“É triste pensar que a natureza
fala e que a humanidade não a ouve” - Victor
Hugo
Os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU, se
baseiam na ideia de implementar o tripé de um desenvolvimento economicamente
inclusivo, socialmente justo e ambientalmente sustentável
Porém, a
inclusão econômica ainda é uma meta distante, pois existem bilhões de pessoas
vivendo com menos de US$ 5 por dia, outros bilhões vivendo no desemprego ou
subemprego e uma grande crise migratória, com milhões de pessoas vivendo em
condições precárias em campos de refugiados como na Líbia, no Quênia e os
Rohingya expulsos de Myanmar e amontoados em Bangladesh. Até mesmo um país
premiado em jazidas de petróleo, como a Venezuela (que já foi um dos países
mais ricos da América Latina), tem gerado uma crise humanitária de lamentáveis
proporções na América do Sul. O Brasil perdeu o fôlego e só vai recuperar a
renda per capita de 2013 em 2023, sendo que o objetivo de pleno emprego e
trabalho decente é apenas um sonho.
A meta de
uma sociedade justa está cada vez mais distante. Embora o mundo tenha
conseguido reduzir a extrema pobreza e diminuir as taxas de mortalidade
infantil nos últimos 200 anos, a apropriação da riqueza tem acontecido de
maneira cada vez mais desigual. O relatório sobre a riqueza global 2017, do
banco Credit Suisse, mostra que 8,6% dos adultos do topo da pirâmide de riqueza
detêm 86% do patrimônio global. Segundo a Oxfam, os oito homens mais ricos do
mundo possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre da humanidade.
Assim, a
exclusão econômica e a injustiça social ameaçam implodir a arquitetura do
modelo de acumulação de capital que, mesmo reduzindo a pobreza absoluta,
aumenta a distância entre os poucos privilegiados do topo da pirâmide e os
muitos desamparados da base da estrutura piramidal iníqua.
Mas o maior
prejudicado pelo avanço do desenvolvimento da produção em massa de bens e
serviços é, sem dúvida, o meio ambiente. O enriquecimento da desigual
civilização humana (todos os humanos se beneficiaram dos últimos 200 anos de
desenvolvimento, embora alguns bem mais do que tantos outros) ocorreu paralelamente
ao empobrecimento dos ecossistemas e da redução da biodiversidade. Enquanto a
humanidade aumentou a esperança de vida ao nascer de cerca de 25 anos em 1800
para mais de 70 anos em 2017, as demais espécies vivas do Planeta entraram em
uma espiral de declínio e estão a caminho da 6ª extinção em massa.
O
pesquisador Clóvis Cavalcanti (2012), com base nos princípios da economia
ecológica, caracteriza o atual modelo hegemônico de desenvolvimento como
“Extrai-Produz-Descarta”. Ele explica como funciona o modelo: “O que a economia
moderna faz, na verdade, em última análise, é cavar um buraco eterno que não
para de aumentar (extração de matéria e energia de baixa entropia). Cumprido o
processo do transumo, os recursos terão virado inevitavelmente dejetos – matéria
neutra, detritos, poeira, cinzas, sucata, energia dissipada – que não servem
para quase absolutamente nada (matéria e energia de alta entropia). Amontoam-se
formando um lixão, também eterno, que não para de crescer. Assim, a extração de
recursos e a deposição de lixo deixam como legado uma pegada ecológica cada vez
maior” (p. 40).
O sistema
produtivo (throughput ou transumo) gera um fluxo metabólico entrópico. Quanto
maior a entropia, maior é a insustentabilidade. O grave da situação atual é que
o crescimento exponencial da população e da economia, nos últimos dois séculos,
fez com que a base do bem-estar antrópico ultrapassasse a capacidade de carga
da Terra. Desde os anos de 1970, a pegada ecológica superou a biocapacidade do
Planeta e o déficit ecológico cresce a cada ano.
O
desenvolvimento tem acontecido de maneira cada vez mais insustentável. A queima
de combustíveis fósseis acelerou o aquecimento global que ameaça tornar o
Planeta um espaço inabitável, diante das ondas mortais de calor e do degelo dos
polos e dos glaciares que provocam a elevação do nível dos mares e devem
inundar boa parte das cidades litorâneas e dos deltas de todos os rios do
mundo. A acidificação dos solos, dos rios e dos oceanos ameaçam a vida
terrestre e marinha. Na segunda metade do século XXI deve haver mais acúmulo de
plástico do que peixes nos oceanos. O constante e crescente uso de fosfatos e
nitratos, para a produção de alimentos, tem provocado a eutrofização (acúmulo
de matéria orgânica em decomposição) e a ampliação de “zonas mortas”.
