Estudo
sugere ações integradas para atenuar a crise hídrica
Medidas
para atenuar a crise hídrica devem ir além da ampliação da oferta, com reuso e
redução de perdas.
Em
15/03/14 o nível dos reservatórios do Sistema Cantareira, que abastecem 8,8
milhões de pessoas no Estado de São Paulo, atingiu 8,2% de sua capacidade
utilizável, o pior índice já registrado desde a sua criação, em 1974. De lá
para cá, as principais medidas propostas pelo governo centraram na ampliação da
oferta de abastecimento de água: o aproveitamento dos volumes mortos do
Cantareira; a utilização da água da represa Billings; e, mesmo, a possibilidade
de transposição das águas do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira.
Ao
pesquisar as ações que podem contribuir para o aumento da disponibilidade de
água da Região Metropolitana de São Paulo, o engenheiro ambiental Ricardo da
Silva Manca propõe uma nova diretriz sobre a situação. Ao invés de apenas
centrar esforços e recursos na ampliação da oferta de água, o pesquisador da
Unicamp aponta que o gerenciamento da demanda é fundamental; e num modelo que
contemple ações de modo integrado.
Para
Ricardo Manca, que acaba de concluir doutorado sobre o tema, as principais
ações neste sentido são a redução de perdas e o reuso de água. Ele avalia ainda
que as ações governamentais no que se refere ao gerenciamento dos recursos
hídricos vêm sendo realizadas muito mais como “gerenciamento de crise” do que
como “gerenciamento de risco”, modelo considerado o ideal.
“Se
os setores de redução de perdas e de reuso de água tivessem avançado nas
últimas décadas, os problemas relacionados à escassez de água seriam menores na
atualidade. Estima-se que as perdas na Região Metropolitana de São Paulo girem
entre 35% e 40% do volume ofertado à população. Reduzir perdas significa
aumentar a quantidade de água que já é uma água tratada. No caso do reuso
também, porque não depende de chuva. Hoje, há tratamentos que podem elevar a
água numa qualidade muito boa”, defende.
O
pesquisador pondera, no entanto, que estas duas medidas isoladas não seriam
capazes de solucionar uma possível falta de água para a sociedade neste
momento. “O nosso conceito de gerenciamento integrado para a água é de que seja
dada atenção para as oportunidades possíveis, tanto na demanda quanto na
oferta, mas nós temos dado pouca prioridade para a demanda. Por isso insistimos
na defesa deste tipo de gerenciamento. Devo parar obras de captação, obras
exclusivamente na oferta de água? De maneira alguma! Seria um erro excluir
qualquer benefício para a melhoria da gestão do recurso, porém, o que o estudo
propõe é que a gestão seja feita de forma abrangente, visando todas as opções
possíveis e disponíveis”, explica.
Ricardo
Manca defendeu doutorado junto à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e
Urbanismo (FEC). A tese foi orientada pelo docente José Gilberto Dalfré Filho,
que atua no Departamento de Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais da
Unidade. Houve a coorientação do professor Antonio Carlos Zuffo, que atua no
mesmo Departamento; e financiamento, na forma de bolsa ao pesquisador, do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A
pesquisa do Ricardo chegou a um benchmark, que é o gerenciamento
integrado da demanda de água. Essa proposta trabalharia para além da ampliação
da oferta de água, ou seja, na redução de perdas, no reuso e também na
utilização da água da chuva, na redução do consumo e conscientização da
população”, explica o orientador do trabalho. Ainda conforme José Gilberto
Dalfré Filho, o estudo é relevante, pois pode municiar o corpo técnico do
governo ou mesmo o governante na tomada de decisões que não vêm sendo
estabelecidas como prioritárias.
“O
gerenciamento da oferta apresenta, muitas vezes, um resultado mais rápido e
mais aparente. Porém, o gerenciamento integrado da demanda é um trabalho árduo
e que nem sempre aparenta resultados impactantes em curto prazo. Mas trabalhar
a demanda é extremamente necessário. Se não fizer isso, é como se eu
administrasse uma companhia em que os gastos vão aumentando de uma forma
descontrolada e, para suprir isso, o foco seja somente em ganhar mais capital.
Isso é uma maneira pouco eficiente de buscar solução. No caso da água, há o
agravante de que é um recurso esgotável”, compara o docente da Unicamp.
