“Para
cada mil pessoas dedicadas a cortar as folhas do mal, há apenas uma atacando as
raízes.” - Henry Thoreau.
A
revista New York Magazine (NYMag) publicou em 09/07/2017, uma matéria
denominada “The Uninhabitable Earth” – pintando no pior cenário, um Armagedon
climático – que se tornou viral e foi comentada amplamente em diversos países e
passou a ser o artigo mais lido da revista (ver o link no final desse artigo).
Infelizmente, pouco se falou sobre o assunto no Brasil. A matéria, com chamada
de capa, feita a partir de entrevistas com cientistas renomados, traz uma visão
catastrófica do efeito do crescimento das atividades antrópicas sobre os
ecossistemas e as mudanças climáticas. A repercussão foi enorme. Houve muita
comoção pelo tom apocalíptico, reproduzido por uma grande revista que tem
respeitabilidade e repercussão imediata.
O
texto começa assim: “It is, I promise, worse than you think” (Prometo, é pior
do que você pensa). O subtítulo diz do que se trata: “Fome, colapso econômico e
um sol que nos cozinha: o que as mudanças climáticas podem causar – mais cedo
do que você pensa”. Evidentemente, o autor está tratando de um cenário extremo
e de baixa probabilidade, mas que pode ocorrer se nada for feito para mudar os
rumos da insustentabilidade do crescimento econômico e suas externalidades
ambientais.
Desta forma, o jornalista David Wallace-Wells
realmente conseguiu assustar. A seguir segue uma tentativa de resumir alguns
dos principais pontos da matéria.
Na
primeira parte, denominada “Apocalipse, espiando além da reticência científica”
o autor explica que a ansiedade sobre os efeitos do aquecimento global em
relação à elevação do nível do mar, é justificável, mas apenas arranha a
superfície dos horrores que podem acontecer no espaço de tempo da vida de um
adolescente de hoje. A elevação do nível dos oceanos é ruim, muito ruim, mas
fugir do litoral é um problema menor. Na ausência de um ajuste significativo de
como bilhões de seres humanos produzem e consomem, partes da Terra
provavelmente se tornarão inabitáveis e outras partes ficarão terrivelmente
inóspitas, antes do final deste século.
David
Wallace-Wells diz que até mesmo pessoas que reconhecem as mudanças climáticas
são incapazes de compreender seu alcance. No inverno passado, em diversos dias,
a temperatura do Polo Norte ficou 60 a 70 graus mais quentes do que o normal,
derretendo o PERMAFROST. Até recentemente, o permafrost não era uma grande
preocupação dos cientistas, porque, como o nome sugere, era um solo
permanentemente congelado. Mas o permafrost do Ártico contém 1,8 trilhões de
toneladas de carbono, mais do dobro do que atualmente está suspenso na
atmosfera terrestre. Quando se descongela e é liberado, esse carbono pode
evaporar-se como o metano, que é 34 vezes mais poderoso do que o CO2.
Ou seja, mesmo que a humanidade pare de emitir gases de efeito estufa nas
atividades industriais e nos automóveis, o efeito feedback do metano do
permafrost pode elevar a temperatura a níveis infernais. Na Antártica não é
diferente. O “parto” da Plataforma Larsen C é mais um dos sinais de alarme.
A
ocupação, dominação e exploração humana sobre os ecossistemas, juntamente com
efeito estufa e a acidificação dos solos e das águas está provocando a 6ª
extinção em massa das espécies. O Antropoceno é como uma “máquina de guerra”,
todos os dias, o ser humano coloca mais munição. Atualmente, estamos
adicionando carbono na atmosfera a uma taxa extremamente elevada. Isto é o que
Stephen Hawking tinha em mente quando disse que a nossa espécie precisa
colonizar outros planetas no próximo século para sobreviver e o que levou Elon
Musk a anunciar seus planos para a colonização do planeta Marte.
Na
segunda parte da matéria da NYMag, “O calor mortal, transformando Nova Iorque
em Bahrain”, David Wallace-Wells mostra que os seres humanos, como todos os
mamíferos, são motores de calor. Sobreviver significa ter que esfriar
continuamente, como cães ofegantes. Para isso, a temperatura precisa ser
suficientemente baixa para que o ar atue como uma espécie de refrigerador,
extraindo calor da pele para que o motor possa continuar bombeando. Mas as
ondas mortais de calor estão tornando a vida impossível em algumas regiões,
pois em temperaturas muito altas, dentro de horas, um corpo humano seria cozido
até a morte por dentro e por fora.
