Encontro discute segurança
alimentar, produção de base agroecológica e convivência com o semiárido.
Cisterna para captação e
armazenamento de água da chuva.
O coordenador nacional da
Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Naidison Quintella, afirmou em 06/03/18
que o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras
Tecnologias Sociais (Programa Cisternas), financiado pelo governo federal desde
2003, teve seu orçamento reduzido em cerca de R$ 475 milhões nos últimos anos.
Segundo ele, a iniciativa,
que tinha um aporte de aproximadamente R$ 500 milhões em 2015 e dispõe,
atualmente, de um orçamento de apenas R$ 24 milhões. “E, no ritmo em que
estamos caminhando, a redução no orçamento do Programa Cisternas deve ir para o
zero,”, declarou Quintella, durante o Encontro Nacional 5ª+2, organizado pelo
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em Brasília. O
evento leva esse nome por ser realizado dois anos após a 5ª Conferência
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
O Programa Cisternas no ano
passado ficou em segundo lugar na 10ª edição do Prêmio Internacional de
Política para o Futuro (Future Policy Award, em inglês, promovido pela
organização alemã World Future Council, em parceria com a Convenção das Nações
Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas),
A ASA é uma rede formada por
mais de três mil organizações civis de distintas naturezas – sindicatos rurais,
associações de agricultores, cooperativas, ONGs, Oscips, etc. – que defende um
projeto de convivência com o semiárido. E o Consea é um órgão que assessora a
Presidência da República e é parte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Sisan), tendo dois terços de representantes oriundos da sociedade
civil e um terço de representantes governamentais.
Mais gente, menos
água
“Observando que o semiárido
foi redimensionado – no final do ano passado, ele aumentou -, temos 1 milhão a
mais de famílias na região. Antes, falávamos de 340 mil famílias [sem água para
consumo próprio]. Agora são 550 mil famílias sem água para beber. Não estamos
falando nem de água para o cultivo,” pontuou Quintella.
A ASA atua em dez estados
(Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, Piauí e Maranhão) na luta pelos direitos da população local e
pela convivência com a estiagem.
O coordenador nacional da ASA
chamou a atenção ainda para o fato que grande parte da terra dos pequenos
agricultores da região não tem tamanho suficiente para o plantio e processos
extrativistas. “A terra é mais simbólica do que real. E não dá para ter uma
perspectiva de justiça e segurança alimentar”, declarou.
Quintella ressaltou ainda que
a dimensão dos terrenos é, inclusive, considerada inadequada para receber
tecnologias de captação de água. Para ele, os interesses da indústria
frequentemente desbancam os das comunidades, no veio da mercantilização de
recursos hídricos.”
O Encontro Nacional 5ª+2 se
encerra em 08/03/18 e deve discutir oito desafios, entre eles o fortalecimento
de sistemas de produção de base agroecológica e a inclusão produtiva rural em
grupos populacionais específicos. O documento-síntese do encontro pode ser lido
na íntegra no site do Consea.
Um dos focos dos eventos – as
faixas sociais mais vulneráveis na esfera da agricultura familiar, como
indígenas, quilombolas, pescadoras e ribeirinhas – terá especial proeminência
neste ano, por conta do tema do Dia Internacional da Mulher: “O tempo é agora:
ativistas rurais e urbanas transformam a vida das mulheres”.
Alvo de múltiplas desigualdades,
as mulheres do campo, de acordo com a ONU Mulheres, representam mais de um
quarto da população global e a maioria dos 43% das mulheres que compõem a força
de trabalho agrícola mundial.
Convidada do painel Expressão
da Desigualdade, a cineasta negra Viviane Ferreira disse que até mesmo nas
novelas fica evidente a falta de determinados alimentos conforme a classe
social da pessoa. “Se a gente liga a TV Globo, consegue identificar o que é
alimentação de rico e o que é alimentação de pobre. A gente consegue notar a
faceta do capitalismo no sentido de reiterar desigualdades”, pontuou a
militante, que tratou de gênero e racismo.
Outro tópico discutido hoje, segundo Naidison
Quintella, foi o estímulo dado aos jovens da zona rural a migrar para o espaço
urbano, com o desmonte de escolas que valorizam sua cultura e a
“prefeiturização” do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), de
responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social, que, na sua opinião
do coordenador, leva à “liquidação” do cultivo pelos pequenos produtores,
reduzindo sua autonomia.
Produção agroecológica gera
segurança alimentar.
Execução orçamentária
Segundo Caio Rocha,
secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério de
Desenvolvimento Social, o governo federal tem sim priorizado investimentos nas
ações sociais. “Quando você diz que tínhamos, em 2015, R$ 500 milhões de
orçamento, é verdadeiro. Só que o orçamento não foi executado. E uma ação que
tivemos no final de 2016 pelo presidente Michel Temer autorizou que nós
pagássemos esses R$ 500 milhões, zerássemos todas as dívidas, inclusive com a
ASA, e pudéssemos atender 130 mil novas cisternas.”
Ele informou que, ao assumir
o cargo, em junho de 2016, o contingenciamento do Programa de Aquisição de
Alimentos era de R$ 100 milhões. “O dinheiro do PAA era de R$ 300 milhões. Nós
fechamos o ano com R$ 446 milhões. Em 2017, um ano de muitas dificuldades,
conseguimos executar R$ 374 milhões.”
Por outro lado, os números
apresentados por Elisabetta Gioconda Recine, do Consea, foram bastante
diferentes. Ela comunicou que, enquanto a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2014
reservava R$ 1,3 bilhão para o PAA, a de 2018 prevê R$ 413 milhões. E comentou
que foi graças à união de entidades da sociedade civil que foi possível sustar
a extinção definitiva do programa. “Esse recurso tanto pode ser contingenciado
como, em uma estrutura fragilizada de operação, não ser utilizado”, alertou.
Também presente no encontro, o representante da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no
Brasil, Alan Bojanic, destacou que, para o país, é oportuna a atenção aos
benefícios que podem ser trazidos por cooperações internacionais. “A fome no
mundo aumentou muito nos últimos dois anos e continua aumentando. Na América
Latina, em 2016, mais de 2,5 milhões de pessoas voltaram a ter fome. Com a
experiência do Brasil de combate à fome, e de ter saído do Mapa da Fome, temos
que fazer mais em termos de cooperação internacional. E temos que transmitir as
boas práticas municipais, estaduais e federais de combate à fome.” (ecodebate)
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