Para além da sustentabilidade:
decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica.
O desenvolvimento sustentável
virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema. A humanidade
já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e, a cada ano, o dia da
sobrecarga chega mais cedo. Isto significa que o contínuo crescimento da
produção de bens e serviços acontece em detrimento da saúde dos ecossistemas e
às custas da perda da biodiversidade. Enquanto a humanidade progride, o meio
ambiente regride. Mais desenvolvimento implica menos natureza.
Portanto, o desenvolvimento –
que significa o contínuo processo de acumulação de riqueza por parte dos seres
humanos – não é um processo ambientalmente sustentável. Pretender enriquecer a
humanidade mediante o empobrecimento da natureza é como cortar o galho de uma
árvore sentado na ponta. O resultado é um colapso, pois não existe ECOnomia sem
ECOlogia. A primeira é um subsistema da segunda, como nos ensina a Economia
Ecológica.
Para haver sustentabilidade é
preciso um pensamento ecológico holístico. Ou seja, é necessário reconhecer que
o ser humano é apenas uma parte da comunidade biótica e que o egoísmo do homo
economicus é incompatível com o requisito básico de uma relação altruísta e
pacífica entre todos os seres vivos da Terra. Em vez de transformar toda a
riqueza do meio ambiente em “valor de troca”, o certo seria reconhecer que a
natureza tem valores intrínsecos e princípios que são inegociáveis, como nos
ensina a Ecologia Profunda.
A principal característica dos últimos 250 anos foi a exploração desenfreada da natureza. Somente no século XX, a população mundial passou de 1,65 bilhão de habitantes em 1900, para 6 bilhões em 2000, um aumento de quase 4 vezes. Mas o crescimento da economia ocorreu em ritmo bem mais elevado. A emissão de gases de efeito estufa atingiu níveis alarmantes e a concentração de CO2 na atmosfera é a maior em milhões de anos. O consumo per capita de energia aumentou quase 4 vezes, como mostram os gráficos abaixo (Heinberg, 2016).
A principal característica dos últimos 250 anos foi a exploração desenfreada da natureza. Somente no século XX, a população mundial passou de 1,65 bilhão de habitantes em 1900, para 6 bilhões em 2000, um aumento de quase 4 vezes. Mas o crescimento da economia ocorreu em ritmo bem mais elevado. A emissão de gases de efeito estufa atingiu níveis alarmantes e a concentração de CO2 na atmosfera é a maior em milhões de anos. O consumo per capita de energia aumentou quase 4 vezes, como mostram os gráficos abaixo (Heinberg, 2016).
Mas, o mais grave, é que a
destruição da natureza continua em ritmo assustador no século XXI. A promessa
do desenvolvimento sustentável e da economia verde se mostraram uma ilusão. A
desmaterialização e a descarbonização da economia – promessa da 4ª Revolução
Industrial, baseada na Internet, celulares, impressoras 3D, etc. – não
aconteceu na prática. A extração global de recursos naturais foi elevada entre
1970 e 2010. Como mostra o “Paradoxo de Jevons”, a maior eficiência energética
e a menor intensidade de uso de materiais não elimina o fato da demanda
agregada aumentar o uso global dos recursos naturais.
O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010. O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento da China. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.
O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010. O aumento do uso de materiais globais acelerou rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o crescimento da China. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.
Se a extração de recursos
continuar, em 2050, haverá uma população de 9 bilhões de habitantes e uma
demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano para atender às
demandas antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e
provavelmente vai aumentar a acidificação dos terrenos e das águas, a
eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água, além de aumentar a erosão
e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos. O mais grave é que, desde
1990, tem havido pouca melhoria na eficiência no uso dos materiais globais. Na
verdade, a eficiência começou a declinar por volta do ano 2000. Ou seja, em vez
de haver “desacoplamento” (decoupling), a economia internacional está
utilizando cada vez mais recursos da natureza per capita e por unidade do PIB.
O modelo marrom não recua. As emissões de carbono e de metano continuam em
ritmo perigoso.
O crescimento exponencial das
atividades humanas resultou na ultrapassagem da capacidade de carga do Planeta.
Segundo a Global Footprint Network (2017), a pegada ecológica per capita do
mundo, em 1961, era de 2,27 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita
do Planeta era de 3,12 gha. Para uma população de 3,1 bilhões de habitantes, o
impacto da pegada global do ser humano era de 6,98 bilhões de gha,
representando apenas 73% dos 9,53 bilhões de hectares globais da biocapacidade
disponível naquele momento. Portanto, havia um superávit ou reserva ecológica
na década de 1960. A economia cabia na sustentabilidade da ecologia. Mas com o
crescimento da população e do consumo, a reserva ecológica foi sendo reduzida
e, a partir de 1970, o superávit se transformou em déficit ambiental. Em 2013,
a pegada ecológica per capita do mundo subiu para 2,87 gha e a biocapacidade
caiu para 1,71 gha. Para uma população mundial de 7,2 bilhões de habitantes, o
déficit ambiental chegou a 68% em 2013. A humanidade está gerando uma dívida
ambiental, de tal ordem, que provocará uma falência que não haverá montante
monetário capaz de saldar esta dívida.
O capitalismo, que conseguiu
produzir uma quantidade tão grande de bens e serviços, não consegue ser ao
mesmo tempo economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente
sustentável. Diversos estudos mostram que nenhuma indústria seria lucrativa se
tivesse de pagar pelo capital natural que utilizam. Desde que a humanidade
ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, o crescimento da produção tem
caminhado para uma situação, definida por economista ecológica Herman Daly,
como “crescimento deseconômico”.
