Medidas de adaptação, mitigação e inovação para o
enfrentamento das mudanças climáticas dependerá de ciência e políticas
públicas.
Organização Meteorológica
Mundial (OMM) estima que 2017 deve ser um dos três anos mais quentes já
registrados – As temperaturas de 2016 e, em certa medida, de 2015, foram mais
altas devido ao fenômeno do El Niño excepcionalmente intenso. O ano de 2017 vai
ser o mais quente jamais registrado sem a influência desse fenômeno.
O Brasil enfrenta hoje os
desafios de aumentar sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, preservar sua
biodiversidade e diminuir as emissões de gases de efeito estufa tanto no setor
agropecuário quanto no industrial e no de transportes, a fim de diminuir os
impactos das mudanças climáticas globais. Para tanto, será preciso investir em
medidas de adaptação, mitigação e inovação, além de políticas públicas
adequadas.
A avaliação foi feita por
pesquisadores participantes de evento sobre os impactos das mudanças climáticas
globais realizado em 11/12/17 pela FAPESP e o Instituto do Legislativo Paulista
(ILP) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o terceiro do
Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação.
“A FAPESP investe bastante em
pesquisa e inovação nessas áreas [agrícola, biodiversidade e mudanças
climáticas], mas sem políticas públicas em escalas federal, estadual e
municipal, não será possível ao Brasil fazer grandes avanços no enfrentamento
das mudanças climáticas globais”, disse Gilberto Câmara Neto, pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e membro da coordenação do
Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
O pesquisador ressaltou que o
Brasil é reconhecido hoje como uma das lideranças científicas mundiais em áreas
como agricultura tropical, monitoramento ambiental e bioenergia. A capacidade
científica e tecnológica do país na área de bioenergia, contudo, tem sido
subutilizada para que o setor de transporte, por exemplo, possa diminuir suas
emissões de dióxido de carbono (CO2), avaliou.
Os estímulos à produção de
etanol, que em 2009 chegou a representar 18% da energia renovável produzida no
país, vêm caindo nos últimos anos em razão da aposta do Brasil na exploração do
petróleo da camada do pré-sal.
Com a aposta no pré-sal, os
estímulos à produção de combustíveis renováveis no Brasil – que são
essencialmente ligados aos biocombustíveis e, mais especificamente, ao etanol
da cana-de-açúcar – foram abandonados.
A consequência disso foi que os
biocombustíveis brasileiros estão, cada vez mais, deixando de ser vistos, em
nível mundial, como alternativas para redução de emissões de gases de efeito
estufa pelo setor de transporte e países como a China, por exemplo, tem
decidido optar pelo carro elétrico, avaliou o pesquisador.
“A política brasileira de
abandonar os biocombustíveis em favor do pré-sal tem um imenso potencial
negativo não só para o Estado de São Paulo, que investiu na produção de etanol,
mas também para o país em longo prazo”, disse Câmara.
“No Acordo de Paris, o Brasil
não prometeu que irá usar sua única vantagem competitiva no setor energético
por conta da miragem do pré-sal. Isso compromete o investimento do país em
energia e pode fazer com que se chegue ao pior dos mundos, que é ver seu
investimento em bioenergia tornar-se irrelevante no mundo do carro elétrico”,
afirmou.
As metas de redução das
emissões de gases de efeito estufa apresentadas pelo Brasil para o acordo
climático de Paris, firmado em dezembro de 2015, por exemplo, foram bastante
conservadoras em relação ao aumento da participação dos biocombustíveis na
matriz energética brasileira, apontou Câmara.
A fim de reduzir em 37% suas
emissões até 2025, tendo como ponto de partida as emissões em 2005, o país se
comprometeu, entre outras ações, a aumentar a participação dos biocombustíveis
para 18% em sua matriz energética e para 45% a das energias renováveis –
números que o país já havia atingido no passado.
O Brasil estabeleceu metas bem
definidas para reduzir as emissões do setor agropecuário por meio, por exemplo,
do combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e da restauração de 12 milhões de
hectares de florestas. Mas, para o setor de transporte, as metas são bastante
vagas, como a de “promover medidas de eficiência e melhoria de infraestrutura
no transporte público e áreas urbanas”, apontou Câmara.
“O Brasil quis fazer mais do
mesmo no Acordo do Paris: combater o desmatamento e estimular o aumento da
produtividade na agricultura. Mas naquilo que realmente ‘pega’ para a grande
maioria dos brasileiros, que são as áreas urbanas, não prometeu nada”, avaliou
o pesquisador.
De acordo com Câmara, em 2030
aproximadamente 80% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil terão
origem nos setores de energia, indústria e resíduos, e as emissões pelo
desmatamento da Amazônia e pelo setor agropecuário – que eram os grandes vilões
nos anos 2000 – passarão a ser marginais.
Aumento da produtividade
Aumento da produtividade
Um dos fatores que têm
contribuído para o setor agropecuário deixar de ser o vilão das emissões
brasileiras de gases de efeito estufa foi o aumento da produtividade por meio
da intensificação da produção, o que possibilitou reduzir o desmatamento,
salientou Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa).
Na agricultura, o país produz
hoje em um hectare de soja a mesma quantidade que produzia há alguns anos em
uma área 10 vezes maior. Já na pecuária, a ocupação de bois por hectare saltou
de 0,4 animais para mais de um nos últimos anos, exemplificou.
