Rio de Janeiro debaixo de água.
Quanto custa evitar isto?
Até o fim do século, o aquecimento global poderá
causar a inundação de cidades inteiras. E por incrível que pareça, só as
empresas podem deter a catástrofe.
A simulação fotográfica mostrada nesta matéria é um exemplo concreto da ameaça
que o aquecimento global representa para o planeta. A lenta elevação do nível
dos mares, prevista pelos cientistas, poderá tomar conta das cidades litorâneas
nas próximas décadas. De acordo com a simulação, elaborada com base em dados
fornecidos pelo prejuízo.
Bairro de New Orleans, nos Estados Unidos, com casas com água até o teto
após a passagem do furacão Katrina. Eventos desastrosos como este estão com
tendência de aumentar em número e potência em virtude do efeito estufa
amplificado.
Vítimas do furacão Katrina,
desastres como esse podem estar ligados ao efeito estufa.
Instituto
Pereira Passos, da Prefeitura do Rio de Janeiro, e nas estimativas de elevação
do nível do mar do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU
(IPCC), bairros inteiros do Rio, como Leblon, Copacabana e Ipanema, ficariam
debaixo d'água na virada do próximo século.
O
nível do mar já começou a subir. Isso ocorre porque os gases poluentes emitidos
nas últimas décadas aprisionam o calor do sol e aquecem a Terra. Com o aumento
da temperatura, o volume da água aumenta e cresce ainda mais por causa do
derretimento de geleiras na Antártida e na Groenlândia. De acordo com os
cientistas, o fenômeno parece irreversível. Os gases já emitidos continuarão na
atmosfera por pelo menos 20 anos esquentando o planeta. Mas o pior ainda pode
ser evitado.
Por
ironia, a maior força capaz de deter o aquecimento global não vem da pressão
política dos movimentos ecológicos incensados pelos europeus. Vem da economia.
'É difícil medir exatamente como o aquecimento global vai afetar a economia
mundial', diz Timothy Herzog, do World Resources Institute, de Washington, uma
das principais organizações de estudos ambientais do mundo. 'Mas há um consenso
de que os custos serão significativos.'
Isso
tornou as empresas, antes apontadas como vilãs responsáveis pela emissão de
gases poluentes, a maior esperança dos ambientalistas. Diante de imagens como a
desta página, elas começam a despertar para o problema e buscar soluções. E não
porque sejam apenas boas cidadãs preocupadas com o planeta, mas sobretudo
porque descobriram que é um ótimo negócio.
Um
levantamento feito pelo Climate Group, organização internacional que monitora
investimentos e dá consultoria na área ambiental, mostra que as dez empresas
que mais avançaram em prevenção da emissão de gases conseguiram uma economia de
custos de US$ 45 bilhões em uma década.
O
movimento dos empresários verdes começou em 1991, quando o industrial suíço
Stephan Schmidheiny, dono de empresas como o Swatch Group, criou o Conselho
Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável. O instituto começou a
pesquisar como fazer negócios que comprometam menos os recursos naturais. Hoje,
reúne 175 multinacionais e atraiu a atenção de lideranças, como o
ex-vice-presidente americano Al Gore, uma das maiores estrelas do movimento do
capitalismo verde.
'Infelizmente,
nos Estados Unidos nós vivemos numa bolha fora da realidade. Ninguém se
interessa por soluções quando nem sequer se admite que exista um problema. Mas
os problemas existem, sim, e por oito anos nos preocupamos somente com o
somos-vulneráveis-a-ataques-terroristas', diz Gore. Desde 2000, ele tem feito
uma peregrinação a empresas, laptop debaixo do braço, alertando sobre o risco
do aquecimento e propondo que todos entrem numa guerra mais importante que a
travada contra o terrorismo, a Green War (ou Guerra Verde). 'Muitos cientistas
teorizavam sobre o fim do mundo e as previsões mais freqüentes eram sobre
meteoros. A ameaça não são os asteróides. Somos nós', afirmou Gore em artigo
publicado recentemente na revista Vanity Fair. Sua mensagem ganhará mais força
no dia 24 de maio, quando seu documentário sobre o aquecimento global, An
Inconvenient Truth (Uma Verdade Inconveniente), estreará nos cinemas
americanos.
US$ 45 bilhões foram economizados pelas dez
empresas que mais reduziram as emissões.
