Prorrogação dos lixões: um retrocesso ambiental e
social
“A
irresponsabilidade pública em relação aos resíduos sólidos terá uma sobrevida
considerável se o Projeto de Lei 425/2014 for aprovado pela Câmara e sancionado
pelo Executivo”, adverte o biólogo.
Apesar de a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS ter determinado 2014 como o ano limite para extinguir todos os lixões existentes no país, alguns Projetos de Lei, a exemplo do PLS 425/2014, aprovado pelo Senado, sugerem a alteração dos artigos 54 e 55 da legislação, permitindo a prorrogação do fechamento dos lixões para 2021. Na avaliação de Antonio Silvio Hendges, caso aprovado, o PL representará um “retrocesso na legislação, na agenda ambiental e nas perspectivas do desenvolvimento sustentável no curto e médio prazo no país”, porque a “gestão e o gerenciamento adequado dos resíduos são fundamentais às políticas públicas de saúde, saneamento básico, assistência social, geração de renda, prevenção de enchentes e muitos outros aspectos relacionados aos ambientes urbanos”.
Apesar de a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS ter determinado 2014 como o ano limite para extinguir todos os lixões existentes no país, alguns Projetos de Lei, a exemplo do PLS 425/2014, aprovado pelo Senado, sugerem a alteração dos artigos 54 e 55 da legislação, permitindo a prorrogação do fechamento dos lixões para 2021. Na avaliação de Antonio Silvio Hendges, caso aprovado, o PL representará um “retrocesso na legislação, na agenda ambiental e nas perspectivas do desenvolvimento sustentável no curto e médio prazo no país”, porque a “gestão e o gerenciamento adequado dos resíduos são fundamentais às políticas públicas de saúde, saneamento básico, assistência social, geração de renda, prevenção de enchentes e muitos outros aspectos relacionados aos ambientes urbanos”.
Segundo
Hendges, a “justificativa” de prefeitos e suas entidades representativas, a
qual foi aceita pelos senadores, é a de que os prazos estipulados pela PNRS,
sancionada em 2010, são “curtos à adequação, insuficiência de recursos
financeiros, dificuldades para a contratação de recursos humanos e quadros
técnicos/gerenciais qualificados, diferenças regionais e deficiências de
infraestrutura”.
Na
entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o biólogo frisa que o
PL “não contribui para a afirmação de perspectivas positivas e possivelmente
será um entrave ao desenvolvimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
atrasando consideravelmente ou mesmo inviabilizando a sua implantação”.
Politicamente, contudo, “é um descaso com os administradores e municípios que
se adequaram e/ou buscavam esta perspectiva e um prêmio aos omissos, aos que
apostam sempre em deixar como está para ver como fica”.
Antonio
Silvio Hendges é graduado em Biologia pelo Centro Universitário Leonardo da
Vinci – Uniasselvi-SC e especialista em Auditorias Ambientais pela Universidade
Candido Mendes-RJ. Atualmente é professor de biologia e presta assessoria em
educação ambiental e resíduos sólidos.
IHU
On-Line - Como analisa o PLS 425/2014, que sugere a ampliação do prazo
para que a União ofereça apoio técnico e financeiro a estados e municípios na
elaboração dos planos de saneamento básico e resíduos sólidos? Em que contexto
surge essa proposta?
Antonio
Silvio Hendges – Este projeto aprovado pelo Senado e que será
analisado na Câmara dos Deputados alterou os artigos 54 e 55 da Lei 12.305/2010
— Política Nacional de Resíduos Sólidos que determinou até agosto de
2014 para a extinção dos lixões no país, com o encaminhamento dos rejeitos para
aterros sanitários após coleta seletiva, reuso quando possível, reciclagem e
compostagem, gestão, gerenciamento e tratamento adequado dos resíduos,
inclusive tecnológicos como os eletroeletrônicos, eletrodomésticos, baterias,
lâmpadas, embalagens em geral, construção civil e outros, além de projetos e
programas de educação ambiental. A aprovação do projeto original nº 425/2014 da
Subcomissão Temporária de Resíduos Sólidos foi sugerida pela Comissão Especial
do Pacto Federativo, e uma emenda apresentada ao plenário pelo Senador Fernando
Bezerra Coelho (PSB) e defendida pela Relatora Vanessa
Grazziotin (PCdoB) estabeleceu prazos escalonados de acordo com o tamanho e a
localização dos municípios, que variam entre 2018 e 2021.
