Desmatamento e poluição das águas coloca em risco as populações
ribeirinhas e a sobrevivência do rio São Francisco.
Após 13 dias de fiscalização em dez cidades do Baixo São Francisco,
região onde o rio deságua no mar, os 250 técnicos da Fiscalização Preventiva
Integrada do São Francisco (FPI/SE) puderam constatar que a situação do rio,
que já era muito grave, chegou a um estado crítico. O manguezal e a mata
atlântica que protegem as margens estão sendo devastados, o leito do rio chega
a ser usado como viveiro de criação de camarões.
Entre 24 de setembro e 6 de outubro foram visitados os municípios de
Propriá, Telha, Amparo do São Francisco, Santana do São Francisco, Neópolis,
Pacatuba, Ilha das Flores, Brejo Grande, Japaratuba e Pirambu.
Apenas três municípios fiscalizados têm rede de esgoto instalada e
mesmo nestes, é comum encontrar pontos de despejo de esgoto no rio. Em todas as
cidades vistoriadas foram encontrados lixões irregulares, que contaminam o solo
e os cursos de água que seguem para o São Francisco.
Os ataques à fauna silvestre também continuam comuns. A Equipe Fauna
resgatou 1480 animais resgatados apreensões e entregas voluntárias, inclusive
dois pássaros em risco de extinção. Já a Equipe Aquática retirou 3.140 metros
de cercas irregulares nas margens do rio e destruiu 225 armadilhas ilegais de
camarão e peixe.
A devastação da região da foz do rio São Francisco foi verificada
também através de dois sobrevoos de helicóptero. “As vistorias aéreas revelaram
um quadro desolador de desmatamento do manguezal e das margens do Rio São
Francisco. A ausência do Estado tem propiciado muitos ilícitos ambientais,
grilagem das terras da União e violência contra as comunidades tradicionais do
Velho Chico”, destacou a procuradora da República e coordenadora da FPI Lívia
Nascimento Tinôco.
Durante a FPI, a Equipe Aquicultura embargou 18 criatórios de camarões,
em quatro municípios da região do Baixo São Francisco. Além dos embargos, foram
emitidas 45 notificações em 27 áreas fiscalizadas nos municípios de Brejo
Grande, Neópolis, Pacatuba e Telha e emitidas multas no valor de R$ 502 mil.
O desmatamento de manguezal para instalação de viveiros de camarão
também foi um dos principais problemas localizados pela Equipe Flora. A
derrubada de mata atlântica e a construção irregular na margens do foram outros
problemas graves identificados pela equipe, que visitou 40 áreas para
fiscalização, emitiu 4 notificações e 5 termos circunstanciados de ocorrência
(TCO).
Saneamento Básico – O tratamento do esgoto e a destinação adequada do
lixo nos municípios é fundamental para a preservação do rio, mas a realidade
encontrada pela fiscalização está distante da ideal.
“Os impactos da falta de saneamento básico nos municípios visitados
pela FPI são grandes. A quantidade de esgoto despejado diretamente no rio
altera todo o ecossistema. Á água se torna imprópria para consumo humano, os
peixes não sobrevivem e os pescadores perdem sua renda”, destaca a promotora de
Justiça e Coordenadora da FPI, Allana Raquel Monteiro.
Duas equipes da FPI se dedicaram a fiscalizar o saneamento básico das
cidades. Apenas o município de Japaratuba destina seus resíduos sólidos a um
aterro sanitário, mas a equipe de fiscais encontrou um lixão clandestino na
cidade que recebe, inclusive, lixo hospitalar. Já em relação ao tratamento de
esgoto, somente Propriá, Pirambu e Brejo Grande possuem rede e tratamento de
efluentes, mas, mesmo nessas cidades, é fácil encontrar pontos de despejo de
esgoto direto no rio.
Ainda durante a operação, após fiscalização no município de Brejo
Grande, foi assinado um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre o
município, a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) e o MPF, para
regularizar o abastecimento na cidade e realizar melhorias na estação de
tratamento de água do município.
Outro problema comum, também diretamente ligado à gestão municipal, são
os abates clandestinos, ainda frequentes na região. A Equipe Abate fiscalizou
três queijarias, um laticínio, um frigorífico, um mercado de peixe e outro de
carne, um matadouro municipal, dez pocilgas, duas salgadeiras, um ponto de
venda de carnes e oito locais de abate clandestino. A ação resultou no
fechamento de duas queijarias, no confisco de 08 carcaças de bois abatidas em
local irregular e em um Termo de Ajustamento de Conduta para regularização do
comércio de Pescados em Propriá.
Para dar apoio aos municípios na implementação desses serviços, a FPI
teve duas Equipes Gestão Ambiental, que visitaram as cidades para identificar o
nível de execução dos planos de gestão ambiental nas cidades através de
reuniões onde eram aplicados questionários e sugeridas melhorias na gestão para
os municípios, o Estado e o Governo Federal.
Outras ameaças – Além do desmatamento das margens e da poluição do rio,
outras ameaças vão minando a saúde da Bacia Hidrográfica do São Francisco. O
uso indiscriminado de agrotóxicos na região afeta diretamente a qualidade da
água e a saúde da população. A Equipe Agrotóxicos da FPI recolheu 1.702 litros
e 2,8 quilos de produto irregular nos pontos fiscalizados. Os principais
problemas encontrados foram a venda de agrotóxicos sem a receita agronômica e
uso de agrotóxicos não destinados à cultura em que estavam sendo aplicados,
além da ausência de equipamento de proteção pelos trabalhadores nas lavouras.
