Estudo indica que, uma vez
degradado, o Cerrado não se regenera naturalmente.
Abandonadas, áreas do bioma
convertidas em pastagens se transformam em cerradão, uma formação de vegetação
adensada, mas pobre em biodiversidade, indica pesquisa feita na Unesp.
Cerrado já perdeu 46% da
cobertura nativa por causa do desmatamento.
Segundo estudo, após a
conversão em pastagens, áreas do bioma que não recebem o manejo apropriado
exibem vegetação adensada, mas pobre em biodiversidade. Alguns dos mais importantes
rios do Brasil – Xingu, Tocantins, Araguaia, São Francisco, Parnaíba, Gurupi,
Jequitinhonha, Paraná e Paraguai, entre outros – nascem no Cerrado. Trata-se da única savana
do planeta dotada de rios perenes. A rápida conversão do Cerrado em pastagens e
lavouras e o manejo inadequado das áreas preservadas colocam em risco esse
formidável recurso natural, em um país com o terceiro maior potencial
hidrelétrico tecnicamente aproveitável do mundo, e em que 77,2% da matriz
elétrica é suprida pela hidroeletricidade.
Além disso,
a destruição do Cerrado constitui uma perda inestimável em termos de
biodiversidade, pois, na microescala, esse bioma, que pode apresentar 35
espécies diferentes de plantas por metro quadrado, é mais rico em flora e fauna
do que a floresta tropical.
Sabe-se que
o Cerrado tem um potencial de regeneração natural muito alto. Mas até que ponto
vai sua resiliência?
A
pesquisadora brasileira Gisela Durigan, da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), coordena com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo – FAPESP um estudo realizado em áreas de antigas pastagens –
originalmente pertencentes ao bioma do Cerrado, atualmente se encontram na
condição de “reserva legal” e iniciaram uma regeneração natural.
Durigan
explica que a regeneração natural do Cerrado se restringe às espécies arbóreas,
o que significa dizer que o empobrecimento da vegetação decorrente da ação
deletéria da agropecuária é definitivo – ao menos que o desenvolvimento de
políticas ecológicas encontre meios de restabelecer as condições propícias para
as abundantes espécies arbustivas.
“Uma
vez eliminada, a vegetação rasteira ou de pequeno porte, que compõe o estrato
herbáceo-arbustivo e que contém a maior parte das espécies endêmicas, não se
regenera. Então, quando a pastagem é simplesmente abandonada, ela se
transforma, depois de algum tempo, em um cerradão, que é uma formação
caracterizada por vegetação muito adensada, com grande predomínio de árvores e
pobre em biodiversidade”, afirmou Durigan.
O estudo,
que teve resultados publicados no Journal of Applied Ecology, foi realizado no
âmbito do doutorado de Mário Guilherme de Biagi Cava, com Bolsa da FAPESP e
orientação de Durigan, e também apoiado por meio de um Auxílio à Pesquisa concedido
ao professor Milton Cezar Ribeiro e de uma Bolsa de Doutorado a Natashi
Aparecida Lima Pilon.
A pesquisa
abrangeu 29 áreas no Estado de São Paulo, onde foi feito o levantamento da
vegetação, tanto das árvores quanto das plantas pequenas que compõem o estrato
herbáceo-arbustivo e que constituem a maior riqueza da flora do Cerrado. Apesar
de estarem localizadas em regiões diferentes, essas 29 áreas, com idades
variando de quatro a 25 anos, puderam ser ordenadas em uma sequência
cronológica no que se refere ao estágio de regeneração.
Substituição
do estrato arbustivo por gramíneas
As árvores
se recuperam por possuírem raízes muito profundas e terem evoluído, ao longo de
milhões de anos, desenvolvendo a capacidade de rebrotar inúmeras vezes. “Não é
possível eliminá-la nem aplicando herbicida”, disse Durigan. Porém, segundo
ela, o estrato herbáceo-arbustivo, que é removido para a implantação das
pastagens, não se recompõe, devido à invasão dos terrenos por gramíneas
exóticas muito resistentes e agressivas: as braquiárias.
