Pesquisa
prevê condições mais úmidas para a parte oeste da Amazônia e mais secas para o
leste
Temperaturas
mais elevadas e desequilíbrio entre as estações são reflexos expressivos do que
costumamos chamar de mudanças climáticas. Elas são reais e estão nos atingindo
com cada vez mais força. Cientistas de várias partes do mundo já observam que o
aumento da temperatura média do planeta tem elevado o nível do mar devido ao
derretimento das calotas polares, o que no futuro pode causar o desaparecimento
de ilhas e cidades litorâneas com grande concentração de moradores. Outra
previsão é a de uma frequência maior de tempestades tropicais, inundações, ondas
de calor, secas, nevascas, furacões, tornados e tsunamis.
De
acordo com a ONG WWF-Brasil, as mudanças climáticas podem ter causas naturais,
como alterações na radiação solar e nos movimentos orbitais da Terra, ou podem
ser consequência das atividades humanas. O Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas, afirma que há 90% de
certeza de que o aumento de temperatura no planeta está sendo causado pela ação
do homem. Entre as atividades humanas que produzem essas alterações estão a
queima de combustíveis fósseis para a geração de energia, atividades
industriais e transportes, a conversão do uso do solo, a agropecuária, o
descarte irregular de lixo e o desmatamento.
No
Brasil, as mudanças do uso do solo e o desmatamento são responsáveis pela maior
parte das nossas emissões, o que faz o país ser um dos líderes mundiais em
emissões de gases de efeito estufa, segundo a WWF-Brasil. Nesse contexto, o
engenheiro ambiental e doutorando da UFRGS Mino Sorribas, junto com uma equipe
de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e de outras
instituições do Brasil e dos EUA, desenvolveu um estudo para analisar como as
mudanças climáticas podem afetar a dinâmica das vazões e da inundação das
extensas planícies da Bacia Amazônica. A pesquisa indica que as mudanças
climáticas têm efeitos sobre processos hidrológicos que influenciam os ciclos
biogeoquímicos – processos naturais em que os elementos químicos circulam entre
os seres vivos e o meio ambiente –, o transporte de pessoas e de bens, a pesca,
a moradia e a geração de energia hidrelétrica.
Mino
conta que o trabalho com técnicas de simulação para representar
computacionalmente os processos de ciclos hidrológicos já existe há anos na
UFRGS. Ele destaca o trabalho do professor Walter
Collischonn, que desenvolveu no início dos anos 2000 o MGB-IPH – um
modelo matemático que pode ser utilizado para representar os processos
hidrológicos em bacias hidrográficas de grande escala. “É o núcleo do
desenvolvimento de outras pesquisas neste grupo”, afirma. Como a Bacia
Amazônica possui uma disponibilidade de dados muito baixa, sobretudo nas suas
áreas mais remotas, entre 2009 e 2010 o professor Rodrigo
Paiva, que também participou deste estudo, utilizou informações de
satélite e avançou no desenvolvimento do modelo para conseguir simular a Bacia
Amazônica inteira.
A questão das mudanças climáticas surgiu
recentemente, com a visibilidade de outras pesquisas do grupo. De acordo com
Mino, teve início com o professor John Melack,
da Universidade da Califórnia – Santa Barbara (UCSB). “Ele trabalha na Amazônia
desde a década de 1980 e estava liderando uma equipe de pesquisadores de
diversas áreas, então entrou em contato com o professor Rodrigo e o convidou
para participar do projeto Science for Nature and People (Snap), que
tem como objetivo estudar diferentes locais para fins de conservação”, conta.
O
estudo
De
acordo com a pesquisa, a Bacia Amazônica drena cerca de seis milhões de km2
e descarrega em torno de 15% da água doce global que chega aos oceanos. A região
possui extensas zonas úmidas que são inundadas sempre numa mesma época do ano,
e a planície amazônica possui um funcionamento hidráulico complexo, com baixas
declividades que causam, em parte significativa da bacia, efeitos de remanso –
elevação do nível de água do rio devido a um barramento ou alterações no canal.