A
humanidade já destruiu a metade de todas as árvores do Planeta e a destruição
continua (El País, 02/09/2015). A grave situação indica que as atividades
antrópicas estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o
aparecimento de novas árvores e o reflorestamento é de somente 5 bilhões de
exemplares. Ou seja, a natureza está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e
pode perder todo o estoque de 3 trilhões de árvores em 300 anos. O desmatamento
provoca defaunação. O desaparecimento das abelhas e dos insetos ameaça a
produção de alimentos, pois sem polinizadores não há como gerar comida para a
crescente população mundial. No ritmo atual, a humanidade vai provocar um
ecocídio de abrangência homérica e, consequentemente, a civilização caminha
para o colapso.
O que
fazer?
A Agenda
2030 da ONU planeja enfrentar todos estes problemas com a noção de
desenvolvimento sustentável, que significa aumentar a produção de bens e
serviços (para resolver os problemas de inclusão econômica e de injustiça
social), só que fazendo o desacoplamento entre o crescimento econômico e a
demanda por recursos naturais e uma menor poluição. Os ODS querem viabilizar o
crescimento econômico desacoplado do aumento do uso de recursos. Querem
produzir “mais com menos”, reciclar e diminuir as emissões de gases de efeito
estufa. Mas há diversas indicações que o mundo não segue este rumo e o
desenvolvimento sustentável é cada vez mais apenas um oximoro.
Por
exemplo, o artigo “Is Decoupling GDP Growth from Environmental Impact
Possible?” mostra que, embora a sociedade esteja ficando cada vez mais
eficiente na produção de bens e serviços, não está perto de conseguir a meta do
crescimento econômico sem o uso crescente de recursos (WARD et. al. 2017). Nas
conclusões os autores deixam claro a impossibilidade de um desacoplamento
absoluto:
“O
crescimento do PIB, em última análise, não pode ser desacoplado do crescimento
do uso de materiais e energia. Por conseguinte, é enganador desenvolver uma
política orientada para o crescimento em torno da expectativa de que a
dissociação seja possível. Observamos também que o PIB é cada vez mais visto
como uma fraca procuração para o bem-estar social. O crescimento do PIB é,
portanto, um objetivo social questionável. A sociedade pode melhorar de forma
sustentável o bem-estar, incluindo o bem-estar de seus recursos naturais, mas
apenas descartando o crescimento do PIB como objetivo em favor de medidas mais
abrangentes de bem-estar social” (p. 12).
Ou seja, o
desenvolvimento sustentável é incompatível com o contínuo e persistente
crescimento do PIB e da ampliação do modelo “Extrai-Produz-Descarta”. O tripé
da sustentabilidade virou um trilema. Somente o decrescimento demoeconômico, de
longo prazo, será capaz de garantir o bem-estar de uma população e de uma
economia menor, com maior recuperação dos ecossistemas e ampliação da
biodiversidade.
Neste
sentido, não é viável manter a meta # 8.1 dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável: “Sustentar o crescimento econômico per capita, de acordo com as
circunstâncias nacionais e, em particular, pelo menos um crescimento anual de
7% do PIB nos países menos desenvolvidos”. Tudo indica que este nível de
crescimento não será alcançado entre 2015 e 2030 e, caso fosse alcançado, só
agravaria as demais metas ambientais dos ODS.
A
sustentabilidade exige menos crescimento econômico, menores áreas ecúmenas e
maiores áreas anecúmenas. A humanidade só será salva se salvar o meio ambiente
e as demais espécies que compartilham a nossa morada comum. A pegada ecológica
precisa ficar abaixo da biocapacidade. A tecnologia ajuda, mas é preciso ir
além do “Paradoxo de Jevons”, dizer não ao egoísmo e ao especismo e sim ao
altruísmo e ao ecocentrismo.
Só haverá
sustentabilidade, de fato, com uma sociedade biocêntrica, com mais ECOlogia e
com menos ECOnomia marrom que degrada a natureza. (ecodebate)
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