Relatório mostra vulnerabilidade das cidades
brasileiras frente às mudanças climáticas.
PBMC divulga documento inédito; no contexto das
alterações do clima, as cidades são parte do problema e, ao mesmo tempo, o foco
das soluções.
O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC)
divulgará, durante a COP22, no Marrocos, um relatório inédito mostrando os
impactos que o Brasil sofrerá por causa das mudanças climáticas e os poucos
esforços para a mitigação desses efeitos sobre o meio ambiente. Entre as
previsões do documento está a diminuição da potabilidade da água, o aumento do
consumo de energia, um maior risco para as áreas urbanas causadas por
catástrofes naturais, além do aumento de doenças e, consequentemente, um inchaço
do sistema de saúde. O relatório apresentado entre os dias 7 e 18 de
novembro/16, em Marrakesh, traz ainda novas estratégias na criação de soluções
necessárias para que o país consiga se adaptar às mudanças climáticas.
Cidades brasileiras não estão preparadas
Segundo estimativas da UN-Habitat – Programa das
Nações Unidas para Assentamentos Humanos – o Brasil terá 90% de sua população
vivendo em áreas urbanas até 2020. Isto significa a criação massiva de
infraestrutura urbana com elevado consumo de energia. Dessa forma, pequenos,
médios e grandes centros urbanos assumem o protagonismo no combate às
intempéries do clima, sendo responsáveis pelo consumo de 70% da energia
disponível e por 40% das emissões de gases de efeito estufa. É importante notar
que este aumento se dará em quase sua totalidade nos países em desenvolvimento.
Dependendo de como a política para o planejamento urbano for implementada, este
aspecto poderá tanto ser positivo com modelos de urbanização modernos e
sustentáveis ou negativo, com a continuidade do crescimento caótico das cidades
dos países mais pobres.
Diante desse cenário, é possível avaliar que poucas
cidades brasileiras têm políticas direcionadas para sustentabilidade, e
precisam se apressar para se adaptarem às mudanças já sentidas pelos fenômenos
climáticos, como aumento de temperatura e nível do mar, ilhas de calor,
inundações, escassez de água e alimentos, acidificação dos oceanos e eventos
extremos. Como exemplo, o relatório aponta a deficiência e vulnerabilidade das
cidades, as situações de emergência e de calamidade pública decorrentes dos
desastres naturais.
Para a cientista Suzana Kahn, presidente do Comitê
Científico do PBMC, durante anos, o foco mundial em resposta às mudanças
climáticas tem sido em torno dos estados nacionais, o que não vem gerando
acordos globais satisfatórios ou medidas eficazes de adaptação. Algumas
prefeituras já iniciaram a elaboração de inventários de emissões de gases de
efeito estufa e assumiram um protagonismo no debate sobreo que pode ser feito
para garantir que a qualidade de vida da população não seja sofra impactos com
a intensificação dos desastres naturais. No entanto, a pesquisadora lembra que
o desafio do aquecimento global é apenas uma das diversas questões na agenda
local das cidades.
– Os governos também são confrontados entre as
prioridades atuais e os riscos em longo prazo, sendo essa situação agravada
pelas incertezas que podem envolver o cronograma e a gravidade dos impactos
relacionados com o clima em uma cidade. É necessário se preparar, pois os
problemas causados no âmbito global acontecerão de forma local.
Confira abaixo as principais conclusões do relatório:
Cidades devem sofrer problemas em relação à
potabilidade da água
A elevação das temperaturas tem impactado os recursos
hídricos. A intensificação dos períodos de secas e as modificações nos regimes
de chuvas poderão influenciar a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos
disponíveis para o abastecimento das cidades. Por outro lado, o relatório
mostra que o grande volume de chuva em curto espaço de tempo pode aumentar
problemas de vazão, alagamentos e enchentes. O resultado desses eventos é que,
como a contaminação fica mais concentrada nos rios, a sujeira é levada para
fontes potáveis quando ocorrem chuvas intensas.
O descaso das cidades com a qualidade da água de seus
rios também é responsável pela escassez em muitos lugares. As situações de
maior déficit ocorrem no Semiárido Nordestino e o nível de chuvas no Nordeste
poderá diminuir cerca de 22% até 2100.
Problemas de abastecimento também devem estar na
agenda das cidades. Um diagnóstico da situação de 5.565 municípios brasileiros
sobre a disponibilidade hídrica, demanda urbana e capacidade de produção de
água preocupa. Cerca de 55% e 35% das capitais e conglomerados foram
classificados como “requer novo manancial” ou “requer novo sistema de
produção”, respectivamente. Com aumento de 28% na demanda média do
abastecimento urbano de água entre 2005 e 2025, as cidades precisarão investir
algo em torno de R$ 22 bilhões para dar aos sistemas de produção a capacidade
de 60 metros cúbicos de água por segundo a cada década.
Consumo de energia deve subir 8% acima do projetado
para 2030
A geração de energia sofrerá consequências com as
alterações do clima. Em 2015, 75,5% da energia elétrica gerada no Brasil foi de
origem renovável, sendo 64% hidrelétricas, 8% biomassa, 3,5% eólica e 0,01%
solar. A mudança do clima e alterações no regime de chuvas podem provocar menor
vazão nas bacias brasileiras. Na região Nordeste, a queda na vazão do rio São
Francisco pode chegar a registrar reduções de 24,6% e consequente diminuição de
7% na produção de energia hidráulica. No território nacional, estima-se redução
entre 1% a 2,2% na produção de energia hidráulica. Caso as alterações
climáticas ganhem as proporções esperadas, haverá perdas na capacidade de
geração de energia.