A
entrada em cena do setor privado é fundamental para ajudar a mudar o rumo do
desastre anunciado. O ano de 2005 foi o mais quente dos últimos cem anos. O
derretimento de glaciares e placas de gelo nunca foi tão acelerado. Já houve
redução de 40% da espessura da camada de gelo no Ártico. Se a economia
continuar no mesmo rumo, os cientistas do IPCC acreditam que a temperatura da
Terra possa subir de 4 a 6°C até o fim do século. Parece pouco no termômetro,
mas as empresas sabem que as alterações climáticas podem literalmente varrer
seus negócios do mapa. O aumento da temperatura está associado a fenômenos
climáticos de grande poder de destruição.
Por
isso, grandes empresas estão voluntariamente se antecipando às metas de emissão
de gases estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto, acordo celebrado em 1997 e
assinado por 163 países que determina que as emissões de gases sejam reduzidas
em 29% entre 2008 e 2012. A DuPont, uma das maiores indústrias químicas do
mundo, conseguiu diminuir sua cota em 72%. O efeito colateral foi redução nos
custos operacionais. 'Desde 1991, conseguimos poupar US$ 2 bilhões, US$ 1,5
bilhão só nos EUA', diz Ed Mongan, diretor de energia da DuPont.
A
estratégia da Dupont foi somar os custos de energia em cada etapa da produção.
Como a maior parte da energia usada pela empresa vem da queima de carvão, essa
redução implica menor emissão de poluentes. Mensalmente, um grupo mede o
consumo de energia por quilo de produto fabricado e propõe ações para diminuir
os excessos. Apesar do aumento de 35% na produção, o consumo tem-se mantido
estável desde 1990. 'A meta é chegar a 2010 com o mesmo uso de energia de
hoje', afirma Mongan. A americana Alcoa, uma das maiores produtoras de alumínio
do mundo, já cortou US$ 100 milhões anuais em custos graças ao programa de
economia de energia.
Casos
como o da DuPont e o da Alcoa desmentem a tese de que o corte nas emissões de
poluentes reduz o desempenho econômico das companhias, como afirma o governo americano.
Além de economizar, as empresas passaram a explorar novas oportunidades de
mercado geradas pela demanda por tecnologias limpas de consumo energético. A
DuPont desenvolveu o Tyvek, isolante térmico que, aplicado no telhado das
casas, permite uma economia de 10% em gastos com energia no aquecimento ou na
refrigeração.
Um
dos maiores incentivos para o uso de tecnologias limpas de produção vem do
mercado de créditos de carbono, criado pelo Protocolo de Kyoto. Nesse mercado,
empresas que reduzem as emissões de gás carbônico ganham créditos, que podem
ser trocados ou vendidos. O carbono que deixa de ser lançado na atmosfera é
negociado em toneladas, na Bolsa de Valores de Chicago. As empresas que
investem nesse tipo de papel apostam que, no futuro, quando o aquecimento
global se tornar mais intenso e leis de controle forem adotadas por todo o
planeta, a emissão de gás carbônico custará bem mais caro, portanto os créditos
de carbono serão mais valorizados.
Al
Gore posa com cartaz de seu filme sobre o efeito estufa.
Só
em 2005, a compra e venda de créditos movimentou US$ 4 bilhões. De acordo com o
Banco Mundial, projetos brasileiros para redução de emissões responderam por
13% das negociações em 2004 e 2005. Parte deles envolve a recuperação de
florestas degradadas. Quando as árvores crescem, absorvem carbono da atmosfera,
e assim o projeto ganha direito a créditos de emissão.
O
setor econômico mais afetado pelo aquecimento global é a indústria petrolífera,
pois a principal causa das mudanças climáticas são os gases derivados da queima
de combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural. Como esses minerais são
escassos e sua queima tende a ser cada vez mais controlada, as empresas de
petróleo têm interesse especial na busca de fontes alternativas. A
anglo-holandesa Shell foi a primeira a perceber isso. Construiu na Alemanha a
maior usina mundial de energia solar. Com investimento de US$ 27 milhões,
produz energia suficiente para atender 1.800 domicílios. No Brasil, a Shell
Solar já vendeu mais de 100 mil módulos que captam a energia do Sol. O lucro
cresce 30% ao ano.
