O continente africano tem um grande
desafio no século XXI: garantir bem-estar para sua crescente população e
qualidade ambiental para um meio ambiente em constante deterioração.
As projeções probabilísticas da ONU,
conforme o gráfico acima, indicam que a África pode ter uma população entre 3 e
6 bilhões de habitantes em 2100, mas com a projeção média indicando a maior
probabilidade de haver 4,5 bilhões de habitantes no final do século. Somente a
África Subsaariana poderá passar de 1 bilhão de pessoas em 2017 para 4 bilhões
de habitantes em 2100.
Evidentemente, será difícil garantir o
bem-estar social de toda essa gente. O Produto Interno Bruto da África
Subsaariana era de US$ 3,6 trilhões em 2016 e deve chegar a US$ 4,5 trilhões em
2020, segundo dados do FMI, em poder de paridade de compra (ppp). Isto
significa que a renda per capita (em ppp) era de US$ 3,8 mil em 2016 e deve
chegar a US$ 4,3 mil em 2020. Para se ter uma comparação, em 2020, a renda per
capita brasileira deve ser de US$ 17,1 mil e a do mundo de US$ 19,4 mil.
Nos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS), aprovado em setembro de 2015 pela Assembleia Geral da ONU,
foi definido no objetivo # 8.1, o seguinte: “Sustentar o crescimento econômico
per capita, de acordo com as circunstâncias nacionais e, em particular, pelo
menos um crescimento anual de 7% do PIB nos países menos desenvolvidos”. Pois
bem, se o PIB da África Subsaariana crescer 7% ao ano entre 2020 e 2100,
chegaria no final do século em US$ 1,1 trilhão (cerca de 10 vezes o PIB global
atual). Para uma população de 4 bilhões, isto daria uma renda per capita de US$
250 mil (mais de 10 vezes a renda média mundial da atualidade).
Porém, estes números são pouco
factíveis, pois como mostrou o economista ecológico Kenneth Boulding
(1910-1993): “Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar
infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista”.
De fato, as bases ecológicas para manter o
crescimento econômico da África Subsaariana já estão abaixo da capacidade de
carga. O gráfico abaixo, da Footprint Network, mostra que a Pegada Ecológica do
continente africano já está 13,5% acima da biocapacidade. Em termos per capita,
a Biocapacidade estava em 1,2 hectares globais (gha) em 2013 e a Pegada
Ecológica estava em 1,4 gha. Portanto, o nível de consumo da África já é muito
baixo e mesmo assim as bases ecológicas já estão fragilizadas.
Manter um crescimento econômico de 7%
ao ano e chegar a uma renda per capita muito mais elevada do que a dos países
ricos da atualidade é apenas um sonho tecnocrático, que tem apoio dos setores
que querem aumentar a acumulação de capital, mas não tem base material e
ambiental para se concretizar. Mas mesmo na hipótese de crescimento médio de 3,5%
ao ano, o PIB multiplicaria por 16 vezes em 80 anos. Isto elevaria o PIB da
África para US$ 67 bilhões (maior do que o conjunto das economias avançadas na
atualidade) e uma renda per capita de US$ 15 mil (equivalente à brasileira
atualmente).
O gráfico abaixo apresenta uma
projeção com um crescimento econômico de 3,5% ao ano e pode ser muito
reveladora das dificuldades de se conciliar o crescimento econômico com o
aumento do consumo e a sustentabilidade ambiental. O pressuposto é que a
Biocapacidade da África cresça na mesma média de 1961 a 2012 e que a Pegada
Ecológica per capita cresça progressivamente, passando dos atuais 1,6 gha para
3 gha (que é a mesma Pegada Ecológica per capita do Brasil atualmente). Ou
seja, o exercício apresentado no gráfico é de dobrar a Pegada Ecológica per
capita da África no contexto em que a população vai mais que quadruplicar de
tamanho. Entendendo que a projeção é até modesta, pois a África teria o padrão
de consumo do Brasil somente em 2100.
Mesmo assim, o déficit ecológico
cresce de maneira significativa. Mesmo considerando o aumento da Biocapacidade
total de 1,4 bilhão de gha para 1,8 bilhão de gha (o que é pouco provável, pois
isto implicaria em recuperação dos solos e dos mananciais de água) a Pegada
Ecológica passaria de 1,6 bilhão de gha para 13,4 bilhões de gha (4,49 bilhões
de habitantes vezes 3 gha per capita).
Isto quer dizer que mesmo com um padrão de
consumo relativamente modesto a África teria uma Pegada Ecológica total em 2100
maior do que a Biocapacidade do Planeta que está em torno de 12,2 bilhões de
gha. Desta forma, somente a África utilizaria 1,1 Planeta no final do atual
século.
Em síntese, existe um desafio
monumental para melhorar o bem-estar da população da África em um contexto de
grande crescimento demográfico. O desafio não desaparece mesmo se houver uma
revolução energética e a implantação de uma economia de baixo carbono.
A África já está em situação social e
ambiental muito difícil e ainda terá que lidar com os efeitos das mudanças climáticas,
cujos cenários não são nada bons para o continente. Para dar dois exemplos: a
cidade de Lagos, na Nigéria, a maior do continente Subsaariano, vai perder
muita área densamente povoada para a elevação do nível do oceano Atlântico; e a
perda dos glaciares do monte Kilimanjaro vai contribuir para a crise hídrica.
Por tudo isto, fica claro que se a situação da África já está ruim, ela deve
piorar nas próximas décadas.
A consciência sobre o problema
demográfico já faz arte da pauta dos dirigentes políticos dos 15 países-membros
da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). A CEDEAO,
junto a Mauritânia e o Chade, anunciaram, em julho de 2017, que querem limitar
a três o número de filhos por mulheres, a fim de reduzir para metade, até 2030,
as taxas de natalidade da região.
Também em julho de 2017, o
diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, disse que, pela primeira vez em
25 anos, a fome aumentou no mundo, revertendo os sinais claros de melhoria para
a população de diversos continentes. Graziano disse que 60% daqueles que
enfrentam a fome hoje estão em países afetados por conflitos ou mudanças
climáticas, a maioria na África Subsaariana.
Portanto, fica claro que será difícil reduzir a
pobreza, num quadro de alto crescimento demográfico e ainda evitar um colapso
ambiental. Pobreza ecológica gera pobreza social. O modelo atual é
insustentável e mantê-lo ao longo do século é o mesmo que optar por seguir em
frente, quando a única alternativa é o precipício. (ecodebate)
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