“Assim,
é possível que estejamos deixando para trás outra fronteira. Trata-se do 5º
Estágio Isotópico Marinho ou MIS5, ou ainda ‘Eemiano’, o interglacial anterior
não só ao Holoceno, mas também anterior ao último glacial, entre 130 e 115 mil
anos atrás, quando os mares, por exemplo, estavam de 6 a 9 metros acima dos
níveis atuais e que é bem destacado na figura ao lado. A possibilidade de
ultrapassagem próxima desse limite se baseia nas evidências apresentadas por um
novo artigo de James Hansen. Não chega a ser surpresa, pois com concentrações
de CO2 permanentemente acima de 400 ppm, temos a presença desse gás
na atmosfera terrestre em níveis inéditos em mais de 3 milhões de anos”,
escreve Alexandre Costa, PH.D em Ciências Atmosféricas, professor titular da
Universidade do Ceará, em artigo publicado no seu blog, 08/10/2016.
Há 3
anos, surgiram, na literatura científica, evidências de que já havíamos
atingido temperaturas médias globais acima de quaisquer outras durante o Holoceno (época geológica correspondente aos últimos
10 mil anos de relativa estabilidade no clima e que agora deu lugar ao Antropoceno). Levantamentos robustos, como os apresentados
por Marcott
et al. (2013) mostravam já
naquele momento que ultrapassávamos o chamado “Ótimo Climático do
Holoceno Médio“, intervalo de
tempo naturalmente mais quente do que os anos pré-industriais ocorrido há 6000
anos (vide
figura).
A figura abaixo mostra
as anomalias de temperatura calculadas a partir dos dados da NOAA (National
Oceanic and Atmospheric Administration, dos EUA), com uma diferença em relação
ao que é tradicionalmente mostrado. Em geral, no próprio site da NOAA, o
cálculo da “anomalia de temperatura”, isto é, a diferença entre a temperatura
de um dado momento e um período de referência é feito usando a temperatura
média do século XX como linha de base. No entanto, sabemos já há pelo menos
quase uma década que especialmente a segunda metade do século passado já é
fortemente afetada pelo aquecimento global antrópico, portanto faria bem
mais usar como referência as temperaturas pré-industriais.
Na falta de um registro
pré-industrial confiável, o que mostramos aqui usa como linha de base as
temperaturas médias no período de 1880 a 1920 e isso é suficiente para revelar
melhor a magnitude do aquecimento já ocorrido. Após 3 anos sucessivos de
recordes de temperatura sendo quebrados, chegamos em 2016 a valores de
temperatura média global quase 1,3°C acima do clima
pré-industrial.
Assim, é possível que
estejamos deixando para trás outra fronteira. Trata-se do 5º Estágio Isotópico
Marinho ou MIS5, ou ainda “Eemiano", o
interglacial anterior não só ao Holoceno, mas também anterior
ao último glacial, entre 130 e 115 mil anos atrás, quando os mares, por
exemplo, estavam de 6 a 9 metros acima dos níveis atuais e que é bem destacado
na figura ao lado. A possibilidade de ultrapassagem próxima desse limite se
baseia nas evidências apresentadas por um novo artigo de James Hansen.
Não chega a ser surpresa, pois com concentrações de CO2 permanentemente
acima de 400 ppm, temos a presença desse gás na atmosfera
terrestre em níveis inéditos em mais de 3 milhões de anos.
A “próxima parada” em matéria de recorde de
temperatura, embora ele não apareça tão marcado na figura acima, provavelmente
será o chamado 11º Estágio Isotópico Marinho (MIS11) ou Holsteiniano,
de cerca de 400 mil anos atrás. Ali, as temperaturas provavelmente chegaram a
valores cerca de 1,5°C acima dos anos pré-industriais, podendo até mesmo ido a
2°C acima, justamente os dois limites, o desejável e o máximo, estabelecidos no
Acordo de Paris. A superação do primeiro deles (1,5°C) já é
considerada inevitável por vários colegas cientistas, que seguem lamentando o
descaso para com a crise climática. A superação do segundo é receita para a
catástrofe, como debatemos em artigo anterior em nosso blog.