Desligar-se
do petróleo é um desafio principalmente para a indústria automobilística. A
Toyota despontou como líder nessa área ao lançar o modelo de carro híbrido
Prius. Movido a eletricidade e a gasolina, consegue uma redução de até 80% nas
emissões de gases. 'Seu desempenho não deve nada a um carro comum, tanto que
ele é usado pela polícia em alguns condados da Flórida', diz a gerente de
marketing do produto, Mary Nickerson. A procura pelo Prius é tamanha que hoje
existe uma fila de espera de 20 mil consumidores.
A
alternativa das empresas brasileiras é o álcool, combustível considerado limpo.
Ele emite tanto gás carbônico na atmosfera quanto a gasolina, mas esse gás já
tinha sido retirado da atmosfera pela cultura da cana-de-açúcar. Por isso, o
álcool não contribui para o efeito estufa. E atrai interessados no mundo
inteiro. Na viagem ao Brasil, até mesmo os donos do Google visitaram a maior
produtora nacional, a Cosan. Nos últimos 12 meses, as ações da empresa
valorizaram 184%. No Brasil, os carros bicombustíveis já representam 53% do
mercado. A exportação, porém, ainda é tímida. Dos 15 bilhões de litros de
álcool produzidos, apenas 3 bilhões são vendidos para o exterior. Seria preciso
aumentar a área plantada, afirma Antônio de Pádua Rodrigues, diretor-técnico da
União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, que reúne os produtores
paulistas de cana, álcool e açúcar.
A
tecnologia do álcool pode ser estratégica também fora das estradas. A
Aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer em Botucatu, já comercializa o ä
Ipanema, pequeno avião movido a álcool, fruto de investimento de R$ 2 milhões.
Ele é usado principalmente para pulverizar plantações e combater incêndios.
'Conseguimos um ganho de 7% na potência do motor a álcool em relação à do motor
a gasolina', diz Vicente Camargo, gerente de engenharia da Neiva. A empresa,
agora, pesquisa a adaptação dos motores de aeronaves maiores.
Muitos
imaginam que o aquecimento global só tornará os lugares mais quentes. O clima
de Berlim, Toronto e Moscou, por exemplo, ficaria mais ameno. Mas os cientistas
estão descobrindo que não é bem assim. O clima deve entrar em um período
caótico. A frequência e intensidade das chuvas, dos ventos, das secas e das
nevascas que conhecemos hoje se manteve constante nos últimos 10 mil anos. Com
base nisso, desenvolveu-se a agricultura e construíram-se cidades. 'Se as
mudanças ocorrem muito rápido, a infraestrutura social não tem condição de se
adaptar facilmente', afirma Kevin Trenberth, diretor de análise climática do
Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR), dos EUA. Mudanças no clima
incluem perdas agrícolas e desastres naturais. O último deles, o furacão
Katrina, deixou um prejuízo estimado em US$ 2 bilhões.
Quem
melhor estima esse risco são as companhias de resseguros, que dividem o risco
das seguradoras tradicionais. A Swiss Re, a segunda maior do mundo no setor,
enviou há dez anos aos clientes um estudo que alertava sobre as possíveis
mudanças climáticas. Na época, o levantamento foi recebido com ceticismo. 'As
pessoas se perguntavam por que uma empresa de seguros deveria se preocupar com
isso', afirma Chris Walker, diretor de Efeito Estufa, divisão que a Swiss Re
criou para analisar o tema. 'Mas uma seguradora precisa olhar para o quadro
todo, em vez de se concentrar em um único aspecto.' Segundo ele, perdas
provocadas por problemas climáticos fizeram as seguradoras desembolsar US$ 41
bilhões em 2004. Dez vezes mais que na década de 80.
Claro
que os governos ainda têm um papel insubstituível. 'O esforço global para
combater o efeito estufa depende de políticas governamentais', diz Janet Sawin,
do Instituto Worldwatch. Eles precisam aprovar leis rígidas para obrigar todos
a se mexer. Entre 1990 e 2002, a Alemanha diminuiu a liberação de gases em
19,4%. Graças a leis que incentivam o uso de fontes alternativas de energia, os
alemães foram responsáveis por três quartos da redução em toda a Europa. Ao
contrário do que se imaginava, a política de redução não fez encolher o número
de empregos. Cerca de 450 mil postos de trabalho foram criados desde que a lei
entrou em vigor. E empresas alemãs, como a Siemens, que faz turbinas para
cata-ventos e células solares, se consolidaram como líderes da indústria verde
emergente. Em vez de fugir da realidade que prevê cenários como o do Rio sob as
águas, elas estão, ao mesmo tempo, ajudando a salvar o planeta e ganhando muito
dinheiro.
