Imagens de satélite indicam retomada do desmate ilegal
da Amazônia em Mato Grosso desde 2013
O
desmatamento ilegal da Floresta Amazônica avança a despeito da importância que
a comunidade científica mundial e a sociedade atribuem ao bioma e ao impacto de
sua destruição no clima do planeta. Em Mato Grosso, a região noroeste abriga o
último maciço da floresta no estado e sofre forte pressão para exploração
madeireira e ocupação de novas áreas para a produção agropecuária.
Entre
os meses de agosto e dezembro de 2015, 419 km2 de Floresta Amazônica
desapareceram do mapa no estado, de acordo com dados do Sistema de Alerta do
Desmatamento (SAD), operado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) com base em imagens de satélite gerados pela plataforma Google Earth
Engine (EE).
A
derrubada da mata nativa faz de Mato Grosso o único estado da Amazônia Legal a
ampliar a área desmatada nos últimos cinco meses de 2015, com aumento de 16% no
corte raso da floresta em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo
com dados do SAD.
Entre
janeiro e março de 2016, período de chuvas na região amazônica, as nuvens
dificultam a visualização do desmatamento e da degradação florestal. O Boletim
de Desmatamento da Amazônia Legal referente a janeiro de 2016, do Imazon,
informa que Mato Grosso apresentou 63% de seu território coberto por nuvens,
impedindo o cálculo do desmatamento no período.
Análises
de imagens de satélite mostram que a tendência de retomada do desmatamento no
estado começou em 2013. Segundo a especialista do Instituto Centro de Vida
(ICV) de Mato Grosso Alice Thuault, o desmatamento total detectado de agosto a
dezembro de 2015 é 670% maior do que o registrado no mesmo período em 2013.
“O
padrão do desmate no estado mudou nos últimos 15 anos, provavelmente por causa
dos satélites que dificultam que grandes áreas sejam derrubadas. Hoje, temos
vários desmates pequenos, enquanto no passado eram mais comuns os grandes”,
disse Alice. Segundo ela, o fato indica que novos pequenos proprietários
continuam abrindo áreas, especialmente no noroeste do estado.
O
chefe da Unidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) do município de Juína, responsável pela
fiscalização de toda a região noroeste do estado, explica que o potencial
econômico da madeira e das terras da região ameaçam o que resta da floresta.
“Há certa ganância pelos recursos madeireiros do último maciço florestal de
Mato Grosso e que tem colocado em xeque a sobrevivência da floresta na região.
O avanço da agricultura nas áreas de pecuária tem empurrado o gado ao norte, e
essas florestas já enfraquecidas pela exploração madeireira vão cair, é uma
conta matemática”, avaliou.
A
superintendente do IBAMA em Mato Grosso, Livia Passos Martins, defende a
mudança do modelo de desenvolvimento da região como o único caminho para pôr um
ponto final no desmate ilegal. “Já existem tecnologias que permitem o avanço do
agronegócio sem ser sobre áreas remanescentes. Precisamos rediscutir o modelo
do estado para tentar entender porque há mais de 20 anos o estado avança no
agronegócio mantendo o formato anterior de desmatamento da floresta.”
Livia
Martins destaca que a ideia de que o desenvolvimento do agronegócio no estado e
a proteção ambiental não podem andar juntas é ultrapassada, e que estudos
mostram que se áreas desmatadas e degradadas do estado forem recuperadas não
será preciso derrubar mais árvores. “Não dá para repetir os modelos antigos que
têm demonstrado fracasso no país. Se os lucros do agronegócio retornassem para
o estado com a redução da pobreza, por exemplo, ou o aumento do nível educacional,
mas não é isso o que acontece. Infelizmente, a grande renda ainda está
concentrada na mão de poucos”, avalia.
A
secretária adjunta de Gestão Ambiental da Secretaria de Estado do Meio
Ambiente, Elaine Corsini, disse que o governo de Mato Grosso está cada vez mais
preocupado em oferecer alternativas econômicas ao desmatamento no estado,
especialmente para os pequenos produtores.
“Dar
alternativas para não desmatar, para gerar uma renda, vender madeira como fonte
de renda. É preciso fazer com que tenham incentivos para usar territórios que
já foram abertos no passado que, em muitas situações, o Código Florestal
considera como áreas consolidadas, abertas antes de 2008, mas que ele possa
produzir nessas áreas e evitar a abertura de novas áreas. Pensar em alternativas
para que essas pessoas possam se estabelecer, produzir e viver da produção em
áreas que já foram abertas,” explica.
Na
última Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 21), sediada em Paris, em
novembro de 2015, o governo federal assumiu o compromisso de acabar com o
desmatamento ilegal da Amazônia até 2030. Em Mato Grosso, o governo estadual
foi mais ousado e se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal no estado
até 2020.
A
estratégia apresentada pelo estado para acabar com o desmatamento ilegal foi
desenvolvida em parceria entre todas as esferas do governo, especialistas de
diversas organizações não governamentais e o setor produtivo.
O
projeto prevê a substituição de 6 milhões de hectares de pastagens de baixo
rendimento por cultivos de alta produtividade, sendo 3 milhões de hectares para
grãos, como soja, milho e algodão, 2,5 milhões de hectares para a pecuária e
meio milhão para floresta plantada. O projeto também prevê que 6 milhões de
hectares de florestas nativas sejam licenciadas para manejo florestal
sustentável, uma alternativa para explorar a madeira sem ameaçar a floresta.
