Poluição de Manaus inibe a
fotossíntese da floresta e reduz a formação de chuvas
Artigo
publicado na PNAS apresenta resultados de pesquisas realizadas no âmbito do
experimento GoAmazon (Foto:Equipamento instalado em Manacapuru (sítio T3), uma
das áreas onde se realiza o experimento GOAmazon/Eduardo Cesar/Pesquisa FAPESP)
Está
comprovado: a poluição urbana produzida pela cidade de Manaus tem influência
direta – e potencialmente prejudicial – sobre a biogeoquímica da floresta
amazônica. Por onde passa, a pluma de poluição que emana da capital amazonense
interfere nos mecanismos de produção de partículas de aerossóis, com
consequências nos mecanismos de formação de nuvens, sua evolução e a produção
de chuva. A interação da pluma urbana com as emissões naturais da floresta
produz ozônio em níveis que podem ser fitotóxicos para a vegetação.
É o
que mostra o artigo “Fotoquímica do isopreno
sobre a Floresta Amazônica”, que acaba de ser publicado na revista
Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
Trata-se
de um dos primeiros resultados da campanha científica internacional GoAmazon,
um grande experimento realizada ao longo de 2014 e 2015 ao redor de Manaus,
envolvendo vários projetos financiados pelo Departamento de Energia dos Estados
Unidos (DoE, na sigla em inglês), a FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Amazonas (Fapeam), entre outros parceiros.
O
projeto liderado por Artaxo, “GoAmazon: Interação da
pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da Floresta Amazônica”,
foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas da
FAPESP, e utilizou, entre outros
recursos, dois aviões de pesquisa com instrumentos de última geração que
sobrevoaram extensivamente a Amazônia central ao longo de 2014 (Mais
informações em: agencia.fapesp.br/20150/).
“O
foco dos estudos foi desvendar os mecanismos de interação entre as emissões de
Manaus e as da floresta”, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do experimento GoAmazon.
Com cerca de 400 trabalhos publicados e mais de 12 mil citações, Artaxo foi um
dos quatro brasileiros citados no início do ano entre os pesquisadores “mais
influentes” do mundo pela empresa Thomson Reuters.
Segundo
Artaxo, a floresta emite naturalmente os chamados compostos orgânicos voláteis
(VOCs) como parte do seu metabolismo. Uma vez na atmosfera, os VOCs interagem
com outros gases e são oxidados. Esse processo tem papel fundamental na
formação de nuvens e, consequentemente, da chuva que cai na região.
É
neste ponto que a pluma de poluição manauara mostra a sua influência. As
emissões que saem das chaminés industriais e dos escapamentos da frota de veículos
formam uma pluma de poluentes na troposfera sobre Manaus. Tal pluma é
continuamente transportada pelos ventos para longe da cidade, geralmente na
direção oeste, formando uma mancha atmosférica que se estende por 100, 200 e
até 300 quilômetros (km) de distância.
Barcos em Manaus: a interação da pluma urbana com as emissões naturais da floresta produz ozônio em níveis que podem ser fitotóxicos para a vegetação.
Barcos em Manaus: a interação da pluma urbana com as emissões naturais da floresta produz ozônio em níveis que podem ser fitotóxicos para a vegetação.
Os
gases poluentes da pluma alteram as reações químicas dos VOCs na atmosfera,
produzindo mais ozônio e mais partículas de aerossóis do que ocorreria
naturalmente longe da presença da pluma de poluição. “O ozônio é um gás
fitotóxico. Ele é tóxico para as plantas em altas concentrações”, diz Artaxo.
A
concentração normal de ozônio na troposfera da Amazônia é muito baixa, de 10 a
15 partes por bilhão (ppb) no meio do dia. Por onde passa a pluma poluente de
Manaus, as concentrações de ozônio quadruplicam, saltando para 40 a 50 ppb. “A
maior concentração de ozônio inibe a fotossíntese, pois faz com que os
estômatos não se abram para a realização da fotossíntese. Como resultado, as
plantas absorvem menos carbono da atmosfera. Nessas condições, a vegetação tem
a fotossíntese reduzida”, afirma Artaxo. “Uma exposição de longo prazo da
vegetação a elevadas concentrações de ozônio levaria a uma redução na
quantidade de biomassa da floresta que estiver sob a influência da pluma de
Manaus.”
Tal
redução ainda não foi verificada in
loco, sublinha o físico brasileiro. “Esta aferição é muito difícil.
Requer um monitoramento de longo prazo. Sabemos do efeito nocivo das altas
concentrações de ozônio sobre as plantas graças aos estudos em estufas
artificiais. Quando as plantas são submetidas a concentrações de ozônio de 40 a
50 ppb, a fotossíntese é reduzida. Estamos neste momento desenhando novos
experimentos que vão tentar quantificar qual seria o efeito da pluma de Manaus
na floresta,” completa Artaxo.
Interações entre partículas
Interações entre partículas
Um
segundo efeito importante observado no experimento GoAmazon diz respeito às
interações entre as partículas formadas pela interação dos VOCs naturais da
floresta com os óxidos de nitrogênio emitidos pelos carros e indústrias. Foi
observada uma produção alta de partículas como resultado da interação da
poluição com as emissões da floresta.
Essas
partículas afetam os mecanismos de formações de nuvens, formando gotas menores,
que demoram mais para crescer e evoluir, potencialmente diminuindo a chuva para
nuvens formadas a partir da interação entre a poluição com as emissões da
floresta. “Ainda não temos uma quantificação precisa do efeito, só estudamos os
mecanismos até o momento”, afirma Artaxo.
A
compreensão de tais efeitos terá aplicação em toda a Amazônia, dado que a pluma
de poluição sobre a floresta não é uma exclusividade da área urbana de Manaus.
Ela existe, em menor grau, em todas as outras cidades amazônicas, como Belém,
Santarém, Porto Velho e Rio Branco. (ecodebate)
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