Carta das Mulheres das Águas rumo ao Fórum Alternativo
Mundial da Água – FAMA 2018.
Nós, mulheres integrantes do Fórum Alternativo Mundial da
Água – FAMA 2018 -, sujeitas e protagonistas da construção do feminismo
popular, reafirmamos a necessidade de discutir que ÁGUA É DIREITO, NÃO
MERCADORIA, agregando a este tema a visão da luta pela igualdade de gênero.
Isso porque vivemos num modelo de sociedade capitalista, imperialista,
colonial, racista e patriarcal, onde as empresas transnacionais controlam a
economia, se apropriando da natureza e da vida dos seres humanos, das
tecnologias, da força de trabalho, de nossos territórios e corpos, com um único
objetivo – o de acumular riquezas à custa da exploração dos trabalhadores, em
especial das mulheres trabalhadoras.
Em momentos de crise hídrica, relacionados principalmente à má gestão governamental ou de empresas privadas, somados à divisão sexual do trabalho que ainda impõe às mulheres as tarefas domésticas – sem avançar suficientemente para o compartilhamento igualitário – somos nós que temos que (re)organizar toda a rotina da casa, da higiene e da saúde de todos da família, e ainda somos cobradas pelos governos e/ou pelas empresas de saneamento por supostos abusos no consumo de água – como se a escassez, desperdício ou “economia” na manutenção das redes fosse culpa nossa, e não dos problemas de má gestão, para “economizar investimento”. Isso, sem falar na violação dos direitos à terra e demais problemas específicos enfrentados pela população urbana, pelas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, atingidas por barragens devido à construção de grandes obras e projetos em geral, que visam à apropriação e a privatização das nossas riquezas naturais, como o caso da água.
Aqui, vale destacar que a violação dos direitos humanos na vida das mulheres atingidas por barragens e outras obras, no campo ou na cidade (que, em sua maioria, são camponesas, indígenas, ribeirinhas, extrativistas e quilombolas) contribuem para o aumento absurdo da violência e exploração sexual, para além da violência doméstica – válvula de escape do sistema; na perda do trabalho e do vínculo com a comunidade, na quebra dos laços familiares, da terra de origem e seus lugares sagrados, na negação do direito à participação política nos espaços de decisão e no não reconhecimento da mulher como atingida, uma vez que o conceito de “atingidos” usado pelas empresas é um conceito patrimonialista e patriarcal.
Para as mulheres, neste momento histórico, os desafios aumentam. Estamos vivendo um retrocesso democrático, de retiradas de direitos sociais historicamente conquistados através da luta, de avanço acelerado de projetos neoliberais e aprovação de leis conservadoras que precarizam o trabalho, não respeitam a laicidade do Estado, destroem o território e meio ambiente, e ameaçam a soberania nacional e dos povos. Frente a isso, não temos dúvidas, que novamente as mais prejudicamos serão as mulheres.
Diante de tudo isto, nós mulheres integrantes do Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA 2018, temos certeza que precisamos nos unir nesta luta e fortalecer a participação das mulheres na construção do FAMA em todos os cantos do mundo. Precisamos, de forma coletiva, estimular o protagonismo das mulheres, criando as condições para sua efetiva participação em todos os espaços de decisão política e do processo de organização e de luta, também em mais este front de luta pelo direito à água.
Água e mulheres não são mercadorias!
Águas para vida, não para morte!
Nota:
Este modelo de desenvolvimento força a hegemonia de um padrão de vida, baseado no individualismo, na competição, no consumismo, onde tudo se torna mercadoria. É baseado na opressão e na violência contra as mulheres, faz com que nós mulheres, tenhamos uma dupla jornada de trabalho, onde os empregos ocupados sejam de menor prestígio e remuneração, além de nos exigir um padrão de beleza baseado no consumismo e na aparência, violando nossa autoestima. É um modelo injusto e insustentável, e que põe em risco a vida do planeta e dos seres humanos.
Por fim, pela memória da Nicinha, de Berta Cárceres , das
mulheres vítimas do crime da Samarco (Vale e BHP Billiton) na bacia do Rio Doce e de tantas outras mulheres lutadoras, nos
desafiamos cada vez mais a sermos sujeitas da construção de um mundo onde
vigore a equidade e respeito às diversidades, que seja socialmente justo e
ambientalmente sustentável.
1. Nilce de Souza Magalhães,
mais conhecida como ‘Nicinha’, mãe de três filhas, vó de sete netos, pescadora
e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Rondônia, lutava
em defesa da vida, do rio e da floresta, era ribeirinha da beira do rio
Madeira, de onde lutava para jamais sair. Atingida pela Hidrelétrica de Jirau.
Foi assassinada em janeiro de 2016 e jogada dentro do rio Madeira, seus restos
mortais foram localizados após 5 meses do sei assassinato.
2.
Berta Cárceres – reconhecida mundialmente por sua luta com os povos indígenas,
camponeses, feminista e em temas ambientais – foi abordada por um grupo de
homens armados, enquanto dormia em sua casa, em La Esperanza, Honduras, na
madrugada de 03/03/2016.
3. É conhecido por todos o crime ocorrido em 05/11/2015, com o
rompimento da barragem de rejeitos da mineração da empresa Samarco (Vale – BHP,
causando uma das maiores tragédias socioambientais da história do Brasil.
Destruindo comunidades inteiras, roubando vidas, interferindo no modo de
produção tradicional da região, inviabilizando a pesca e tornando um rio
totalmente morto. Se analisarmos a perspectiva de construção de relações entre
homem e a natureza na promoção de um espaço harmônico ao desenvolvimento
saudável e sustentável os impactos na dinâmica social e ambiental de toda Bacia
do Rio Doce são graves e imensuráveis. (ecodebate)
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