No caso da Mineração, é o desmatamento e poluição dos corpos de água
por produtos químicos e outros resíduos da atividade que ameaçam o meio
ambiente na região. A Equipe Mineração visitou 62 pontos de extração de
minérios em de Neópolis, Propriá, Pirambu, Pacatuba, Santana do São Francisco,
Telha, Amparo do São Francisco e Japaratuba. Foram emitidos 30 autos de
infração, 27 autos de notificação e um de interdição nas mineradoras da região
que extraem, principalmente, areia e argila.
Cultura viva – A preservação do Patrimônio Histórico e Cultural e das
comunidades tradicionais do Baixo São Francisco também foi alvo desta FPI. A
Equipe Patrimônio Cultural e Comunidades Tradicionais visitou oito comunidades
quilombolas onde foram aplicados questionários, atualização de cadastros e
relatórios sobre a situação geral das comunidades. Também foram visitados
imóveis de interesse cultural, tais como bens tombados pelo Governo do Estado e
alguns prédios já com características arquitetônicas alteradas
(descaracterizados) em três municípios.
A proteção do Patrimônio Histórico também foi trabalhada pela Equipes
Arqueologia/Espeleologia. A equipe localizou quatro novas cavernas e dois
sítios arqueológicos terrestres. Os arqueólogos subaquáticos da equipe, que
mergulharam e localizaram dois naufrágios de aproximadamente 200 anos que não
estavam registrados nos cadastros nacionais e um sítio arqueológico terrestre,
de um antigo atracadouro na cidade de Neópolis.
Desdobramentos
– Os relatórios das equipes serão encaminhados para o Ministério Público
Federal e o Ministério Público Estadual de Sergipe, que tomarão as providências
para continuidade das investigações iniciadas nas fiscalizações da FPI.
O São Francisco – O Rio São Francisco é um dos mais importantes cursos
d’água do Brasil e um dos maiores da América do Sul. É um manancial que passa
por cinco estados e 521 municípios, tendo sua nascente geográfica localizada na
cidade de Medeiros e sua nascente histórica na serra da Canastra, em São Roque
de Minas, ambas cidades situadas no centro-oeste de Minas Gerais. Seu percurso
passa pelo estado da Bahia, Pernambuco, segue por Alagoas e termina na divisa
ao norte de Sergipe, onde acaba por desaguar no Oceano Atlântico.
O Velho Chico possui área de aproximadamente 641.000km², com 2.863km de
extensão.
Atualmente suas águas servem para abastecimento e consumo humano,
turismo, pesca e navegação.
Ao longo dos anos, vítima da degradação ambiental do homem e da
exploração das usinas hidrelétricas, o Rio São Francisco tem pedido socorro.
Desmatamento praticado para dar lugar às monoculturas e carvoarias que
comprometem o próprio São Francisco e seus afluentes, tem provocado o fenômeno
do assoreamento; poluição urbana, industrial, minerária e agrícola.
Irrigação e agrotóxicos são outras questões que comprometem o rio. As
atividades consomem muita água, muitas vezes furtada, já que a captação
geralmente é feita sem a devida outorga por parte da Agência Nacional de Águas
e órgãos dos estados.
Há ainda os casos das barragens e hidrelétricas que expulsam
comunidades inteiras e que impedem os ciclos naturais do rio, provocando o
aumento da pobreza. Nessas situações de abusos, quem mais acaba sofrendo é a
população ribeirinha. Esses, de fato, são os principais problemas
diagnosticados no Velho Chico.
“Embora o São Francisco esteja mergulhado nesse quadro alarmante, que
se repete por toda a sua extensão, o Comitê de Revitalização do Rio São
Francisco, instituído em 2016 pelo governo federal, não fez os investimentos na
recuperação do rio prometidos publicamente”, alerta Lívia Tinôco.
Instituições Parceiras e Equipes – Vinte e nove instituições se
articularam na Fiscalização Preventiva Integrada em Sergipe, foram elas:
Ministério Público Federal e Estadual; Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São
Francisco; Fundação Nacional de Saúde; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Federal,
Secretaria do Patrimônio da União; Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Fundação Cultural
Palmares; Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga; Marinha do
Brasil; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Museu de
Arqueologia de Xingó da UFS; Universidade Federal de Sergipe; Departamento
Nacional de Produção Mineral; Coordenação De Vigilância Sanitária;
Administração Estadual do Meio Ambiente; Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia de Sergipe; Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos
Hídricos; Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe; Polícia Militar;
Corpo de Bombeiros Militar de Sergipe; Secretaria Municipal de Meio Ambiente;
Secretaria de Estado da Cultura; Polícia Civil; ONG Centro da Terra; ONG
Fundação Mamíferos Aquáticos.
Treze equipes formadas por diversos profissionais percorreram os dez
municípios sergipanos, confira: Espeleologia, Mineração, Aquicultura, Aquática,
Fauna, Patrimônio Cultural e Comunidades Tradicionais, Equipe Saneamento 1,
Equipe Saneamento II , Equipe Gestão Ambiental I, Equipe Gestão Ambiental II ,
Equipe Agrotóxicos, Equipe Flora, Abate.
FPI EM NÚMEROS
10 cidades
13 dias de fiscalização
30 instituições
250 fiscais e técnicos
350 pontos fiscalizados (número total de alvos)
500 mil reais em multas aplicadas
1552 animais resgatados
1428 Animais devolvidos à natureza
124 animais encaminhados a centros de reabilitação
1702 litros de agrotóxicos apreendidos
3140 metros de cercas irregulares retirados
4 novas cavernas descobertas
3 novos sítios arqueológicos registrados
2 Termos de Ajustamento de Conduta assinados durante a operação
7 comunidades quilombolas visitadas
8
pontos de abate clandestino interditados (ecodebate)
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