Estudo indica que extinção das Reservas Legais
causaria prejuízo trilionário ao Brasil.
Estudo traça cenário do que aconteceria se áreas de
preservação obrigatória fossem revogadas. Perda de serviços ecossistêmicos,
como regulação climática e proteção da biodiversidade, levaria a prejuízos de
R$ 6 trilhões por ano.
O
que aconteceria se o Brasil abrisse mão de suas Reservas Legais e todas essas
áreas fossem legalmente desmatadas? O prejuízo seria da ordem de R$ 6 trilhões
por ano — sim, trilhões, com tê de
tatu.
Esse
é o valor total dos serviços ambientais prestados por essas áreas de vegetação
nativa, incluindo controle de erosão, produção de chuvas e regulação climática,
segundo estimativa de um grupo de cientistas brasileiros. O estudo foi
publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, com o apoio de mais de
400 outros pesquisadores, de 79 instituições acadêmicas, que tiveram acesso ao
trabalho e concordaram com os resultados.
As
Reservas Legais são a porção de uma propriedade privada que precisa ser
preservada com vegetação nativa, conforme determina o chamado Código Florestal
brasileiro (Lei 12.651/2012). Esse porcentual varia de
acordo com o bioma em que a propriedade se encontra: na Amazônia, é de 80%.
Numa propriedade de 100 hectares localizada no Estado do Amazonas, por exemplo,
significa que 80 hectares têm de ser obrigatoriamente preservados com vegetação
nativa, enquanto que os outros 20 hectares podem ser desmatados para construir
casas, plantar soja, criar gado, ou seja, lá o que for.
Nas
áreas de Cerrado localizadas dentro da Amazônia Legal, esse índice é de 35%; e
em todo o resto do País, 20%.
A
somatória disso tudo, segundo os pesquisadores, equivale a uma área do tamanho
de Itália, Alemanha, França e Espanha somadas: 167 milhões de hectares de
Reserva Legal, o que representa 29% de toda a vegetação nativa remanescente no
País.
Agora,
junte tudo isso aos mais de 100 milhões de hectares de vegetação nativa em
áreas privadas que já podem ser legalmente desmatados — porque não se encaixam
em nenhuma classificação de área protegida — e a revogação das Reservas Legais
deixaria uma área do tamanho da Argentina (270 milhões de hectares) aberta ao
desmatamento.
Um
cenário extremo, e potencialmente catastrófico, mas nada fictício. Um projeto
de lei (PL 2.362 / 2019) apresentado ao Congresso
no início do ano pelos senadores Flávio Bolsonaro (PSL/RJ) e Marcio Bittar
(MDB/AC) propunha exatamente isso: revogar todas as áreas de Reserva Legal no
Brasil, “a fim de possibilitar a exploração econômica dessas áreas”.
Fortemente
criticado, o projeto foi retirado de tramitação no dia 15 de agosto, em meio à
crise internacional das queimadas na Amazônia. Ainda assim, os pesquisadores
esperam que o estudo possa “embasar outras discussões relacionadas com a
conservação da vegetação nativa e da biodiversidade no Brasil”.
Serviços prestados
O
estudo faz um inventário das riquezas naturais contidas nas Reservas Legais e
dos serviços ambientais que essas riquezas prestam gratuitamente à sociedade.
Entre eles, 11 bilhões de toneladas de carbono (cerca de 21% de todo o estoque
de carbono superficial terrestre brasileiro), que, se liberados para a
atmosfera (via desmatamento ou queimadas), contribuiriam de forma significativa
para o aquecimento global. “As resultantes emissões de carbono teriam fortes
impactos no clima regional e global, com efeitos em cascata, tais como maior
erosão, secas, inundações e alterações potencialmente irreversíveis dos
ecossistemas naturais”, escrevem os pesquisadores.
Outro
ativo importantíssimo é a biodiversidade. “Uma das funções primordiais das
Reservas Legais é propiciar as condições mínimas para a manutenção da
biodiversidade em paisagens produtivas, onde as áreas agrícolas dominam e relegam
a vegetação natural remanescente a pequenos fragmentos ou a faixas estreitas ao
longo dos rios”, diz o estudo. “Nessas situações, devido à sua ampla
distribuição espacial, as Reservas Legais desempenham um papel crucial no
estabelecimento de condições que facilitam os fluxos, aumentando assim a
conectividade da paisagem e as taxas de recolonização de espécies.”
Não
se trata apenas de proteger bichinhos e plantinhas, mas também de reforçar a
produtividade e a resiliência da própria produção agrícola. Os ecossistemas
naturais abrigam uma grande variedade de espécies essenciais à polinização e ao
controle biológico de pragas nas lavouras. “A ligação entre a presença destes
inimigos fundamentais de pragas em terras agrícolas e a existência de vegetação
natural nas imediações foi amplamente demonstrada em todo o mundo”, destacam os
pesquisadores.
Quem
gosta de água e energia elétrica também tem motivos de sobra para gostar das
Reservas Legais, já que elas “desempenham um papel crucial para a segurança
hídrica e energética do País”, apontam os cientistas. O caso mais emblemático é
o da Amazônia: “Os altos níveis de transpiração e evapotranspiração das
florestas amazônicas são, portanto, importantes não só para sustentar a própria
floresta, mas também para manter a pluviosidade no Cerrado e em áreas-chave de
recarga, e também mais ao sul, incluindo vários países da Bacia do Prata. Sem
esta vegetação, a segurança hídrica e energética ao sul da Amazônia está
ameaçada”.
Uso da terra no Brasil
Quanto sobrou de vegetação
nativa nos 851,6 milhões de hectares do país (até 2017).
Valorização
Considerando
todos esses — e mais alguns — serviços prestados pelos ecossistemas naturais
contidos nas Reservas Legais, os pesquisadores usaram estimativas da literatura
científica para calcular o valor econômico dessas áreas.
“Com
base em valores médios de todo o mundo, um hectare de floresta tropical pode
gerar um benefício estimado de US$ 5,382/hectare/ano pela prestação de 17
diferentes tipos de serviços ecossistêmicos, incluindo regulação climática,
gestão da água, controle da erosão, polinização, controle biológico, serviços
culturais e recreativos, entre outros (Costanza et al., 2014). Para campos naturais e
pastagens, em geral, a média global é de US$ 4,166/hectare/ano”, diz o
trabalho. “Se simplificarmos e assumirmos que a Amazônia, Mata Atlântica e
Caatinga são compostas exclusivamente de floresta, Cerrado e Pampa por campos e
savanas e Pantanal por planícies aluviais, a perda de 270 milhões de hectares
de vegetação nativa desprotegida (incluindo 167 milhões de hectares de Reservas
Legais) resultaria em perdas de cerca de R$ 6 trilhões por ano.”
O
trabalho é coordenado pelo ecólogo Jean Paul Metzger, do Instituto de
Biociências (IB) da USP, em colaboração com colegas da Associação Brasileira de
Ciência Ecológica e Conservação (Abeco) e do grupo Coalizão Ciência e
Sociedade.
“Quando
consideramos o rol de benefícios que essas áreas podem prover, tanto para o
proprietário quanto para a sociedade, começamos a entender que esses benefícios
não são pequenos”, afirmou Metzger, em entrevista à Rádio USP, na manhã de
06/09/19. “Eles são altos! Na verdade, em alguns casos você tem mais benefícios
mantendo a Reserva Legal do que retirando e avançando com o cultivo da área”.
(ecodebate)
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