiais como mostra o gráfico abaixo. Entre 1950 e 1986 o
Brasil exportava mais do que a China e mais do que Cingapura. Mas desde 1987 o
Brasil tem perdido participação relativa no mercado global e em 2014 Cingapura
(que tem uma população de 6 milhões de habitantes) exportou quase o dobro do
Brasil, enquanto a China exportou mais de 10 vezes.
Tudo
isto reflete na renda média real dos brasileiros. O gráfico abaixo, com dados
de Angus Maddison e atualizados com dados do FMI, mostra que a renda per capita
brasileira representava (em poder de paridade de compra) cerca de 80% da renda
per capita mundial nas décadas de 1950 e 1960. Com o início do “milagre
brasileiro” a renda per capita brasileira cresceu rapidamente, embora de
maneira desigual e com uma concentração extremamente injusta. Entre 1975 e 1989
a renda per capita brasileira ficou acima da renda per capita média mundial.
Porém, desde o final dos anos 80 o brasileiro médio vem assistindo a uma
deterioração da sua renda per capita em relação ao resto do mundo. Houve
pequenas oscilações para cima no período do Plano Real e no segundo governo
Lula, mas sem reverter a tendência geral de queda. Desde 2011, início do governo
Dilma Roussefff, a renda relativa não para de cair e não apresenta perspectivas
de melhora.
Todos
estes dados mostram que não é o mundo que está empurrando o Brasil para baixo,
mas é o Brasil que está se apequenando e contribuindo para a desaceleração do
crescimento mundial.
De
fato, existe uma desaceleração do crescimento dos países desenvolvidos,
fenômeno que foi definido por Larry Summers como “estagnação secular”, que
ocorre devido ao baixo crescimento da força de trabalho em uma situação de
baixa inovação tecnológica e baixa produtividade do trabalho. Ao mesmo tempo os
países em desenvolvimento também reduziram suas taxas de crescimento em função
da desaceleração da economia chinesa, do fim do boom dos preços das commodities
e de um endividamento crescente.
A
situação do Brasil é mais grave, pois os últimos dois governos promoveram um
grande desajuste nas condições macroeconômicas do país, ao mesmo tempo em que
existe estagnação da produtividade do trabalho e um processo de antecipação do
fim do bônus demográfico. A taxa de atividade está estagnada desde o período
2008-2012, o desemprego está em crescimento e a taxa de investimento é
insuficiente para dinamizar a economia. Para agravar, há a crise da Petrobras e
da cadeia produtiva do pré-sal e uma crise hídrica e ambiental que aumentam os
custos de produção, elevando os riscos para os agentes produtivos. O economista
Reinaldo Gonçalves (2010) já tinha mostrado a tendência ao baixo crescimento no
Brasil. Agora a situação se agravou.
Nos
30 anos entre 1950 e 1980 a taxa de crescimento do PIB brasileiro só não foi
maior do que a taxa de crescimento mundial em 4 anos, todos eles de crise
política. Em 1956, após o suicídio de Getúlio Vargas e das dificuldades da
eleição de Juscelino Kubitschek o PIB brasileiro cresceu 2,9%. Nos anos de
1963, 1964 e 1965, após a renúncia de Jânio Quadros e da crise que se seguiu, o
PIB brasileiro cresceu 0,6%, 3,4% e 2,4% respectivamente. Em nenhum ano entre
1950 e 1980 houve decréscimo do PIB. Porém, entre 1987 e 2016 o Brasil só
cresceu mais que a economia internacional em 8 anos (1993, 1994, 1995, 2002,
2004, 2007 e 2010). O Brasil cresceu menos do que o mundo em 22 anos entre 1987
e 2016.
Ou
seja, as perspectivas são de menor crescimento para a economia mundial. Isto
significa que o Brasil vai crescer menos ainda, em função dos desequilíbrios
internos, da crise ambiental, da perda de competitividade internacional, do
processo de reprimarização e de desindustrialização precoce e de aumento da
dependência externa em relação à China. Na próxima década haverá aumento da
razão de dependência demográfica o que, dado os desequilíbrios das contas da
previdência social, deve dificultar ainda mais o crescimento nacional.
Nesta
conjuntura, as perspectivas são do fim do crescimento e até fim do
desenvolvimento. O Brasil caiu em um círculo vicioso conjuntural que pode levar
a uma estagnação de longo prazo e significar um mergulho na “armadilha da renda
média”. Não é impossível também, na pior das hipóteses, entrar em retrocesso.
Seremos não só o país do futuro que nunca chega, mas o país que, provavelmente,
deve trocar o progresso pelo regresso? (ecodebate)
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