Um
estudo da consultoria FrameWorks mostra as estratégias eficazes para engajar as
pessoas no tema - e também quais armadilhas evitar.
A
Lua e a atmosfera da Terra. Como explicar tudo que estamos fazendo com essa
fina camada de gás em volta do planeta?
Como comunicar as mudanças climáticas ao público
brasileiro? Essa é uma dificuldade persistente. Apesar de todos os esforços
feitos nos últimos anos, a compreensão popular sobre o fenômeno do aquecimento
do planeta e sobre a própria ciência do clima está longe do que sabem os
pesquisadores. Há um fosso crescente entre o consenso popular e o consenso dos
cientistas. Para alguns ativistas e comunicadores, está na hora de mudar a
estratégia de comunicação. Diante desse desafio, o Instituto Arapyaú encomendou
um estudo à consultoria americana FrameWorks. Ela é especializada em estudar
comunicação para causas.
A FrameWorks começou fazendo um levantamento de
como está a percepção popular em relação às mudanças climáticas. Foram feitas
várias entrevistas em algumas das principais cidades do Brasil. Depois, a
FrameWorks comparou o senso comum com o conhecimento dos especialistas
científicos no tema, a partir de entrevistas com vários deles. Diante dessa
comparação, chegaram a algumas descobertas.
Esse levantamento de campo é a primeira fase de um
trabalho mais amplo para traçar uma nova estratégia de comunicação. Nessa fase
inicial, a FrameWorks usa as entrevistas para descobrir os modelos culturais da
sociedade em relação aquele tema. Os modelos culturais revelam o terreno
cognitivo de um determinado assunto. Eles mostram os padrões implícitos de
crenças que os indivíduos usam para enquadrar as informações que recebem. Esses
modelos culturais podem ser produtivos ou danosos na hora de extrair sentido da
informação.
MODELOS PRODUTIVOS
O primeiro resultado do levantamento de modelos
culturais ligados a mudanças climáticas é uma lista de justaposições entre o
público e os especialistas. São os chamados modelos produtivos.
A seguir, a lista de justaposições:
1. A temperatura está
aumentando - As pessoas associam ondas de calor, aumento na frequência dos
recordes de temperatura e derretimento de geleiros, entre outros sinais, às
mudanças climáticas. O termo popular “aquecimento global” também contribui para
essa percepção.
2. As mudanças climáticas
são causadas pelos seres humanos - Apesar do esforço de grupos de lobby para criar
uma aparência de grande incerteza científica, o senso comum está alinhado com o
consenso científico de que as mudanças do clima são predominantemente efeito de
nossa atividade na Terra.
3. O regime de chuvas
está mudando drasticamente - As ondas de seca recentes que atingiram a região
Sudeste do Brasil ajudaram a reforçar essa percepção.
4. Parar de desmatar e de
reflorestar é importante. - Isso é efeito das campanhas para mostrar que a
maior fonte de emissões do Brasil é a retirada de cobertura vegetal. E que
plantar árvores pode ajudar a tirar o excesso de carbono da atmosfera.
5. O abastecimento de
água e a produção de alimentos serão bastante impactados. - Essa visão também tem
relação com a crise hídrica
6. Populações de baixa
renda são mais vulneráveis. - A população sabe que, diante do desafio de se
adaptar à parcela inevitável das mudanças climáticas, países ou mesmo setores
sociais mais pobres sofrerão mais.
7. As cidades agravam os
efeitos das mudanças climáticas - Embora nem todos compreendam o conceito de ilha
urbana de calor, nem como a concentração de asfalto e cimento esquentam o
mundo, quase todo mundo experimenta o clima desagradável de áreas pouco
arborizadas.
Esses pontos de concordância são úteis para começar
o discurso. Quando alguém for começar a falar sobre mudanças climáticas, usar
as afirmações com as quais as pessoas já estão acostumadas deixa o interlocutor
mais aberto para receber novas informações e ajustá-las ao que sabe. Os pontos
de concordância são como as fundações sobre as quais é possível construir novos
raciocínios e conhecimentos. "A gente quer ativar os modelos mais
produtivos para comunicar sobre mudanças climáticas", diz Michael Baran,
pesquisador da Frameworks.
A recomendação da Frameworks é potencializar os
modelos culturais alinhados com especialistas. Também é importante complementar
esses modelos. Eles são produtivos, mas podem ser potencializados.
Para fazer isso, a FrameWorks elaborou algumas
sugestões a partir dos seguintes modelos produtivos:
Efeitos desiguais - Tanto o público quanto
especialistas concordam que as mudanças climáticas afetam as pessoas de forma
desigual. Quem tem boa condição de vida, pode mudar com as mudanças climáticas.