Mino
explica na pesquisa que eventos como as cheias de 2009 e de 2012-2015 e as
secas em 2005 e 2010 impactaram a região de tal forma que cientistas, governos
e o público em geral estão em alerta sobre os impactos da variabilidade
climática na região. Segundo o pesquisador, as dinâmicas de inundação
influenciam na estrutura da vegetação, no transporte de sedimentos e nas
distribuições e no rendimento de peixes. Com as possíveis mudanças futuras no
clima e, consequentemente, na hidrologia, podem ocorrer alterações na dinâmica
do ecossistema da região da Bacia Amazônica.
A
ideia do estudo era analisar como as possíveis mudanças futuras no clima podem
afetar a resposta na hidrologia. Para isso, os pesquisadores estabeleceram duas
questões principais para investigar durante o estudo:
# Quais são os
impactos potenciais da mudança climática na hidrologia da superfície terrestre
da bacia amazônica?
# Como as projeções
das mudanças climáticas afetam as vazões dos rios e a inundação em diferentes
regiões e estações?
Para
responder esses questionamentos e projetar as condições futuras da superfície
da Bacia Amazônica em um contexto de mudanças climáticas, foram utilizados
dados do IPCC e o MGB-IPH. “Consideramos forçantes climáticos – condições de
temperatura do ar, radiação, chuva e umidade do ar – de diferentes modelos de
circulação global para obter uma variabilidade nos resultados”, afirma Mino.
O
estudo focou nas mudanças da energia de superfície e nos balanços hídricos,
contrastando o cenário “histórico” (1970-1999) e um cenário de “alta emissão”
(2070-2099). Não foram consideradas mudanças na vegetação ou na cobertura da
terra e seus feedbacks climáticos no modelo hidrológico.
Os
pesquisadores realizaram uma simulação para observar o que poderia acontecer
com a vazão dos rios e com a dinâmica de inundação. “Outros trabalhos fizeram
isso de forma semelhante, mas o que temos de inovador é a capacidade do nosso
modelo representar bem o processo de inundação das planícies de inundação”,
assegura Mino.
Resultados
De
acordo com o estudo, os resultados das diversas projeções produziram diferentes
cenários específicos, já os resultados gerais mostraram dois cenários
contrastantes para diferentes partes da Bacia Amazônica. Nas partes oeste e
noroeste, os resultados indicaram o aumento de precipitação e, por conseguinte,
maior vazão e inundação na estação úmida. Já na parte leste, a tendência é a
redução da quantidade de água que passa pelo local.
Mino
destaca que enquanto seu estudo mostra o aumento das chuvas para a região
andina, outros trabalhos recentes sugerem diminuição de chuvas até o final do
século 21. Ele explica que projeções contrastantes se dão em virtude da
utilização de diferentes métodos e premissas.
As
possíveis alterações na hidrologia da Bacia projetadas pelo estudo são
significativas. “Esse trabalho ainda não é capaz de calcular precisamente qual
seria o impacto nas atividades relacionadas à água, mas é um alerta, e os
planejamentos de atividades para essa região devem levar em consideração essa
incerteza hidro climática futura”, afirma o professor Rodrigo Paiva. Mino
acrescenta que “os modelos nem sempre concordam entre si, porém, nessa análise,
existe maior concordância para algumas regiões e isso dá mais confiança para
que os tomadores de decisões das políticas ambientais e gestão de recursos
hídricos se prepararem para esses cenários”.
As pesquisas estão crescendo e fazem parte da
Iniciativa Águas Amazônicas. O projeto conta com a colaboração de diversas
entidades do Brasil, do Peru e da Bolívia que buscam evidências científicas e
soluções para enfrentar os desafios no que se refere à conservação, ao
desenvolvimento sustentável e ao bem-estar humano da região. (ecodebate)
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