Pelo
projeto, a extinção dos lixões será prorrogada nas capitais e regiões
metropolitanas até 31/07/2018 com ampliação sucessiva de um ano para os demais
municípios: em fronteiras e municípios com mais de 100 mil habitantes pelo
Censo 2010 do IBGE, até 2019; entre 50 e 100 mil habitantes, até 2020; com
menos de 50 mil habitantes, até 2021. A justificativa dos prefeitos e suas
entidades representativas, como a Confederação Nacional dos Municípios, aceita
pelos senadores, foram os prazos curtos à adequação, insuficiência de recursos
financeiros, dificuldades para a contratação de recursos humanos e quadros
técnicos/gerenciais qualificados, diferenças regionais e deficiências de
infraestrutura.
Esta
é a proposta que tem a simpatia do Executivo e que possivelmente será aprovada
na Câmara dos Deputados. Outras propostas aprovadas anteriormente pela Câmara
foram vetadas pelo Executivo.
IHU
On-Line - A prorrogação do fim dos lixões para 2021 deve ser vista de
que modo?
Antonio
Silvio Hendges – Como um retrocesso na legislação, na agenda
ambiental e nas perspectivas do desenvolvimento sustentável no curto e médio
prazo no país. A gestão e o gerenciamento adequado dos resíduos são
fundamentais às políticas públicas de saúde, saneamento básico, assistência
social, geração de renda, prevenção de enchentes e muitos outros aspectos
relacionados aos ambientes urbanos. Este projeto não contribui para a afirmação
de perspectivas positivas e possivelmente será um entrave ao desenvolvimento da
Política Nacional de Resíduos Sólidos, atrasando consideravelmente ou mesmo
inviabilizando a sua implantação.
Politicamente,
é um descaso com os administradores e municípios que se adequaram e/ou buscavam
esta perspectiva e um prêmio aos omissos, aos que apostam sempre em deixar como
está para ver como fica.
IHU On-Line - Qual tende a ser o impacto dessa prorrogação? Vislumbra impactos ambientais, sociais ou de outra ordem?
IHU On-Line - Qual tende a ser o impacto dessa prorrogação? Vislumbra impactos ambientais, sociais ou de outra ordem?
Antonio
Silvio Hendges – Todos os impactos ambientais, sociais e
econômicos decorrentes dos lixões e outros relacionados com a gestão inadequada
dos resíduos continuarão presentes e com tendência ao agravamento se
considerarmos o aumento do consumo como tendência macro.
A contaminação de amplas áreas, incluindo-se os recursos hídricos, o
desperdício de recursos, os problemas de saúde pública, a inadequação das
atividades dos catadores, a ausência de projetos de coleta seletiva, reciclagem
e responsabilidade compartilhada, a inexistência de programas de educação
ambiental, as deficiências na fiscalização e a irresponsabilidade pública em
relação aos resíduos sólidos terão uma sobrevida considerável se este projeto
for aprovado pela Câmara e sancionado pelo Executivo.
Também
é possível que aconteça uma desestruturação nos projetos em desenvolvimento ou ainda
não consolidados, desorganizando aspectos importantes da gestão e gerenciamento
dos resíduos em alguns municípios, principalmente naqueles que buscavam a
adequação e a consolidação de políticas públicas de gestão e gerenciamento
adequados.
A
ampliação dos prazos não garante que os municípios adequar-se-ão aos aspectos
legais, que vão além da erradicação dos lixões, estabelecendo diretrizes que
tornam os resíduos sólidos bens econômicos com reintrodução nas cadeias
produtivas, geração de recursos financeiros e desenvolvimento
econômico/socioambiental.
IHU
On-Line - Por que se chegou ao ponto de prorrogar o fim dos lixões para
essa data? O que isso demonstra sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos e
a dificuldade dos municípios em implementar as medidas determinadas pela PNRS?
Antonio
Silvio Hendges – A justificativa para esta ação, por parte das
organizações representativas dos municípios e dos senadores, foram os prazos
curtos, a falta de recursos financeiros, as dificuldades técnicas, a inexistência
de recursos humanos técnico-gerenciais e outras limitações de infraestrutura.
Em parte, há razões para esta argumentação, mas considero que o principal fator
foi mesmo a ausência de prioridade nesta área: não existiu uma motivação e um
entendimento por parte dos administradores de que a gestão adequada dos
resíduos é um diferencial importante e que contribui para a melhoria dos
ambientes urbanos em diversos níveis, não apenas nos aspectos imediatos. As
opções administrativas foram por outras prioridades, outros investimentos, não
nas políticas públicas de saneamento e gestão dos resíduos.
