O furacão
Harvey que atingiu a cidade de Houston e várias outras cidades do Texas e da
Louisiana nos Estados Unidos (que matou cerca de 50 pessoas) não foi o único
desastre climático que casou danos no final de agosto de 2017. Fortes chuvas
também atingiram a cidade de Qinzhou na China e os efeitos das monções
provocaram grandes inundações na Índia e no Sul da Ásia, deixando cerca de mil
e duzentas pessoas mortas e mais de um milhão forçadas a abandonar os seus
lares.
Mas em
termos de danos materiais (medidos em dólar corrente), o furacão Harvey foi o
que fez mais estragos e mais chamou a atenção do mundo. A cidade de Houston tem
pouco mais de 2 milhões de habitantes, mas a região metropolitana tem cerca de
6 milhões de habitantes. É a quarta maior região metropolitana dos Estados
Unidos e com uma economia que se coloca entre as 25 mais ricas do mundo.
Dois dos
maiores portos foram fechados. Houston é um centro fundamental na
infraestrutura energética dos EUA, com cerca de 30% da capacidade de refino.
Houve também o fechamento temporário das plataformas de extração de petróleo e
gás natural no golfo de México. Uma indústria de produtos químicos, situada no
Condado de Harris, a cerca de 25 quilômetros de Houston, sofreu duas explosões
no dia 31 de agosto, após as inundações.
A maior
refinaria dos EUA está localizada em Port Arthur, propriedade da saudita
Arabian Oil, e tem capacidade para produzir o equivalente a 600.000 barris
diários de combustível. Também fica na região a refinaria de Pasadena da
Petrobras, aquela que valia alguns milhões, mas foi comprada por mais de um
bilhão de dólares e está enferrujando e sem produzir nada (a não ser propinas
para os corruptos e prejuízos para os brasileiros).
A ironia
dessa história é que a indústria dos combustíveis fósseis – que é extremamente
forte no Texas – sempre financiou (a peso de ouro) estudos divulgando a
narrativa de que o aquecimento global é uma fraude. A indústria fóssil foi a
principal força por trás da eleição de Donald Trump, que desde que assumiu o governo,
em 20 de janeiro de 2017, tem se empenhado em desqualificar as evidências
científicas que comprovam as mudanças climáticas. Além de retirar os EUA do
Acordo de Paris, Trump reduziu o orçamento da Agência Ambiental Americana (EPA)
e ordenou a retirada de todas as informações sobre aquecimento global dos sites
das organizações federais. Também, reverteu os regulamentos introduzidos por
Obama para estabelecer um padrão nacional de gerenciamento de riscos de
inundação e cancelou as medidas que garantiriam mais investimentos para obras
contra enchentes no país.
Ao longo da
história, os furacões e as tempestades tropicais classificaram-se entre os
desastres naturais mais caros nos Estados Unidos, sendo que nos últimos 20
anos, aconteceram nove dos dez furacões mais caros de todos os tempos. O
furacão Katrina (que atingiu violentamente Nova Orleans em 2005) foi o mais
desastroso e causou prejuízos de cerca de US$ 105 bilhões. O furacão Sandy que
atingiu o sul de Nova Iorque (2012) causou prejuízos de US$ 30 bilhões. Ainda
não foi feito um balanço final dos danos do furacão Harvey, mas os custos
econômicos podem superar aqueles do Katrina. Segundo o jornal USA Today
(31/08/2017), o furacão Harvey pode ser o desastre natural mais caro na
história dos EUA, com prejuízos potenciais de US$ 190 bilhões.
Portanto,
não há dúvida de que os eventos climáticos extremos já estão provocando perdas
tremendas. Mas ainda há muita gente (rica) que considera que estes furacões são
fenômenos naturais e não estão relacionados com o aquecimento global e o efeito
estufa gerado pela emissão de gases liberados pelas crescentes atividades
antrópicas.
O renomado
cientista Michel Mann, em artigo para o jornal The Guardian, considera que
existem várias maneiras de como o impacto das atividades humanas já influencia
no agravamento dos eventos climáticos extremos. No caso do furacão Harvey, ele
considera que o aumento da temperatura da superfície do mar na região aumenta a
umidade do ar, sendo que, segundo a equação de Clausius-Clapeyron, há um
aumento de aproximadamente 3% no teor médio de umidade atmosférica para cada
0.5ºC de aquecimento da superfície dos oceanos. Essa grande quantidade de
umidade cria o potencial de chuvas muito maiores e maiores inundações. Assim, a
combinação de inundações costeiras e chuvas fortes foi a responsável pelas
devastadoras inundações que Houston enfrentou.