Esse conceito pode ser usado para expandir o conceito de vulnerabilidades. Em
geral, imagina-se que o Brasil não é dos países mais vulneráveis porque não tem
furacões ou terremotos (que não tem nada a ver com o clima mas está associado
pela população a desastre). Porém, o país está vulnerável sim porque depende
clima para manter a produção agrícola.
Mudanças nas chuvas e
problemas no abastecimento de água e de alimentos - É importante aproveitar
essa compreensão para mostrar que há efeitos das mudanças climáticas que já são
inevitáveis. A recomendação da FrameWorks é pegar carona nessa ideia para falar
de outros efeitos do clima na saúde ou da acidificação dos oceanos.
Mudança climática é
aquecimento global - As pessoas já sabem que os eventos extremos e as alterações nos
padrões de clima estão associados ao fenômeno do aquecimento global. No Brasil,
a pesquisa da FrameWorks não encontrou forte expressão do negacionismo,
presente em outros países como os EUA. A FrameWorks recomenda usar o termo
mudanças climáticas com aquecimento global para deixar claro que há algo de
permanente e provocado pela humanidade no fenômeno.
MODELOS IMPRODUTIVOS
A segunda lista elaborada pela FrameWorks mostra os
pontos de desconexão entre a visão popular e o consenso dos especialistas. Essa
lista mostra os pontos de atenção na comunicação. São os modelos culturais
improdutivos na comunicação.
A seguir, os pontos de discordância entre público e
especialistas:
Definição de clima - Para os especialistas, o
clima é visto como variações de longo prazo. As alterações das mudanças
climáticas são mudanças na estatística de ocorrência de extremos de temperatura
ou precipitação. São alterações medidas no espaço de anos ou décadas. Para a
população, o clima é confundido com a condição de tempo. Mudança climática no
senso popular pode ser acordar com frio e sentir calor no meio da tarde. Ou
pode ser um dia forte de calor fora do comum no verão.
Atmosfera - Para os especialistas,
as mudanças climáticas são consequência de alterações na concentração de gases
como o gás carbônico e o metano na atmosfera. Já o público faz confusão com a
camada de ozônio na camada mais alta da atmosfera. A camada de ozônio perdeu
espessura por causa da emissão de outros gases, como os CFCs. Os CFCs têm um
efeito menor também no efeito estufa, que aquece a Terra. Mas a rigor são dois
fenômenos separados: mudanças climáticas e perda na camada de ozônio. Nos EUA,
usaram o termo cobertor térmico como metáfora. A ideia é usar a imagem de um
cobertor que cobre a terra e segura o calor. Mas a FrameWorks não testou a
eficácia dessa metáfora no Brasil. Por isso não recomenda seu uso ainda.
Recomendação seria dizer algo como: "Os CFCs (que também atacam a camada
de ozônio) contribuem para um espessamento da atmosfera. Eles contribuem com
algo como 12% do aquecimento enquanto o gás carbônico é responsável por
60%".
Causa principal - O principal gás
responsável pelas mudanças climáticas é o gás carbônico. A população não o nomeia
ainda. Para ela, o problema é provocado por uma poluição mais genérica, que
pode ser confundida com a fumaça negra dos escapamentos. Um veículo a biodiesel
mal regulado.
Conscientização leva a
ação -
Há dois problemas juntos aqui. Um deles é a visão de que basta conscientizar a
população para caminharmos para uma solução. Imagina-se que basta aumentar a
informação para que as pessoas mudem de atitudes, como gastar menos água em
casa, e isso terá efeito positivo para o clima. O segundo problema, ligado ao
primeiro, é a visão que todos têm responsabilidade igual. Imagina-se que o
cidadão, as empresas e os governos têm o mesmo papel. Que é um trabalho de
formiguinha. É preciso ressaltar que governos e empresas têm papel fundamental
quando evitar o pior das mudanças climáticas implica em alterar o modelo
energético ou de transporte do país.
Outra recomendação é evitar o catastrofismo. O
discurso de que o mundo está acabando contribui para a inação. Em lugar disso,
é mais eficaz enfatizar as ações para resolver o problema.
Esses pontos são as lacunas entre os conhecimentos
populares e o consenso científico. Se a intenção for engajar rapidamente o
público, é preciso tomar cuidado com esses pontos de discordância. Se a
intenção for aumentar a compreensão pública, aí esses temas deverão ser
esclarecidos gradualmente.
Essas orientações podem ser usadas para construir
discursos mais eficazes e comunicar melhor a complexidade do clima. A esperança
é com isso conseguir engajar mais as pessoas para enfrentar esse desafio. (globo)
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