No caso da energia solar, eólica e biomassa,
temperaturas extremas podem impactar desde os padrões dos ventos até o
surgimento de mais nuvens, afetando todo o processo de geração de energia. Até
o final do século, o potencial eólico no país pode cair até 60% devido à
redução na ocorrência de ventos superiores a seis metros por segundo,
velocidade mínima necessária para geração eólica. Nas usinas térmicas, a maior
vulnerabilidade está na redução de água disponível para resfriamentos das
máquinas, levando à queda de produtividade.
Edificações devem sofrer graves danos
Os domicílios brasileiros apresentam grande variação
quanto à vulnerabilidade: edificações construídas com materiais inadequados,
localizados em áreas de declive, sujeitas à inundações e em encostas estão mais
vulneráveis que domicílios em boas condições, situados em áreas não expostas a
determinados riscos.
Entre 2008 e 2012, 37,1% dos municípios brasileiros
foram atingidos por alagamentos, enquanto que 895 registraram desabamentos no
mesmo período. As regiões Sudeste (45,2%) e Sul (43,5%) foram as mais atingidas
por alagamentos, com destaques para os estados do Rio de Janeiro, Espírito
Santo e Santa Catarina. Já a região Nordeste lidera os eventos de deslizamentos
e desabamentos, sendo responsável por 50,06%, enquanto que o Sudeste aparece em
segundo lugar, com 45,32% dos incidentes. Nessas regiões, destacam-se os
estados de Pernambuco, com 5.910 ocorrências; São Paulo, com 4.981 eventos e
Rio de Janeiro, com 4.969 incidentes.
A resistência da infraestrutura urbana também
preocupa. Ainda que eventos extremos como furacões sejam raros, o material
utilizado na construção civil ainda é sensível às alterações climáticas, que
podem causar sérios danos à estrutura das edificações. Para superar esses
desafios, é necessário efetividade nas políticas públicas e investimentos e
incentivos no setor.
Alterações climáticas devem
sobrecarregar o sistema de saúde
Os eventos climáticos não impactam apenas o meio
ambiente. Considerando o aumento de 25% no regime de chuvas na região sudeste
da América do Sul, cidades situadas no Sul do país poderão registrar
crescimento de doenças. O aumento de inundações e secas causará efeito devastador
sobre a saúde, especialmente nas pessoas que vivem em comunidades mais
sensíveis. Com esse cenário, doenças como malária e dengue, mais incidentes nos
países de clima tropical, são alguns dos problemas de saúde pública decorrentes
do aquecimento global. As intensas ondas de calor também podem ter impacto nas
doenças crônicas, como problemas cardiovasculares.
Estratégias de adaptação precisam de parceria entre
esferas de governo e setor privado
A elaboração das medidas de adaptação e mitigação
considerou diversos setores, como recursos hídricos, gestão de risco aos
desastres naturais, infraestrutura, indústria, zonas costeiras, saúde, entre
outros. Todos os esforços têm como ênfase o cenário nacional, embora o
relatório ressalte a necessidade de gestores municipais e do setor privado
assumirem as diretrizes para adaptação em nível local. O país possui uma
variedade de características ambientais, climáticas e geográficas. Dessa forma,
como os municípios brasileiros têm níveis diferentes de desenvolvimento social,
urbano e econômico, é necessário conciliar essas diferenças para que as ações
de mitigação tenham o resultado pretendido.
Algumas opções de adaptação para cada setor:
Setor
|
Mudanças climáticas e possíveis impactos
|
Opções de adaptação
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Transporte
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Aumento frequência de eventos extremos; Aumento
nível mar.
|
- Realocação de estradas e vias, mudanças nos
projetos, substituição e adequação de estruturas, como pontes, estradas e
pavimentos.
|
Energia
|
Aumento frequência de eventos extremos; aumento
nível mar.
|
- Melhoria da infraestrutura de energia, realocação
de linhas de distribuição, mudanças nos projetos e substituição e adequação
de estruturas.
- Diversificação das fontes renováveis por conta de
riscos na oferta de energia.
|
Uso do solo
|
Aumento frequência de eventos extremos.
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– Parques lineares localizados na margem de córregos
para minimizar os impactos de cheias.
|
Recursos Hídrico
|
Aumento temperatura e redução volumes
pluviométricos.
|
– Mais eficiência do uso da água (ex. reuso);
– Incentivo econômico (cobrança e regulamentação do
uso da água), diminuindo o desperdício e aumentando a eficiência;
– Aumento da capacidade de armazenamento, captações
de cursos de água e as transferências de água;
– Recuperação das bacias hidrográficas.
|
Ecossistema
|
Perda Biodiversidade
|
– Pagamento de serviços ambientais, REDD+ e
manejo comunitário;
|
Agricultura
|
Aumento temperaturas e secas
|
- Desenvolvimento de novos cultivares (variedade de
soja para condições de altas temperaturas e menor disponibilidade de água;
espécie de cana‑de‑açúcar que demanda menor quantidade de água) desenvolvidos
pela Embrapa.
|
(ecodebate)
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