O autor reporta que na região açucareira de El
Salvador, cerca de um quinto da população tem doença renal crônica, o resultado
presumido da desidratação de trabalhar nos campos. Desde 1980, o planeta
experimentou um aumento de 50 vezes no número de locais com calor perigoso ou
extremo. Um aumento maior virá em breve. Os cinco verões mais quentes da Europa
desde 1500 ocorreram desde 2002 e, em breve, simplesmente estar ao ar livre,
nessa época do ano será insalubre para grande parte do globo. A quatro graus, a
onda mortal de calor europeia de 2003, matou 2.000 pessoas por dia. Mesmo que
atingindo os objetivos de Paris de dois graus de aquecimento, cidades como
Karachi e Calcutá se tornarão próximas a inabitáveis. A crise será mais
dramática no Oriente Médio e no Golfo Pérsico, onde, em 2015, o índice de calor
registrou temperaturas tão altas que a sensação térmica chegou a 163 graus
Fahrenheit (72ºC). Assim, num futuro próximo, o Hajj se tornará fisicamente
impossível para os 2 milhões de muçulmanos que fazem a peregrinação a cada ano
a Meca.
Na
terceira parte da matéria da NYMag, “O fim da comida, rezando por campos de
milho na tundra”, David Wallace-Wells diz que nas culturas de cereais os
rendimentos da colheita diminuem 10% para cada grau de aquecimento. O que
significa que, para uma população de 11 bilhões de habitantes, poderemos ter
50% menos de grãos para oferecer. E o efeito do aquecimento global sobre as
proteínas animais serão pior. A perda de solos será dramática, especialmente
nos trópicos. A seca pode ser um problema ainda maior do que o calor, com
algumas das terras mais aráveis do mundo passando rapidamente para o deserto.
O quadro já é preocupante hoje, com a ONU alertando de que 20 milhões de
pessoas podem morrer de fome na Somália, Sudão do Sul, Iêmen e Nigéria.
Na
quarta parte da matéria da NYMag, “Pragas climáticas, o que acontece quando o
gelo bubônico derrete”, David Wallace-Wells relata que o gelo funciona como um
livro do clima, mas também é uma história congelada, com pragas armazenadas que
podem ser reanimados quando descongelados. Atualmente, estão presos no gelo do
Ártico, doenças que não circularam no ar há milhões de anos. O que significa
que nosso sistema imunológico não teria ideia de como lutar quando essas pragas
pré-históricas emergem do gelo. O Ártico também armazena insetos aterrorizantes
nos tempos mais recentes. Já no Alasca, pesquisadores descobriram os restos da
gripe de 1918 que infectaram até 500 milhões e mataram cerca de 100 milhões de
pessoas – cerca de 5% da população mundial e quase seis vezes mais do que
morreram na Primeira Guerra Mundial.
Na
quinta parte da matéria da NYMag, “Ar irrespirável, uma poluição (smog) mortal
que atinge milhões de pessoas”, David Wallace-Wells considera que até o final
do século, os meses mais legais da América do Sul tropical, da África e do
Pacífico provavelmente serão mais quentes do que os meses mais quentes no final
do século XX. Nossos pulmões precisam de oxigênio, mas isso é apenas uma fração
do que respiramos. Com o aumento da concentração de CO2, em
comparação com o ar que respiramos agora, a capacidade cognitiva humana diminui
em 21%. Em 2090, cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo estarão
respirando um ar poluído, acima do nível “seguro” definido pela OMS. Documentos
mostram que, entre outros efeitos, a exposição da mãe grávida ao ozônio aumenta
o risco de autismo da criança. Já morrem cada dia mais de 10 mil pessoas das
pequenas partículas emitidas pela queima de combustível fóssil. A cada ano, 339
mil pessoas morrem de fumaça de incêndios, em parte porque a mudança climática
prolongou a temporada de fogo florestal. O que preocupa ainda mais as pessoas é
o efeito que teria sobre as emissões, especialmente quando os incêndios
provocam uma queda nas florestas decorrentes da turfa. Os incêndios são
especialmente ruins na Amazônia que sozinha fornece 20% do nosso oxigênio. O
“airpocalypse” chinês de 2013 tem afetado as atividades econômicas do país e
foi responsável por um terço de todas as mortes na China.