Como
parte dos resultados da pesquisa, o engenheiro ambiental desenvolveu uma
ferramenta de análise de sensibilidade que permite avaliar o gerenciamento da
demanda de água com enfoque em medidas prioritárias do ponto de vista do gestor
do sistema de abastecimento. Essa ferramenta aponta, na forma de um acelerador,
para diversos tipos de situações possíveis, a partir das medidas que seriam
tomadas pelo gestor: situação ruim, regular, boa e a considerada ideal, que é o
gerenciamento integrado da demanda de água.
“Hoje
se busca muito ampliar a oferta. Na tentativa de atender a oferta, o governo
‘esquece’ a demanda. Perdas chegam a 40%. Desse modo, reduzir as perdas pela
metade equivaleria à economia de praticamente um Cantareira. Só que o resultado
não é rápido: é preciso investir muito em substituição de redes, isso leva
tempo e custo. Ao diminuir a demanda, passa-se para uma situação de eficiência,
na direção da sustentabilidade. Portanto, esse gerenciamento integrado,
proposto pela pesquisa do Ricardo, vai neste caminho”, avalia o coorientador,
Antonio Carlos Zuffo.
O estudo da FEC, baseado nos dados do Setor Nacional de Saneamento (SNIS), aponta que no Brasil as perdas totais (reais e aparentes) variam entre 45% e 50% do volume ofertado à população. Em algumas cidades, o índice pode chegar a 70%. “Isso representa 4,68 bilhões de metros cúbicos de água produzidos por ano. Os volumes perdidos levam a conclusão de que metade da água produzida é perdida. Cidades com índices de perdas nesses valores poderiam aumentar o volume disponibilizado para a população adiando a necessidade de obtenção de novos pontos de captação e água importada de outras bacias. A melhoria nos sistemas de abastecimento público é uma tarefa emergente, necessária e com vantagens econômicas e ambientais”, considera o autor da pesquisa.
O estudo da FEC, baseado nos dados do Setor Nacional de Saneamento (SNIS), aponta que no Brasil as perdas totais (reais e aparentes) variam entre 45% e 50% do volume ofertado à população. Em algumas cidades, o índice pode chegar a 70%. “Isso representa 4,68 bilhões de metros cúbicos de água produzidos por ano. Os volumes perdidos levam a conclusão de que metade da água produzida é perdida. Cidades com índices de perdas nesses valores poderiam aumentar o volume disponibilizado para a população adiando a necessidade de obtenção de novos pontos de captação e água importada de outras bacias. A melhoria nos sistemas de abastecimento público é uma tarefa emergente, necessária e com vantagens econômicas e ambientais”, considera o autor da pesquisa.
Métodos
de tomada de decisão e multicritérios
Para
identificar e hierarquizar as principais ações de atuação na demanda hídrica,
Ricardo Manca utilizou dois recursos metodológicos. “Primeiro, nós precisávamos
obter informações por meio de um conjunto de especialistas da área. Para isso,
recorremos a entrevistas e envio de questionários. Tendo como meta ‘Aumentar a
disponibilidade de água’, questionamos, por exemplo: ‘Que nota você daria para
a redução de perdas? E para reuso?’ Este método, conforme o engenheiro
ambiental, ocupa-se com médias e permite definir as prioridades com base no
consenso dos especialistas. Trata-se do Método de Auxílio à Tomada de Decisão
Delphi.
O
outro recurso metodológico, denominado como Multicriteriais, avalia as opções
dadas pelos especialistas em multicritérios: econômicos, ambientais, sociais,
estruturais e governamentais. “Uma opção pode não ser viável do ponto de vista
econômico, mas, do ponto de vista ambiental, ela pode ser muito importante.
Portanto, nós podemos criar vários critérios e cruzar esses critérios
atribuindo pesos e valores a eles, dando prioridades às diferentes opções. Isso
nós fizemos com três métodos multicriteriais: Analytic Hierarchy Process (AHP),
Compromise Programming (CP) e Cooperative Game Theory (CGT)”, acrescenta.
Após
a aplicação dos métodos multicriteriais foi possível a criação da ferramenta de
análise de sensibilidade, que avaliou se uma das alternativas escolhidas pelos
especialistas cumpriria as prioridades definidas nestes multicritérios. “O que
isso significa? Por exemplo: os especialistas concordam que redução de perdas e
reuso de água são duas medidas prioritárias. A partir disso, nós inserimos
estas medidas na ferramenta. Se o meu resultado não é positivo, significa que
eu estou caminhando no sentido contrário às melhores alternativas para o
aumento da disponibilidade de água na Região Metropolitana de São Paulo”,
ilustra. (ecodebate)
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