Depois do MIS11,
amigos e amigas, o registro de temperatura segue com temperaturas mais
incertas, mas em função do chamado “Evento Mid-Brunhes", como
os interglaciais de 400 mil anos para cá tenderam a maior amplitude, é quase
certo que nenhuma temperatura acima dessas tenha ocorrido nos últimos 800 mil
(com alta dose de confiança) a um milhão e meio de anos. O mais provável é que
a parada seguinte, ou seja, acima de 1,5-2°C, esteja no mínimo
cerca de 3 milhões de anos atrás, antes mesmo dos ciclos de glaciação de 41 mil
anos que precederam os ciclos mais longos (de 100 mil anos) mostrados na figura
ao lado.
Depois disso, se chegarmos a
um aquecimento da ordem de 3°C, é quase certo que não há precedentes em 5,5
milhões de anos. E aí, é preciso ir para a figura seguinte, provavelmente
levando-nos a antes da transição climática do Mioceno (14
milhões de anos atrás), quando não havia gelo algum no Hemisfério Norte, nem
nos mares do Círculo Polar Ártico, nem mesmo sobre a Groenlândia, e quando o
manto de gelo da Antártica era muito menor. É outro mundo, outro planeta. Uma
condição tão remotamente distinta de tudo o que a humanidade já viveu, com
potencial tal de afetar o ciclo hidrológico e as condições de vida de fauna e
flora que as consequências são virtualmente imprevisíveis, mas com toda chance
de chegarmos a um quadro de calamidade global. O que é mais apavorante é que um
aquecimento capaz de superar o máximo já visto na Era Cenozóica,
tomando-se como referência as estimativas de Zachos et al.
(2008), não está descartado na escala de um século ou dois, mantida a rota de
uso intensivo de combustíveis fósseis que teima em prevalecer. Difícil não se
desesperar quando, mesmo diante de tragédias como a que o Furacão Matthew produziu no Haiti, tomadores de
decisão e a sociedade em geral mostram-se incapazes de “ligar os pontos” e
começarem a se mover. Pelo contrário, quando se vê legisladores e governantes
assumirem posições como a criminosa piora das regras de exploração do pré-sal,
que tende a fazer com que sua exploração seja acelerada, num país como o
Brasil, que assinou o já insuficiente Acordo de Paris, o descompasso entre os
rumos de sociedades e governos e as necessárias medidas para conter o caos
climático só se revela maior e maior.
O artigo de Hansen
ainda está em processo de revisão, portanto ainda deve passar por críticas e
ajustes, mas em si já mostra como estamos num ritmo acelerado de superação de
marcas de temperatura não mais do nosso tempo histórico, mas da história
geológica terrestre. Somente canalhas como negacionistas são capazes de
continuar, por exemplo, a fazer a agitação de “períodos mais quentes do que o
atual” na Idade Média ou anteriores (com todas as evidências hoje apontando
para que tenham sido processos em escala regional, no primeiro caso basicamente
circunscrito à Europa), negando-se a apresentar o conhecimento científico
atualizado. São mentirosos e manipuladores, pois a informação está disponível
para todo mundo, especialmente para quem está dentro da academia.
Abandonar
quase que totalmente o uso de combustíveis fósseis na escala de uma década a
duas é a única maneira de nos manter com chances de que reflorestamento e
práticas agrícolas adequadas aplicadas ao mesmo tempo e mantidos nas décadas
seguintes sequestrem carbono da atmosfera ao ponto de nos colocar novamente em
níveis seguros, abaixo de 350 ppm ou, preferencialmente, num prazo mais longo,
em níveis ainda inferiores a esse, mais parecidos com os 300 ppm nunca
superados nos últimos 800 mil anos, como bem atestados pelos registros do gelo
antártica.
A
continuidade dessa locomotiva consumista a carvão, petróleo e gás não pode ser
considerada outra coisa que não insanidade. A mais completa. Irá impor um custo
inaceitável para a geração de jovens e crianças de hoje, irá deixá-los sujeitos
à chantagem de “soluções” tão falsas quanto perigosas como geoengenharia e
captura e armazenamento de carbono (CCS,
BECCS, que devemos abordar em breve em um novo artigo). É
uma sentença à qual não podemos condenar nossos filhos e netos. (ecodebate)
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