Partículas de queimadas
vindas das regiões Centro-Oeste e Norte interagiram com nuvens trazidas por
frente fria vinda do sul, causando escurecimento do céu e da água da chuva.
Karina Toledo | Agência
FAPESP – Dois sistemas que permitem o monitoramento de poluentes atmosféricos –
desenvolvidos nas últimas duas décadas com apoio da FAPESP – estão ajudando
cientistas a entender fenômenos raros observados na cidade de São Paulo em
19/08/19: o escurecimento repentino do céu no meio da tarde e a chuva
acinzentada observada logo depois em algumas partes da Região Metropolitana.
Em 18/08/19 uma intensa pluma
de material particulado com mais de 3 mil metros de altitude foi detectada por
uma equipe do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) por meio do
sistema Lidar, do Centro de Lasers e Aplicações (CLA). Posteriormente, com
auxílio de imagens de satélites da NASA – a agência espacial norte-americana –
e de um modelo que prevê a trajetória percorrida por massas de ar, os
pesquisadores concluíram se tratar de partículas provenientes de queimadas
ocorridas nas regiões Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso,
abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
Acrônimo para light detection
and ranging (detecção de luz e medida de distância), o Lidar é um radar de
laser que permite o sensoriamento remoto ativo da atmosfera para a detecção de
poluentes. Vem sendo desenvolvido desde 1998 por Eduardo Landulfo, por meio de
vários projetos financiados pela FAPESP.
“O sistema ilumina o céu e as
partículas presentes na atmosfera refletem a luz, que captamos com um
telescópio. Ao analisar esse sinal, conseguimos identificar o tipo de partícula
e a distância da superfície em que ela se encontra”, explicou Landulfo.
Segundo o pesquisador, a
pluma de poluição começou a pairar sobre a Região Metropolitana de São Paulo
entre 4 e 5 horas da tarde de domingo – resultado de queimadas que ocorreram
muito provavelmente de quatro a sete dias antes.
Como explicou Saulo Ribeiro
de Freitas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a massa de ar
poluído gerada pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste geralmente é
empurrada a 5 mil metros de altitude por ventos que sopram do Atlântico para o
Pacífico (de leste para oeste), até esbarrar na Cordilheira dos Andes. A fumaça
começa então a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colômbia
e Paraguai – até que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3
mil metros de altitude no sentido anti-horário, começa a transportar a massa
poluída na direção sul, margeando os Andes.
“O que ocorreu no início desta semana foi a convergência dessa massa de ar poluído que vinha do norte com uma frente fria vinda do sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaça se curvar em direção à região Sudeste. Além da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera – como monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso e metano – interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formação de smog [termo em inglês que representa a mistura entre fumaça e neblina]”, disse.
“O que ocorreu no início desta semana foi a convergência dessa massa de ar poluído que vinha do norte com uma frente fria vinda do sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaça se curvar em direção à região Sudeste. Além da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera – como monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso e metano – interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formação de smog [termo em inglês que representa a mistura entre fumaça e neblina]”, disse.
O transporte atmosférico de
emissões de queimada sobre a América do Sul vem sendo monitorado no Centro de
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do INPE desde 2003, por meio do
sistema CATT-BRAMS (Coupled Aerosol and Tracer Transport model to the Brazilian
developments on the Regional Atmospheric Modelling System), desenvolvido por
Freitas em colaboração com Karla Longo e Luiz Flávio Rodrigues (ambos do INPE)
e com apoio da FAPESP.
“Trata-se de um produto
pioneiro que faz previsão para até três dias da qualidade do ar e que tem sido
adotado em vários centros do mundo, entre eles o National Oceanic and
Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos”, contou o pesquisador.
As previsões da qualidade do ar feitas no CPTEC podem ser consultadas
diariamente pelo endereço http://meioambiente.cptec.inpe.br.
Nas imagens obtidas pelo
modelo BRAMS (foto) é possível ver que em 16/08/19 o “rio de fumaça” descia no
sentido sul, atingindo Porto Alegre (RS) e parte da Argentina. Aos poucos, vai
sendo desviado para o Sudeste e em 20/08 já cobre boa parte do Estado de São
Paulo.
De acordo com o professor do
Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, durante
sua trajetória rumo à região Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o
vapor d’água na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.
“As partículas funcionam como
núcleo de condensação da água. Assim, gotículas de chuva menores são formadas,
mas em grande quantidade e isso faz com que uma maior parte da radiação solar
seja refletida de volta para o espaço, a ponto de escurecer o solo, como
aconteceu em 18/08/19”, disse.