“Isso representa um avanço
extraordinário em um país que tem 170 milhões de hectares de pasto e é o que
chamamos de ‘poupa terra’, ou seja, um investimento em aumento da produtividade
que evita o desmatamento”, disse Assad.
As emissões de metano pela
fermentação entérica de bois – que representa a principal fonte de emissão do
setor agropecuário – também têm diminuído com a recuperação de pastos
degradados, apontou o pesquisador.
Em um pasto degradado – que
representa 40 milhões do total de 170 milhões de hectares de pastos no Brasil –
o boi emite 32 quilos de CO2 por quilo de peso ganho. Em pastos
recuperados essa emissão cai para 3,2 quilos de CO2 por quilo
obtido, comparou Assad.
Num mercado que exige
rastreabilidade, um boi criado em pasto degradado, que emite 32 quilos de CO2
emitido para cada quilo de peso ganho e ainda demora cinco anos para ser
abatido, não é vendido em nenhum lugar do mundo. Já o boi, com 3,2 quilos de CO2
por quilo obtido, abatido com 20 meses, desperta interesse de qualquer comprador,
afirmou.
“Isso já é uma realidade no
Brasil hoje. A gente consegue reduzir as emissões por meio da diminuição do
tempo do abate e melhoria do pasto”, disse (Leia mais sobre esse assunto em: agencia.fapesp.br/26850/ )
Ao mesmo tempo em que tenta cumprir
uma agenda sustentável, o setor agrícola brasileiro já tem sentido o impacto
das mudanças climáticas e pode ser ainda mais afetado no futuro, ponderou o
pesquisador.
O aumento na frequência de dias
com temperatura maior do que 34ºC no Brasil, observado nos últimos anos, tem
afetado culturas como a de café, laranja e feijão no Estado de São Paulo.
Desde 1990, quando começou a
ser observado um aumento das ondas de calor em São Paulo, foram perdidos 250
mil hectares destinados à produção de café no estado. “O café tem subido o
morro e buscado áreas mais frias”, disse.
As ondas de calor também tem
causado a morte de frangos, o abortamento de porcas e a redução da produção de
leite e ameaçado culturas, como a soja e o milho produzido depois da safra da
soja.
“Se continuar como está
ocorrendo hoje, com temperaturas elevadas e aumento da evapotranspiração das
plantas, não teremos mais dupla safra no Brasil”, avaliou.
Já nas regiões urbanas do país,
o aumento da frequência de tempestades tem causado enchentes em estados como
Minas Gerais e Bahia e o aumento do número de mortes, disse José Marengo,
coordenador-geral do departamento de pesquisa e desenvolvimento do Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Segundo ele, a maior concentração
de desastres naturais no Brasil está justamente em áreas com densidade
populacional maior, como as regiões Sudeste e Nordeste.
“Os desastres naturais que têm
acontecido nessas regiões são consequência tanto do aumento da frequência de
chuvas intensas, que tem sido observado nas últimas décadas, como também do
aumento da exposição e da vulnerabilidade da população”, avaliou.
Ante o aumento da frequência desses eventos climáticos extremos é preciso implementar medidas de adaptação, apontou o pesquisador. “A ciência pode ajudar com o estudo de medidas de adaptação. Mas são os governos que têm que defini-las e implementá-las”, apontou.
Ante o aumento da frequência desses eventos climáticos extremos é preciso implementar medidas de adaptação, apontou o pesquisador. “A ciência pode ajudar com o estudo de medidas de adaptação. Mas são os governos que têm que defini-las e implementá-las”, apontou.
Resultado de uma parceria entre
o ILP da Alesp e a FAPESP, o objetivo do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação
é divulgar estudos de relevante impacto social e econômico realizados por
pesquisadores do Estado de São Paulo e que possam dar origem a políticas
públicas que beneficiem a sociedade.
“O objetivo de aproximarmos a
FAPESP do Legislativo paulista e trazer esses assuntos, como de mudanças
climáticas, para dentro da Assembleia Legislativa, é dar ideias e sugestões
para os deputados e suas assessorias sobre temas que eventualmente possam
merecer uma iniciativa legislativa ou uma preocupação com relação, inclusive,
ao acompanhamento das ações do Executivo”, disse Carlos Américo Pacheco,
diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP.
Durante o evento, o deputado
Davi Zaia (PPS), vice-presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e
Informação da Alesp, anunciou que uma das primeiras ações da comissão em 2018
será fazer um balanço da aplicação da lei número 13.798, que instituiu a
política estadual de mudanças climáticas de São Paulo.
A política estadual, promulgada
em novembro de 2009, estabeleceu a meta de diminuir em 20% as emissões de gases
de efeito estufa até 2020 em comparação com 2005.
“Nossa ideia é convidar
representantes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para fazermos um balanço
da aplicação da lei e chegar a 2020 tendo cumprido os objetivos estabelecidos”,
disse Zaia.
O deputado Orlando Bolçone (PSB), presidente da
comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação da Alesp, encerrou o
evento. “São Paulo necessariamente passa por ciência, tecnologia e inovação,
mas com um respeito quase religioso à questão ambiental. A FAPESP é um exemplo
para o Brasil e espero que o próximo governo possa disseminar o exemplo dela
para todo o país”, disse Bolçone. (ecodebate)
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