Simulação
ONDAS
O cenário mais pessimista
traçado por cientistas do Painel da ONU mostra que o mar pode subir até 25
metros nos próximos cem anos. Uma simulação feita com dados topográficos
fornecidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro revela que o mar inundaria quase
toda a zona sul da cidade.
NOVA
GEOGRAFIA
A
simulação da elevação do nível do mar, feita partir de uma foto tirada do
Corcovado, mostra aonde chegaria a água. Cobriria os bairros de Ipanema,
Leblon, Lagoa e Jardim Botânico. O mar bateria no 7° andar dos prédios.
Dá até lucro
O que
as empresas já estão fazendo.
JOHNSON&JOHNSON
Desde
1990, reduziu a emissão de C02 em 4%. A meta é que a diminuição seja de 7% até
2010. A queda foi conseguida com medidas como reaproveitamento da água, uso de
energia solar e colocação de janelas mais amplas. Elas clareiam o ambiente sem
necessidade de usar tanta energia. A empresa já economizou US$ 54 milhões com
as medidas.
DUPONT
Conseguiu
reduzir 72% das emissões em dez anos. Passou a reutilizar na produção resíduos
que antes eram incinerados. Dessa forma, diminuiu a compra de matérias-primas e
as emissões poluidoras. Faz concursos entre os funcionários para incentivar
ações no setor. No ano passado, foi eleita pela Business Week a primeira
colocada entre as Top Green Companies.
ALCOA
Cortou
as emissões do gás das caldeiras de alumínio em 80%. A queda total na emissão
de gases é de 26%. Seu programa de redução de emissões e uso racional de
energia permitirá um ganho de US$ 100 milhões anuais.
GENERAL MOTORS
A
empresa vem investindo em lançamento de carros que não utilizam combustíveis
fósseis. Em abril, apresentou no mercado europeu o primeiro carro do mundo com
motor híbrido alimentado por eletricidade ou bioetanol. O Saab BioPower tem um
botão escrito Emissão Zero que, quando acionado, faz com que o carro passe a
ser movido a eletricidade, com autonomia de 20 quilômetros e velocidade máxima de
50 km/h.
IBM
A
fabricante de computadores conseguiu uma economia de US$ 791 milhões com
programas de melhorias no uso de energia. A redução de poluentes chegou a 38%.
BAYER
Por
meio de um programa de uso mais eficiente da energia, conseguiu uma redução de
63% de emissão de gases poluentes, mesmo com um aumento global de produção de
22%.
TOYOTA
Em
15 anos, a montadora, pioneira nos carros híbridos, reduziu suas emissões quase
pela metade. Conseguiu isso fazendo linhas de montagem que fossem capazes de
produzir vários modelos de carros de uma vez, no lugar de usar uma linha para
cada modelo.
O clima já mudou.
O aquecimento global já está transformando o mundo.
Mas o pior ainda está por vir.
FAUNA
Cerca
de 1.200 espécies já sofreram com o aumento de temperatura. Algumas anteciparam
o período de acasalamento. Outras tiveram de migrar para áreas antes mais
geladas.
FLORA
O
aquecimento das florestas temperadas torna as árvores suscetíveis a pragas
antes exclusivas das zonas tropicais.
VENTOS
Estudos
apontam um enfraquecimento de 3,5% nos ventos sobre o Oceano Pacífico. As
mudanças poderiam trazer mais fenômenos semelhantes aos do El Niño.
SECAS
A
desertificação aumentou na África. Até o fim deste século, o continente poderá
sofrer uma escassez aguda de água, com redução das chuvas.
GELEIRAS
A
Antártida perdeu parte considerável de sua camada de gelo. A cada ano, o
continente perde o equivalente ao consumo de água de 40 cidades como Los
Angeles. A Groenlândia nunca esteve tão quente em 130 mil anos.
OCEANO
Correntes
marinhas que conduzem o calor do Equador para regiões temperadas estão
enfraquecendo. Isso poderia levar a Europa e os EUA para uma pequena era
glacial localizada.
FURACÕES
Em
agosto de 2005, o furacão Katrina arrasou a costa sul dos EUA. Dias depois, foi
a vez do Rita, com ventos de 250 km/h. Nas últimas três décadas, o número de
furacões nas categorias 4 e 5 (as mais intensas) praticamente dobrou no mundo
todo. (fimdostempos)
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