Segundo Freitas, a chuva de
cor acinzentada também foi resultado dessa interação da fuligem com as nuvens.
“A fumaça entranhou nas gotículas de chuva, sendo depois depositada na
superfície da cidade de São Paulo”, disse.
Trata-se de um fenômeno
esperado do ponto de vista da química atmosférica, afirmou Artaxo, e não deve
causar alarde. “Essa chuva não faz mal para as pessoas. Apenas caiu de uma
nuvem com alta influência de queimadas”, disse.
Análises feitas com uma amostra da água turva colhida na Zona Leste da capital pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), revelaram uma quantidade de sulfetos 10 vezes maior que a média normalmente observada em águas pluviais. “Essas substâncias normalmente estão relacionadas com a queima de biomassa e de combustíveis fósseis. Também chamou a atenção a grande quantidade de material particulado que ficou presa no filtro e a turbidez sete vezes maior que o normal”, disse.
Análises feitas com uma amostra da água turva colhida na Zona Leste da capital pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), revelaram uma quantidade de sulfetos 10 vezes maior que a média normalmente observada em águas pluviais. “Essas substâncias normalmente estão relacionadas com a queima de biomassa e de combustíveis fósseis. Também chamou a atenção a grande quantidade de material particulado que ficou presa no filtro e a turbidez sete vezes maior que o normal”, disse.
Pesquisadores do Instituto de
Química da USP identificaram na água da chuva a presença de reteno, substância
proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas. O
estudo foi coordenado pela professora Pérola de Castro Vasconcellos.
A boa notícia, segundo os
especialistas, é que, como a pluma de poluição estava a mais de 3 mil metros da
superfície, não chegou a comprometer a qualidade do ar na capital paulista. De
fato, monitores da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB)
indicaram boas condições na última semana.
“As cidades mais próximas da
região onde ocorrem as queimadas, como Cuiabá, Manaus e Porto Velho, são as que
mais sofrem com a degradação da qualidade do ar”, disse Freitas.
Tanto o pesquisador do INPE
quanto Landulfo, do IPEN, afirmam que a chegada das emissões de queimadas na
Região Sudeste é relativamente comum no período de seca, entre julho e
setembro.
“Mas para ter causado todos
esses efeitos observados nos últimos dias deve ter sido uma quantidade de
fumaça muito grande. Ainda não sabemos distinguir se é um fogo provocado ou
acidental, que também é comum no período da seca”, afirmou Landulfo.
Em nota técnica divulgada em
20/08, porém, cientistas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)
afirmaram que “a Amazônia está queimando mais em 2019 e o período seco, por si
só, não explica este aumento”.
Segundo o texto, o número de focos de incêndios para a maioria dos estados já é o maior dos últimos quatro anos – até 14 de agosto eram 32.728 focos registrados, número 60% superior à média dos três anos anteriores. A estiagem, por outro lado, está mais branda. Tal fato, afirma a nota, indica que “o desmatamento possa ser um fator de impulsionamento às chamas”. “Os 10 municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”, diz o texto. Os pesquisadores se basearam em dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, do sistema de detecção de focos de calor do satélite AQUA, da NASA, e dados de precipitação do CHIRPS (Climate Hazards Group Infrared Precipitation and Station Data).
Segundo o texto, o número de focos de incêndios para a maioria dos estados já é o maior dos últimos quatro anos – até 14 de agosto eram 32.728 focos registrados, número 60% superior à média dos três anos anteriores. A estiagem, por outro lado, está mais branda. Tal fato, afirma a nota, indica que “o desmatamento possa ser um fator de impulsionamento às chamas”. “Os 10 municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”, diz o texto. Os pesquisadores se basearam em dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, do sistema de detecção de focos de calor do satélite AQUA, da NASA, e dados de precipitação do CHIRPS (Climate Hazards Group Infrared Precipitation and Station Data).
Dados do Sistema Deter, do
Inpe, que emite alertas diários de áreas desmatadas para ajudar na
fiscalização, indicam que o desmatamento na Amazônia cresceu 50% em 2019. Julho
foi o pior mês da série histórica, com 2.254 km² de alertas – alta de 278% em
relação a julho/18. De agosto/2018 a julho/2019, o Deter apontou 6.833 km² desmatados,
contra 4.572 km² no ano passado (agosto/2017 a julho/2018). A taxa oficial da
destruição será dada no fim do ano pelo sistema Prodes, também do INPE.
(ecodebate)
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