A
descaracterização das diretrizes originais da Política Nacional de Resíduos
Sólidos quanto aos planos de gestão e o fim dos lixões comprometerão outros
aspectos e abrirá espaço para novas mudanças sempre que não forem priorizadas
pelas administrações municipais as políticas públicas de saneamento. Quanto aos
recursos financeiros e apoio técnico, um parágrafo na nova lei estabelece que a
União edite normas complementares e defina critérios de acesso aos recursos
federais, dispositivo que pode desmobilizar os municípios que ficarão
aguardando a edição destas normas e a disponibilidade dos recursos para
desenvolverem suas ações. Espera-se que se o projeto for aprovado, estas normas
sejam editadas imediatamente e que os recursos disponibilizados sejam
suficientes às expectativas criadas.
IHU On-Line - Como essa proposta foi recebida pelos municípios do Rio Grande do Sul e qual é a situação dos municípios em relação aos lixões?
IHU On-Line - Como essa proposta foi recebida pelos municípios do Rio Grande do Sul e qual é a situação dos municípios em relação aos lixões?
Antonio
Silvio Hendges – No Rio Grande do Sul são poucos os municípios
que ainda descartam os resíduos em lixões. Pelas informações que disponho, são
apenas cinco municípios atualmente: Uruguaiana, Ipiranga do Sul, Santa
Margarida do Sul, São Gabriel e Tupanciretã. O lixão de Viamão, na região
metropolitana, foi transformado em um aterro controlado de acordo com
informações da prefeitura. Isso é um pouco melhor que a disposição em um lixão,
principalmente se existir uma triagem prévia dos recicláveis. Evidentemente que
existem locais clandestinos em que são descartados resíduos diversos, como os
da construção civil, por exemplo.
Os
maiores problemas em relação aos lixões estão nas regiões Nordeste, Norte e
Centro Oeste, onde não há universalidade no recolhimento, as iniciativas de
coleta seletiva inexistem ou são limitadas, as prefeituras têm deficiências
administrativas e estruturais enormes, a comunicação e a educação ambiental
relacionada aos resíduos são bastante precárias.
IHU
On-Line - Quais ainda são os problemas centrais relacionados à gestão
dos resíduos sólidos?
Antonio
Silvio Hendges – Sem dúvida, a inadequação da maioria dos
municípios brasileiros aos aspectos legais é o principal entrave à gestão
eficiente dos resíduos sólidos no país. A inexistência dos planos de gestão e
gerenciamento e de diagnósticos adequados aos diversos resíduos produzidos —
urbanos, construção civil, industriais, saúde e outros — dificultam a gestão e
inclusive a sua reutilização e reciclagem quando possível. A ausência de
planejamento e de diretrizes também inviabilizam uma fiscalização adequada e a
construção de compromissos públicos dos geradores e poderes públicos para com a
disposição ambientalmente adequada.
Os
investimentos em tecnologias, que permitam a gestão e gerenciamento eficientes
dos diversos materiais, com escala industrial e sua transformação em bens de
capital e matérias-primas, ainda são limitados, assim como a capacitação
específica de profissionais nesta área, inclusive para o desenvolvimento
econômico e o estabelecimento de uma indústria nacional da reciclagem.
“41% dos municípios elaboraram planos de gestão e 58% dos resíduos urbanos produzidos no país estão sendo encaminhados para aterros adequados”
“41% dos municípios elaboraram planos de gestão e 58% dos resíduos urbanos produzidos no país estão sendo encaminhados para aterros adequados”
IHU
On-Line – Deseja acrescentar algo?
Antonio
Silvio Hendges – A alternativa em relação aos municípios
inadequados ao final dos prazos estabelecidos nos artigos 54 e 55 da Lei
12.305/2010, inclusive não apenas em relação à existência de lixões, mas também
a outros aspectos da gestão dos resíduos sólidos, é a realização de Termo de
Ajustamento de Conduta - TAC com o Ministério Público, estabelecendo os
critérios e diretrizes para a adequação, com metas, cronogramas, previsão de
recursos humanos e financeiros e responsabilidades dos gestores municipais.
De acordo
com o Ministério do Meio Ambiente, 41% dos municípios elaboraram planos de
gestão e 58% dos resíduos urbanos produzidos no país estão sendo encaminhados
para aterros adequados. Em 2013 existiam reconhecidamente 1.196 lixões em atividade no país. (ecodebate)
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