Não adaptar as cidades às mudanças climáticas sairá no mínimo cinco vezes mais caro.
Como outras cidades costeiras, a cidade de Santos, no
litoral paulista, vive uma situação que lembra a fábula da formiga e da
cigarra. Com a expectativa de que o nível do mar continue a aumentar nos
próximos anos, enfrenta o dilema de se adaptar ao que vem pela frente ou ter
que pagar o preço alto de ressacas e inundações cada vez mais frequentes.
A adaptação às mudanças climáticas implica obras caras
para o orçamento de um município. No caso de Santos, os valores estão
definidos. Um amplo estudo concluiu que o custo mínimo com obras na região da
Ponta da Praia de Santos e na Zona Noroeste ficaria em torno de R$ 300 milhões.
Já o preço por não se adaptar às mudanças climáticas chegaria, pelo menos, à
cifra de R$ 1,5 bilhão, fora todo o sofrimento causado à população.
“Mas esse custo de R$ 1,5 bilhão pode estar
subestimado, uma vez que o modelo considera apenas a estrutura física de
imóveis e os cálculos são baseados no seu valor venal. Se incluirmos prejuízos
em outras áreas, como saúde e educação, por exemplo, o valor chegaria
facilmente a R$ 3 bilhões”, disse José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e
Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden) e coordenador do Projeto Metrópole, à Agência FAPESP.
O cálculo faz parte do resultado final do projeto, apoiado pela FAPESP e pelo Belmont Forum, iniciativa internacional que estuda
estratégias de adaptação aos impactos das mudanças climáticas em três
localidades costeiras: Santos, Selsey (Inglaterra) e o condado de Broward
(Flórida, Estados Unidos).
No projeto, que se encerra após quatro anos de estudos,
o grupo de pesquisadores do Cemaden, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), do Instituto Geológico (IG) e das universidades de São Paulo
(USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) seguiu três eixos de pesquisa:
estimativa de perdas econômicas e análise de capacidade adaptativa, modelagem
dos extremos climáticos e impactos na saúde. Os cenários consideraram projeções
para os anos de 2050 e 2100.
A análise dos impactos na saúde é uma mostra de como
os impactos climáticos são amplos, atingindo diversos setores da sociedade.
Nela, os pesquisadores calcularam a relação do aumento das temperaturas com a
incidência de dengue. Foi observado que, quando há essa conexão, só os gastos
com internação e tratamento para pacientes, em Santos, sobem em pelo menos R$
720 mil.
“A saúde é um fator-chave que afeta diretamente a vida
da população, por isso é importante ter esses dados para justificar a
necessidade das medidas adaptativas. Colocamos alguns valores, mas se juntarmos
todas as doenças relacionadas ao aumento de temperatura e às inundações, que
desabrigam pessoas, conseguimos ver o real impacto desse problema na área da
saúde”, disse Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, pesquisador do Inpe e
integrante do projeto.
Aragão explica que o estudo de análise de risco e
estratégia de adaptação identificou a conexão entre o fenômeno do El Niño e o
aumento dos casos de dengue nos verões de 2010 e 2015.
“Já foi levantado que o El Niño causa aumento de
temperatura e agora conseguimos relacionar esse aumento de temperatura anômalo
com a proliferação dos casos de dengue. É importante essa ligação, pois
conseguimos entender os padrões climáticos e suas consequências e quantificar o
impacto para a cidade”, disse.
Ciência, poder público e população
Em Santos, o nível relativo do mar tem aumentado em
taxas diferentes desde a década de 1940. “Com base em séries históricas,
identificamos dois possíveis cenários para a cidade, um mais realista (taxa de
elevação do nível relativo do mar de 0,36 cm/ano) e outro, o pior dos cenários
(taxa de 0,45 cm/ano). Com base nesses dois cenários, a conclusão foi que o
nível do mar pode aumentar entre 18 e 23 centímetros até 2050 e entre 36 e 45
centímetros até em 2100”, disse Celia Regina de Gouveia Souza, pesquisadora do
Instituto Geológico e participante do projeto.
O modelo também considera a ocorrência de eventos
extremos, como marés meteorológicas e ressacas – cada vez mais frequentes por
causa das mudanças climáticas – que resultam em um rápido aumento do nível do
mar.
Segundo Gouveia Souza, que mantém um banco de dados
sobre a ocorrência desses eventos extremos na Baixada Santista (1928 a 2016),
observou-se um aumento considerável do número de eventos de ressaca por ano e
outro aumento no número de anos consecutivos com ressacas, a partir do final da
década de 1990.
“A série histórica de dados maregráficos de Santos
apontou que o nível máximo atingido durante um desses eventos extremos durante
a década de 2000 foi de 146 centímetros. As projeções indicam que ele poderá
atingir 160 centímetros em 2050 e 166 centímetros em 2100. Com isso, a cidade
ficará ainda mais suscetível e vulnerável às inundações costeiras e a erosão na
praia aumentará e migrará na direção do Bairro do Embaré (Canal 4)”, disse a
pesquisadora do IG.
Após analisarem os cenários de inundações costeiras
para 2050 e 2100 e obterem os danos potenciais sobre os imóveis atingidos, os
pesquisadores compartilharam os resultados com a população de Santos e o poder
público, para a indicação das melhores medidas de adaptação.
“Nessas discussões com a população é que apareceram as
opções de adaptação. Uma delas é a fortificação: construção de muros, diques e
melhorar a estrutura. Em outros casos, há medidas como o engordamento da praia.
Outra estratégia que vimos como necessária para Santos é a recuperação dos
manguezais, que entra na categoria de adaptação baseada em ecossistema”, disse
Marengo.
“As medidas escolhidas pela população foram
bastante adequadas. Esperamos agora que o projeto continue a ser encampado pela
população e pelo poder público. Assim, teremos uma perspectiva bastante
positiva de que o cenário sombrio não vai acontecer”, disse Luci Hidalgo Nunes,
pesquisadora da Unicamp e participante do projeto.
Projeto de recuperação de manguezal está entre as
medidas sugeridas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros para enfrentar
as consequências da elevação do nível do mar.
Santos, onde está o maior porto da América Latina, foi
escolhida pelos pesquisadores do Projeto Metrópole como objeto de estudos não
só pela relevância econômica, mas também por ser a cidade costeira brasileira
com melhor qualidade de dados históricos sobre marés, chuvas, temperatura e
ressacas.
“A adaptação, ainda que seja discutida pela
ciência e pelos tomadores de decisão, tem que ter uma política. Tem que partir
do governo. É uma ação que não pode parar e que, obviamente, tem que ter
investimento. A cidade de Santos chegou a um alto nível de conscientização, com
um amplo diálogo entre população, tomadores de decisão e academia. As obras
devem ser feitas, pois quando isso fica apenas no papel é o pior que pode
acontecer”, disse Marengo. (ecodebate)
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