“Essas só
desaparecem com o sombreamento, causado pelo adensamento das árvores. Mas,
quando desaparecem as gramíneas exóticas, as plantas originais de pequeno
porte, que foram completamente erradicadas pelos herbicidas, pelas roçadas e
pela competição com as braquiárias e que não toleram a sombra, também não
voltam mais”, continuou a pesquisadora.
Para fazer
com que a área voltasse a abrigar um cerrado típico, seria necessário eliminar
as gramíneas exóticas, com manejo por meio de fogo associado a herbicida, e,
depois, reintroduzir as espécies nativas. Mas isso constitui uma operação
difícil e cara, que, com os recursos atuais, não pode ser realizada em larga
escala.
A rápida
conversão do Cerrado em pastagens e lavouras colocam em risco esse formidável
recurso natura.
“Temos
pesquisado diferentes técnicas para promover a recuperação. Com sementes, é
necessária uma quantidade gigantesca, que não há nem de onde tirar. O que deu
muito certo, em escala experimental, foi o transplante do estrato
herbáceo-arbustivo: a camada superficial do solo, acompanhada das touceiras de
capim e das pequenas plantas”, disse Durigan.
“O grande
problema é que, no Estado de São Paulo, já não há mais áreas-fonte para isso. O
que sobrou de Cerrado aberto está invadido por gramíneas exóticas. Então,
quando se transplanta a camada superficial do solo, a braquiária vai junto.
Isso acontece inclusive nas áreas protegidas”, acrescentou.
Floresta
degradada
O estudo
feito na UNESP permitiu fechar um diagnóstico e fazer predições.
Espontaneamente, uma vez degradado, o cerrado típico não se recompõe
totalmente. Para que uma área de pastagem volte a ser um cerrado típico, com
riqueza de biodiversidade, com a flora característica, com habitats para fauna
especializada em savana, é necessário manejo humano: não se pode deixar que o
adensamento das árvores passe do limiar de 15 metros quadrados por hectare; é
preciso erradicar o capim exótico; e deve-se reintroduzir o estrato
herbáceo-arbustivo nativo.
Evoluindo
espontaneamente, sem manejo, em 49 anos a vegetação arbórea nas antigas áreas
de pastagem irá se transformar em cerradão. A cobertura esparsa de solo
característica do cerradão é alcançada em quatro anos e a biodiversidade pobre
do estrato herbáceo é obtida em 19 anos. “O processo é rápido, mas os
resultados não são os que procuramos. O cerradão não se distingue de uma
floresta degradada”, disse Durigan.
Dois anos
depois do levantamento, já na segunda fase do doutorado de Cava, os
pesquisadores vão voltar às mesmas áreas ao longo do primeiro trimestre de
2018, e medir tudo novamente, para obter a taxa precisa de aumento de
cobertura, densidade e biodiversidade.
“Esses
valores precisos nos permitirão saber com exatidão qual é o potencial de
regeneração das diferentes áreas e quais são os fatores favoráveis. É o tipo de
solo? É a distância a uma fonte de sementes? É a proximidade de recursos
hídricos? Todos esses parâmetros serão considerados”, disse Durigan.
Conforme
afirmou, o artigo publicado por seu grupo é muito inovador porque não há
ninguém em outros países tratando de recuperação de savanas.
“Isto
porque ainda não ocorreu na África nem na Austrália um processo similar ao que
estamos vivendo aqui, de conversão da savana em pastagens extensivas e em grandes
lavouras de soja, cana ou milho. Na África, as savanas estão bem degradadas,
mas devido ao sobre pastoreio, à exploração de lenha e a outras ações cujos
impactos são menos visíveis no curto prazo. No Brasil, estamos presenciando
transformações que ocorrem de um dia para o outro”, comentou a pesquisadora.
(ecodebate)
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