Pecuária avança por áreas protegidas e está por trás de 65% do desflorestamento. No Amazonas, moradores de unidades de uso sustentável tentam conter destruição da mata.
Na lógica que move a destruição da
Floresta Amazônica, ainda é raro encontrar histórias de transformação como a
de Roberto
Brito de Mendonça, de 43 anos.
Foram necessários 100 anos para que se rompesse – por suas mãos – uma vocação
que parecia natural na família: o desmatamento ilegal.
Aos 12 anos, iniciado pelo pai e o
avô, derrubou sua primeira árvore, às margens do rio Negro, no Amazonas. Trinta anos depois, abandonou a motosserra – e a ilegalidade. “Eu era
revoltado com o governo que nos pedia para preservar. Na minha ignorância, eu falava:
‘Não estou nem aí, quero aproveitar a floresta da forma que eu conheço'”,
conta Roberto, que dependia da madeira para sustentar a família.
A comunidade onde ele vive está dentro
da Reserva
de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, no Amazonas, criada em 2008 para preservar a mata e o modo de
vida das populações tradicionais. Com 103 mil hectares e 693 famílias
espalhadas por 19 vilarejos, a unidade de conservação, no entanto, não está
livre do risco.
“Hoje já temos a pressão de grandes
fazendeiros migrando dos estados do Pará e Rondônia para o Amazonas, com grandes empresários fazendo investimentos”,
afirma Renê Luis de Oliveira, coordenador-geral de fiscalização ambiental do Ibama.
Em toda a Amazônia Legal, a
sistemática do desmatamento segue um roteiro conhecido pelos fiscais: o invasor
derruba a floresta em terra pública, vende madeira para se capitalizar, planta
capim e coloca o gado. Mais tarde, as terras de interesse da agricultura dão
lugar ao cultivo de soja, arroz e milho.
O método “boivigia”
Em sobrevoos de fiscalização, é
possível avistar áreas desmatadas sem qualquer construção –apenas os bois
vigiam o terreno. “Os grileiros invadem esperando, um dia, a regularização
fundiária de uma terra que é pública”, afirma Oliveira.
O rebanho bovino na Amazônia Legal
saltou de 37
milhões de cabeças em 1995, o
que era equivalente a 23%
do total nacional, para 85 milhões em 2016 – cerca de 40%. “A pecuária para a criação de gado é a atividade que
mais contribui para o desmatamento na Amazônia, ocupando 65% da área
desmatada”, afirma o estudo recente do Imazon (Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia).
Marlene
Alves da Costa, uma das
lideranças comunitárias na RDS Rio
Negro, já precisou barrar invasores que queriam trazer gado para as terras.
“Gado aqui é proibido. O que ainda acontece é o roubo de madeira. Cortam de
dia, escondido, e levam embora à noite. Mas nós denunciamos”, conta.
Os moradores tradicionais de Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, não conseguiram o mesmo. Segundo
o Ibama, trata-se de uma unidade de conservação mais
desmatada do estado. “Fazendeiros tomaram conta. São mais de 50 mil cabeças de
gado na reserva”, relata Oliveira.
As áreas ocupadas por populações
tradicionais, extrativistas, não barram os invasores. “É comum a gente
verificar aliciamento desses povos dentro das reservas extrativistas e de uso
sustentável. Eles acabam vendendo sua terra e, muitas vezes, são até
afugentados pelos grandes proprietários”, relata Oliveira. “É muito complexo”.
Alvo fácil para grileiros
As florestas públicas sem destinação
são o alvo mais fácil para os grileiros e seus bois. “São 60 milhões de
hectares de florestas não destinadas na Amazônia. São terras públicas que estão à mercê da
grilagem”, afirma Cristiane Mazzetti, especialista em Desmatamento Zero do Greenpeace. O tamanho da área em questão equivale a quase o
dobro do território da Alemanha.
“Os povos da floresta são fundamentais
para a conservação. Qualquer planejamento tem que levar em consideração as
populações tradicionais, os indígenas, garantir o direito à terra e atividades
econômicas que mantenham a floresta em pé”, diz Mazzetti a favor do aumento das unidades de conservação.
A pecuária não entraria nesta lista. O
controle dessa atividade, inclusive, virou prioridade para coibir a destruição
do ecossistema. Em mais de um ano de investigação, o IBAMA multou 14 frigoríficos que compraram produtos
vindos de áreas desmatadas ilegalmente ou embargadas.
Mazzetti destaca ainda o peso da política: “É fundamental
que o governo não aprove medidas que sigam na direção contrária. E o que a
gente vê é o contrário: propostas discutidas no Congresso que dão a expectativa
de redução de unidades de conservação, ou desafetação, o que acaba contribuindo
com a invasão dessas áreas.”
Após a aprovação da chamada MP da Grilagem (MP
759/16), tramita no Congresso o projeto que reduz a proteção na Floresta
Nacional do Jamanxim, Pará. Na última
quarta-feira, o governo federal publicou um decreto que extingue a Reserva
Nacional de Cobre e Associados (Renca), na Amazônia. A reserva, criada em 1984,
possui cerca de 47.000 km2.
Desmatamento e vocação
Embora o balanço divulgado pelo Imazon tenha apontado queda de 21% do desmatamento
entre agosto de 2016 e julho de 2017, a situação não é de alívio. “A gente
ainda está em 2017 muito aquém de onde deveríamos estar para dizer: ‘Estamos no
rumo da eliminação do desmatamento e de cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris‘”, comenta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório
do Clima.
Para ele, Brasília erra ao mandar o
seguinte recado: “Com a anistia do Código Florestal, da grilagem, de invasão de
áreas protegidas, retirada de direitos de povos indígenas, flexibilização de
leis ambientais, eles mostram que o crime florestal compensa.”
Rittl dirige a crítica ao governo Temer e às concessões à bancada ruralista. “O chefe da
bancada, inclusive, se esquece que a agricultura, que ele em tese defende,
depende de água, que depende de floresta. Então preservar floresta nada mais é
que assegurar um serviço ambiental para a produção agrícola nacional”, comenta,
sobre a entrevista concedida pelo deputado e chefe da bancada ruralista Nilson
Leitão à DW Brasil. “Ele demonstrou ter uma visão muito míope sobre o papel das
florestas.”
Das margens do rio Negro, Roberto acompanha preocupado esses embates. O
ex-desmatador, agora empreendedor, espera que nada atrapalhe sua nova vocação.
Para ele, é a falta de conhecimento que atiça o instinto de destruição.
“Passamos 100 anos para descobrir que a floresta tem valor”, menciona,
lembrando a história de sua família. “O meu sonho é que as pessoas locais
tenham a mesma oportunidade. Porque é através das pessoas locais que a
preservação vai começar.” (ecodebate)
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