A humanidade ultrapassou a capacidade de carga do Planeta
“Não
é o que olhamos que importa, é o que vemos”- Henry Thoreau (1817-1862)
A
principal característica do século XX foi a exploração desenfreada da natureza.
A população mundial passou de 1,65 bilhão de habitantes em 1900, para 6 bilhões
em 2000, um aumento de quase 4 vezes. Mas o crescimento da economia ocorreu em
ritmo bem mais elevado. A emissão de gases de efeito estufa atingiu níveis
alarmantes e a concentração de CO2 na atmosfera é a maior em milhões de anos. O
consumo per capita de energia aumentou quase 4 vezes, como mostram os gráficos
acima (Heinberg, 2016).
Mas
o mais grave é que a destruição da natureza continua em ritmo assustador no
século XXI. A promessa do desenvolvimento sustentável e da economia verde tem
se mostrado uma ilusão. A desmaterialização e a descarbonização da economia –
promessa da 4ª Revolução Industrial, baseada na Internet, celulares,
impressoras 3D, etc. – não aconteceu na prática.
A
extração global de recursos naturais foi elevada entre 1970 e 2010, sendo que o
ritmo se acelerou nos anos 2000. Como mostra o “Paradoxo de Jevons”, a maior
eficiência energética e a menor intensidade de uso de materiais não elimina o
fato da demanda agregada aumentar o uso global dos recursos naturais.
O
relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de
2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes
nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da
natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas
em 2010. O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos
2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento
da China. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas
per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.
Se a
extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de 9 bilhões de
habitantes e uma demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano
para atender às demandas antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a
situação atual e provavelmente vai aumentar a acidificação dos terrenos e das
águas, a eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar
a erosão e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos.
O
mais grave é que, desde 1990, tem havido pouca melhoria na eficiência no uso
dos materiais globais. Na verdade, a eficiência começou a declinar por volta do
ano 2000. Ou seja, em vez de haver “desacoplamento” (decoupling), a economia
internacional está utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e
por unidade do PIB. O modelo marrom continua. As emissões de carbono e de
metano continuam em ritmo perigoso.
Relatório
do Banco Mundial, divulgado em maio de 2016, prevê que 1,3 bilhão de pessoas
serão afetadas pelas inundações nas próximas décadas e o prejuízo material pode
chegar a US$ 158 trilhões. Artigo de Samantha Page (maio 2016) mostra que nos
últimos 30 anos houve um aumento de 10 vezes no custo global de desastres. E
tudo está ficando pior, pois a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga
da Terra.
Nos
últimos 45 anos a Pegada Ecológica mundial ultrapassou a biocapacidade do
Planeta. Desde o início dos anos 1970, o déficit ambiental vem subindo
constantemente. Em 2012, o mundo tinha uma população 7,1 bilhões de pessoas,
com uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma
biocapacidade per capita de 1,73 gha, como mostra o gráfico abaixo.
O
mundo tinha em 2012 uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de hectares
globais, mas tinha uma pegada ecológica de 20,1 bilhões de hectares globais.
Portanto, a pegada ecológica ultrapassava a biocapacidade em 64%. Ou dito de
outra maneira, o mundo estava consumindo o equivalente a 1,64 planetas.
Portanto, a população mundial vive no vermelho e provoca um déficit ambiental
que cresce a cada ano.
O
planeta Terra é único. No longo prazo, não dá para usar mais de um planeta, sem
destruir toda a herança acumulada pela natureza durante milhões de anos.
Portanto, é preciso decrescer do uso de 1,64 planetas para 1 planeta. Existem
três alternativas:
1)
diminuir o padrão de consumo dos habitantes do globo (principalmente o consumo
conspícuo e os tipos de consumo mais poluidores e degradadores do meio
ambiente);
2)
diminuir o volume da população mundial;
3)
diminuir o consumo e a população ao mesmo tempo. O mundo precisa reverter o
aumento do fluxo metabólico entrópico, pois é inviável querer continuar
crescendo acima da capacidade de carga e acima da biocapacidade do Planeta.
Sem
dúvida, para evitar o colapso ambiental é preciso reduzir a pegada ecológica e
para evitar as injustiças sociais é preciso reduzir os níveis de desigualdade.
A solução não pode ser o crescimento econômico ilimitado com crescente extração
de recursos do meio ambiente. Ao contrário, será necessário não só o
decrescimento da população mundial, mas também o decrescimento do padrão de
consumo médio das pessoas, com equidade social.
Estudo
publicado em setembro de 2016 no periódico científico “Current Biology” mostra
que nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões km2, ou quase
10%, das suas áreas de natureza selvagem, isto é, regiões praticamente
intocadas pela ação humana. Quase 50 mil elefantes africanos são caçados por
criminosos a cada ano, número que já seria preocupante se a população desse
tipo de animal não estivesse reduzida a menos de 500.000. O motivo da caça
intensa é a demanda pelo marfim, especialmente da China, Laos e Vietnã, que
representam 80% do mercado ilegal e onde os produtos de marfim são considerados
itens de luxo.
A
escala das atividades antrópicas já ultrapassou os limites fundamentais da
sustentabilidade. O aquecimento global caminha para uma temperatura acima de
2ºC (em relação ao período pré-industrial), o mesmo nível existente a 115 mil
anos atrás (no período Eemiano) quando o nível do mar estava de 6 a 9 metros
acima do nível atual. Por conta disto tudo, a humanidade precisa sair do
déficit ecológico e voltar para o superávit ambiental, descarbonizando a
economia e resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos
da Terra, pois a natureza não depende das pessoas, mas as pessoas dependem da
natureza. O ecocídio significará também um suicídio para a humanidade.
(ecodebate)
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