Na sexta
parte da matéria da NYMag, “Guerra perpétua, a violência cozida no calor”,
David Wallace-Wells relata que os climatologistas são muito cuidadosos ao falar
sobre a Síria e querem crer que, embora a mudança climática tenha produzido uma
seca que contribuiu para a guerra civil, não é justo dizer que o conflito é o
resultado do aquecimento. Mas há pesquisadores que conseguiram quantificar
algumas das relações não óbvias entre temperatura e violência: para cada meio
grau de aquecimento, eles dizem, as sociedades verão entre um aumento de 10 e
20% na probabilidade de conflitos armados.
Na
sétima parte da matéria da NYMag, “Colapso Econômico Permanente, tenebroso
capitalismo em um mundo meio pobre”, David Wallace-Wells ridiculariza o mantra
do neoliberalismo de que “o crescimento econômico nos salvaria de todos e de
tudo”. Mas no rescaldo da crise financeira de 2008, um crescente número de
historiadores que estudam o que chamam de “capitalismo fóssil” começaram a
sugerir que toda a história do rápido crescimento econômico, que começou um
pouco antes do século 18, não é o resultado da inovação, mas simplesmente da
descoberta dos combustíveis fósseis e todo o seu poder energético. Com o pico
do petróleo, voltaremos a uma economia do “estado estacionário”. Além do mais,
cada grau Celsius de aquecimento custa, em média, 1,2% do PIB. Os limites
ambientais devem levar a economia global à estagnação secular.
Na
oitava parte da matéria da NYMag, “Oceanos Envenenados, Sulfeto de hidrogênio e
o esqueleto”, David Wallace-Wells declara que o mar se tornará um assassino. O
nível do mar vai subir no mínimo um metro. Um terço das principais cidades do
mundo está na costa, para não mencionar suas usinas de energia, portos, bases
da marinha, terras agrícolas, pescas, deltas de rios, pântanos e plantações de
arroz. O naufrágio das benfeitorias é apenas o começo. No momento, mais de um
terço do carbono do mundo é absorvido pelos oceanos – ainda bem, ou então
teríamos muito mais aquecimento. Mas o resultado é o que se denomina “acidificação
do oceano”, que, por si só, pode aumentar meio grau de aquecimento neste
século. Há também o “branqueamento de corais” – isto é, morte de corais – que é
uma notícia muito ruim, porque os recifes suportam tanto quanto um quarto de
toda a vida marinha e fornecem alimentos para meio bilhão de pessoas.
Acidificação dos oceanos frita as populações de peixes. Nas águas ácidas, as
ostras e os mexilhões terão dificuldade em cultivar suas conchas. Quando o pH
do sangue humano cai tanto quanto o pH dos oceanos, induz convulsões, comas e
morte súbita. A absorção de carbono pode iniciar um ciclo de feedback em que as
águas sub-oxigenadas produzem diferentes tipos de micróbios que tornam a água
ainda mais “anóxica”, primeiro em “zonas mortas” do oceano profundo, depois
gradualmente em direção à superfície.
Na
nona parte da matéria da NYMag, “O Grande Filtro, nossa curiosidade atual não
pode durar”, David Wallace-Wells pondera que não existe uma vontade de
esclarecer os efeitos da mudança climática. Certamente essa cegueira não
durará, pois, o mundo que estamos prestes a habitar não o permitirá. Em um
mundo de seis graus mais quente, o ecossistema terrestre vai ferver com tantos
desastres naturais. Os furacões mais fortes virão com mais frequência, e
teremos de inventar novas categorias para descrevê-los.
Em
síntese, o autor considera que é preciso avaliar melhor os danos já causados
ao planeta. A Terra pode ficar inabitável, pois são muitos os processos que
estão afetando a capacidade de sobrevivência da humanidade. Provavelmente, a
Terra não ficará desabitada, mas a qualidade de vida da população mundial
poderá reduzir bastante em um Planeta degradado. O Holoceno garantiu 10 mil
anos de estabilidade climática. O Antropoceno e a grande aceleração das
atividades antrópicas estão desequilibrando o clima e transformando a biosfera
em um habitat inóspito e inabitável.
Indubitavelmente,
David Wallace-Wells conseguiu assustar muita gente. Mas, principalmente,
conseguiu fazer as pessoas discutirem os cenários negativos para os quais o
mundo está caminhando na medida em que mantém o atual modelo de produção e
consumo, sem respeitar o fluxo metabólico entrópico e os limites do meio
ambiente.
Creio que vale a pena ler o artigo “The
Uninhabitable Earth” e as centenas de respostas que foram publicadas logo a
seguir. Para contribuir com a discussão indico abaixo algumas referências das
pessoas que concordaram, aquelas que discordaram do tom, mas concordam com os
perigos potenciais do aquecimento global e aquelas que discordam. (ecodebate)
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