Para impedir uma catástrofe é
preciso evitar o crescimento econômico quantitativo que extrai volumes
crescentes de recursos naturais e gera volumes ainda maiores de resíduos
sólidos e poluição do solo, das águas e do ar. Não basta o desacoplamento
relativo. A solução passa por uma mudança de paradigma e pelo decrescimento
demoeconômico, como forma de reduzir a Pegada Ecológica. E como bem mostra o
livro “Enough is Enough” (2010), não basta reduzir a pegada ecológica, também é
preciso reduzir o número de pés. O decrescimento da população poderia dar uma
grande contribuição para diminuir o impacto negativo sobre o meio ambiente.
Desta forma, a perspectiva do
decrescimento demoeconômico é o primeiro passo para o equilíbrio homeostático
da economia e do ambiente. Mas é preciso ir além, os seres humanos precisam
recuperar grande parte do que foi destruído e reverter a tendência à 6ª
extinção em massa das espécies.
Artigo de Daniel Christian
Wahl (Beyond Sustainability??—?We are Living in the Century of Regeneration,
Resilience, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover
uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas
de destruição do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da
Terra possam alcançar sua capacidade ideal de sustentar a vida. Em vez de
desenvolvimento sustentável é preciso avançar no desenvolvimento regenerativo.
Para o autor, o termo
sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa sustentável
porque sustentou o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo
sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O
termo desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo
claro de regenerar a saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico,
a regeneração significa não usar recursos que não podem ser regenerados. Nem
usar os recursos mais rapidamente do que eles podem ser regenerados.
Desenvolvimento neste contexto é “co-evolução da mutualidade”.
A segunda razão é que é
preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o dano que a
humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades,
dos Estados e dos Impérios.
O diagrama acima mostra a
passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo. A escrita
verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo (verde)
e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma
(“business as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para
o estágio “Green” (economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o
usual, ou seja, poluir um pouco menos, usando menos energia de fontes não
renováveis, etc. Este é um passo frequentemente denominado “maquiagem verde”
(“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos diversos passos na jornada
para ir além da sustentabilidade.
Na passagem do verde
(“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do impacto
neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No
entanto, com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da
revolução industrial é preciso fazer mais do que simplesmente sustentar uma
população humana de mais de 7 bilhões de pessoas e que pode chegar a 11 bilhões
até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.
Na passagem do estágio sustentável
para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar a mentalidade
antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as
coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos
que restaurem florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e
integrativas e, portanto, esses esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou
resultar em efeitos colaterais inesperados e negativos.
Na passagem do estágio
restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se busca
projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à
singularidade biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas
falhar em criar significado suficiente para motivar a transformação de longo
prazo.
Na passagem do penúltimo
estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o regenerativo
(“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A
reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada
evolutiva da vida e iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa.
Regeneração de ecossistemas em grande escala para reverter o aquecimento
global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição
para uma economia baseada em biomateriais de padrões ecológicos de produção e
consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a regeneração
social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de
como viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL,
18/04/2018)
A Terra deveria ter o
potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os solos,
os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da
Terra possam interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se
estivermos conscientes disso e não interferirmos no Sistema Terrestre os
interesses da humanidade podem coincidir com os interesses de todos os seres
vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a reselvagerização do
mundo.
Existe a necessidade de fazer
a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma economia
centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em
fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias
atividades econômicas desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico.
Ou seja, é uma economia com base nos recursos renováveis, conhecimento
biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma economia de base
biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na
renovabilidade e na neutralidade do carbono.
A greve dos caminhoneiros, de maio de 2018, mostrou como é problemático um país ficar totalmente dependente dos combustíveis fósseis e como o aumento do preço dos combustíveis pode gerar revoltas e protestos. Ainda existem setores da sociedade que defendem a exploração do petróleo como fonte de recursos para financiar o desenvolvimento industrial, educacional e cultural brasileiro. Contudo, depender de um combustível poluidor e que aumenta o aquecimento global é uma estratégia ambientalmente equivocada e insustentável. O correto é apostar no desenvolvimento da energia renovável, produzida de forma democrática e descentralizada, com uma tecnologia própria do século XXI e a geração de empregos verdes. Ao invés das jazidas abissais das profundezas salgadas do pré-sal, o Brasil tem a opção de aproveitar o vento, o sol e a água que são recursos abundantes e que não agravam a situação climática do Brasil e do mundo.
A greve dos caminhoneiros, de maio de 2018, mostrou como é problemático um país ficar totalmente dependente dos combustíveis fósseis e como o aumento do preço dos combustíveis pode gerar revoltas e protestos. Ainda existem setores da sociedade que defendem a exploração do petróleo como fonte de recursos para financiar o desenvolvimento industrial, educacional e cultural brasileiro. Contudo, depender de um combustível poluidor e que aumenta o aquecimento global é uma estratégia ambientalmente equivocada e insustentável. O correto é apostar no desenvolvimento da energia renovável, produzida de forma democrática e descentralizada, com uma tecnologia própria do século XXI e a geração de empregos verdes. Ao invés das jazidas abissais das profundezas salgadas do pré-sal, o Brasil tem a opção de aproveitar o vento, o sol e a água que são recursos abundantes e que não agravam a situação climática do Brasil e do mundo.
Desta forma, a opção pela
descarbonização da economia e pelo decrescimento demoeconômico aliado à
bioeconomia e à regeneração ecológica permitiria colocar a humanidade em um
espaço seguro no Planeta, possibilitando não somente a sustentabilidade, mas
também a recuperação dos danos causados no passado, além de viabilizar a
reselvagerização do mundo, para evitar o ecocídio e o colapso ambiental.
(ecodebate)
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