A
secretária Elaine Corsini destaca que o desmatamento no estado se concentra em
poucos municípios que enfrentam questões fundiárias complexas, “cerca de 10”, o
que torna difícil responsabilizar os culpados pelo desmate. “Precisamos fazer
um esforço para efetivar a regularização nesses municípios”, disse. “Alguns
municípios reclamam muito da questão fundiária. A regularização facilitaria,
por exemplo, investimentos e acesso a crédito em muitas áreas.”, explica.
Elaine
disse que as iniciativas para frear o desmatamento no estado estão previstas no
Programa Municípios Sustentáveis. “O projeto vai captar recursos do Fundo
Amazônia para fazer a regularização fundiária em diversos municípios. Teremos
recursos para cadastrar os pequenos e fazer um levantamento de quem está no
campo, produzindo o que, o que vai auxiliar no controle e planejamento para
essas áreas”, disse Elaine, lembrando que o trabalho de combate ao desmatamento
é conjunto e precisa envolver diversos órgãos.
O
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com o apoio
técnico da Universidade de Brasília (UnB), está desenvolvendo um projeto em 126
assentamentos na região norte de Mato Grosso para fazer a regularização
ambiental das áreas e um diagnóstico da produção nesses assentamentos. “Com
esse diagnóstico, vamos saber mais sobre a realidade atual para sabermos como
agir para resolver o problema”, explicou Elaine Corsini.
Regularização
ambiental
A
bióloga Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida, destaca
que, além da problemática fundiária, o Brasil precisa avançar na regularização
ambiental das propriedades rurais para combater desmates e queimadas ilegais.
Para
Alice, a demora na implementação do Código Florestal Brasileiro gera uma
expectativa de que a legislação não será colocada em prática. Além disso, dá a
impressão de que novas áreas poderão ser regularizadas e consolidadas para a
produção agropecuária e que a recuperação de passivos ambientais não será
cobrada de quem está desmatando agora. “A gente está em 2016, o código foi
aprovado em 2012, e poucos avanços aconteceram. Estamos numa situação em que
todos estão duvidando que a política pública vai pegar e será colocada em
prática”, disse.
Entre
as regras previstas no Código Florestal está o Cadastro Ambiental Rural de
todas as áreas rurais do país, documento em que o proprietário apresenta o
mapeamento das propriedades e informa as áreas consolidadas para atividade
produtiva, as áreas de reserva legal e os passivos ambientais que devem ser
recuperados nos imóveis rurais.
Em
seguida, cada estado vai validar os cadastros. A validação do CAR vai permitir
ao estado saber qual é o passivo ambiental de todas as propriedades rurais de
acordo com a lei. A partir daí, os proprietários terão que apresentar uma
proposta de regularização das áreas. Essa cobrança ainda não começou a ser
feita em nenhum estado brasileiro.
Alice
Thualth lamenta que a validação desses cadastros avance lentamente e teme a
prorrogação do prazo, previsto para encerrar em maio de 2016. “Já deveríamos
estar validando o CAR há quatro anos, mas essa atividade nem começou. Por isso
tem muitos rumores sobre a prorrogação do prazo do CAR. Somos contra a prorrogação
do CAR, mas sabemos que para ser feito o Estado precisa auxiliar os pequenos
produtores a se cadastrarem. Esse, para mim, é um dois maiores fatores do
desmatamento.”, avaliou.
No
início de maio o governo federal prorrogou por mais um ano o prazo para os que
os mais de 1 milhão de proprietários e posseiros de pequenas terras que ainda
não fizeram o cadastro não sejam prejudicados no acesso aos benefícios
previstos no Código Florestal. A prorrogação do CAR não vale para propriedades
superiores a quatro módulos fiscais, o equivalente a 110 hectares. Nesse caso,
os proprietários que não cumpriram o prazo vão perder o direito aos benefícios
do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e também ficarão sujeitos a
restrições de crédito agrícola após 2017.
A secretária
adjunta de Gestão Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Elaine
Corsini, disse que, em Mato Grosso, a validação teve início em setembro e
destacou que o estado está à frente dos demais. Segundo ela, a base de
cadastros dobrou no último ano, passando de 43 mil para 87 mil propriedades.
“Nós migramos os 43 mil cadastros que já tínhamos no sistema do estado para a
base de dados do governo federal (Sicar) e em setembro do ano passado começamos
a validar os cadastros, com um módulo feito pelo Serviço Florestal Brasileiro”,
disse.
A
superintendente do IBAMA em MT, Livia Martins, disse o Código Florestal pode
ter influenciado o aumento do desmatamento. “Toda vez que se cria uma
expectativa de mudança de legislação, cria-se uma certeza na mentalidade rural
de que vai haver alguma facilitação, seja ela qual for. Até virar prática, a
gente já perdeu uma boa parte da floresta. Então, sempre que há mudança de
norma, é preciso haver uma estratégia de comunicação forte para que a gente
possa atingir o entendimento daqueles que estão em locais distantes do estado.”
Livia
defende que o CAR seja efetivado o quanto antes pois vai viabilizar ao Ibama
identificar a regularização e os limites das propriedades onde há, por exemplo,
sobreposição com terra indígena, por exemplo, se há reserva legal completa, se
há área de preservação permanente conservada.
Ela
avalia que, no momento, há uma lacuna entre a legislação estadual e federal,
mas alerta os proprietários rurais a cumprirem as regras do código porque, segundo
ela, não serão flexibilizadas. “Até a norma virar prática e os proprietários se
habituarem em como os órgãos de controle estão incorporando a legislação nos
procedimentos leva um tempo, até que percebam como vai funcionar”, explica. “A
ordem é: não vamos desembargar áreas com desmatamento recente. Desmatou
recentemente, a área não vai ser desembargada”, afirma. (ecodebate)
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