O artigo de
Mann, finaliza mostrando que há sim um efeito do aquecimento global antrópico
sobre o furacão Harvey: “Em conclusão, embora não possamos dizer que a mudança
climática ”causou” o furacão Harvey (que é uma pergunta mal colocada), podemos
dizer que exacerbou várias características da tempestade de forma que aumentou
muito o risco de danos e perda de vidas. As mudanças climáticas pioraram o
impacto do furacão Harvey”.
Enfim, as
mudanças climáticas já estão afetando as gerações presentes e tendem a agravar
muito a situação das gerações futuras. Cidades, como Houston e Nova Orleans
podem ter prejuízos permanentes e, no longo prazo, podem ter grandes áreas tornadas
inabitáveis. O número de mortes em Houston foi relativamente pequeno, mas o
prejuízo financeiro foi muito grande. No caso de Nova Deli e das inundações da
Índia e Bangladesh os prejuízos econômicos não foram tão grandes, mas o número
de vítimas fatais foi bem mais acentuado. Esta é a nova realidade do Antropoceno:
desastres “naturais” cada vez mais danosos e mais amplos.
O
meteorologista Eric Holthaus mostra que as mudanças climáticas tornaram as
tempestades mais intensas e mais prováveis em todo lugar, mas particularmente
na Costa do Golfo do México. Desde a década de 1950, Houston teve um aumento de
167% na frequência dos aguaceiros. Ele cita o cientista Kevin Trenberth, que considera
que até 30% das chuvas trazidas pelo Harvey podem ser atribuíveis ao
aquecimento global antrópico. Ele diz:
“Mas há um ponto incômodo que, até agora, todos
estão patinando: sabíamos que isso aconteceria, décadas atrás. Sabíamos que
isso aconteceria e não nos importamos. Agora é a hora de dizer o mais alto
possível: Harvey é a cara das mudanças climáticas. Mais especificamente, Harvey
é o que a mudança climática parece em um mundo que decidiu, uma e outra vez
mais, que não quer levar as mudanças climáticas a sério”.
Em
entrevista para o site Democracy Now (30/08/2017), o cientista James Hansen,
pioneiro do estudo do aquecimento global, considera que há uma forte ligação
entre as mudanças climáticas e a maior força dos furacões. Harvey foi o mais
danoso evento climático a atingir Houston e os EUA. Mas certamente não será o
único. Por falar nisto, já está se chegando ao Caribe e ao Golfo do México o
furacão Irma, que também pode ter efeitos devastadores.
Artigo da
Bloomberg (31/08/2017) mostra que a inundação de Houston não é apenas uma
questão climática, mas também de planejamento urbano, pois a maior cidade do
Texas foi construída em uma área de pântanos e imprópria para a expansão
desregrada da cidade. O certo, é que novas inundações devem ocorrer com o
agravamento do aquecimento global.
Evidentemente
os negacionistas climáticos estão equivocados e não contribuem para o princípio
da precaução. Como disse o sociológico Ulrich Beck, no livro “Sociedade de
Risco”, as mudanças climáticas vão afetar todas as regiões do mundo (ricas e
pobres) e fazem parte da dinâmica da globalização dos riscos. São “incertezas
fabricadas” que podem gerar uma grande catástrofe global. Segundo Beck, estas
“incertezas fabricadas” caracterizam-se por três aspectos: “deslocalização”
(suas causas e consequências não se limitam a um local ou espaço geográfico –
são onipresentes); “incalculabilidade” (são incalculáveis); e
“não-compensabilidade” (é o fim do sonho da segurança da modernidade em tornar
os perigos cada vez mais controláveis).
Na medida
em que o crescimento econômico e populacional continua aumentando as atividades
antrópicas e a concentração de CO2 na atmosfera, o aquecimento
global passa a ser o elo fraco da corrente e se torna a grande ameaça para a
civilização no século XXI. Como disse Beck, no conflito ecológico da sociedade
de risco (do Antropoceno): “o que está em jogo são negatividades: perdas,
devastação, ameaças”. (ecodebate)
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