“A população mundial precisa ser
estabilizada e, idealmente, reduzida gradualmente”.
Alerta dos cientistas mundiais
sobre a emergência climática (05/11/2019).
O
Iêmen foi o primeiro destino dos emigrantes que saíram da África, há cerca de
80 mil anos. A “diáspora” africana atravessou o Estreito de Bab-al-Mandeb, que
separa o sul da Península Arábica, de Djibuti, no nordeste da África. Naquela
época o Iêmen era uma área fértil e rica em serviços ecossistêmicos. Mas tudo
mudou ao longo dos séculos.
A
população do Iêmen era de 4,7 milhões de habitantes em 1950 e passou para 29,8
milhões em 2020. O número de habitantes do Iêmen mais do que sextuplicou em 70
anos, um dos maiores crescimentos demográficos do mundo. As projeções da ONU
indicam que a população do Iêmen pode chegar a 48,1 milhões de habitantes em
2050, decuplicando em um século.
A
densidade demográfica do Iêmen que estava em 8,3 habitantes por km2
em 1950, chegou a 57 hab/km2 em 2020 e deve atingir 91 hab/km2 em
2050 (lembrando que a maior parte do território atual do país é constituída por
desertos). Para efeito de comparação, a densidade demográfica da Rússia era de
6,3 hab/km2 em 1950, 8,9 hab/km2 em 2020 e deve diminuir
para 8,3 hab/km2 em 2050.
Em
2003, o demógrafo Paul Demeny publicou um artigo (ver figura acima), na
prestigiosa revista Population and Development Review, mostrando os opostos da
dinâmica demográfica do Iêmen (área 528 mil km²) e da Rússia (área de 17,1
milhões de km²). A Rússia, com a maior área territorial do mundo, terá uma
população estabilizada entre 1950 e 2050, enquanto o Iêmen – um país pequeno e
pobre – terá a população multiplicada por 10 em um século.
No
referido artigo, Demeny aborda as diferenças entre a baixa taxa de fecundidade
da Rússia (e dos países europeus) e a alta taxa de fecundidade do Iêmen e de
outros países em desenvolvimento, principalmente no Oriente Médio e na África.
Contudo, a redução do número médio dos filhos, mesmo com diferenciais
significativos, se generalizou.
A
taxa de fecundidade total (TFT) do Iêmen que estava acima de 8 filhos por
mulher na segunda metade do século XX, caiu para 6 filhos na virada do milênio
e chegou pouco abaixo de 4 filhos no quinquênio 2015-20. Portanto, o Iêmen está
passando por uma transição tardia da fecundidade, mas que deve atingir uma TFT
abaixo do nível de reposição na segunda metade do atual século.
Esta
queda da fecundidade é fundamental para a estabilização do crescimento
demográfico no Iêmen, pois se o ritmo de crescimento da população não for
reduzido pela redução do tamanho das famílias, poderá ser reduzida pelo aumento
das taxas de mortalidade, configurando aquilo que se chama de “choque
malthusiano”.
Para
Thomas Malthus (1766-1834), um crescimento ilimitado da população poderia ser
revertido pelo “freio positivo”, caracterizado pela tríade: miséria, epidemias
e guerras. Assim, a expressão “choque malthusiano” é utilizada para descrever a
situação em que o crescimento populacional é interrompido, não pela queda da
fecundidade, mas pelo aumento das taxas de mortalidade.
O
alto crescimento populacional e a degradação ambiental do país contribuiu para
a atual crise do Iêmen. Segundo dados do FMI, a renda per capita iemenita em
1990 era de US$ 3,3 mil (em poder de paridade de compra – ppp), subiu para US$
4,3 mil em 2010 e iniciou uma tendência de queda na atual década, atingindo US$
2,25 mil em 2020.
Ou
seja, o Iêmen enfrenta a pior guerra de sua história, a maior queda da renda
per capita e a maior crise de fome dos tempos modernos. O país importa mais de
85% de toda a sua necessidade alimentar e de remédios. A Secretaria geral de
assuntos humanitários da ONU, alertou que a menos que voltem a abrir as
fronteiras para os envios de ajuda, o Iêmen viverá a maior fome que o mundo já
viu em muitas décadas, com milhões de vítimas.
O
Iêmen sofre ao continuar sendo um joguete na disputa geoestratégica entre a
Arábia Saudita e o Irã. São milhões de vidas que precisam de esperança em um
futuro melhor e problemas demográficas, econômicos e sociais que precisam ser
resolvidos.
O
bombardeiro que matou o general iraniano Qasem Soleimani e o agravamento da
situação política e militar entre os EUA e o Irã deve dificultar qualquer
solução da questão iemenita. A Arábia Saudita deve buscar fortalecer suas
trincheiras contra o Irã e a situação do Oriente Médio volta a ficar explosiva.
O
fato é que as duas maiores teocracias do Oriente Médio vivem um momento de
muitas críticas internas e externas. O príncipe herdeiro da Arábia Saudita,
Mohammed bin Salman, perdeu legitimidade especialmente depois de ter ordenado o
assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, crítico do governo, no consulado do
país em Istambul, na Turquia. No outro lado, manifestantes iranianos pediram a
renúncia do líder supremo do país, aiatolá Ali Khamenei, no dia 11 de janeiro,
depois que o governo do Irã afirmou que suas Forças Armadas derrubaram por
engano um avião ucraniano, matando todas as 176 pessoas a bordo. É muito
significativo que os protestos tenham mirado o poder central da teocracia
iraniana: “Comandante-em-chefe (Khamenei) renuncie, renuncie”.
Neste
contexto regional, o Iêmen está passando por um choque de realidade e
percebendo que é impossível manter um crescimento populacional ilimitado em um
país com recursos naturais limitados e em uma região conflagrada por guerras
regionais e por regimes autoritários que não estão preocupados com o meio
ambiente.
A
renda per capita está caindo e a qualidade de vida e de condições ecológicas
estão se degradando. O Iêmen tinha, em 1961, uma pegada ecológica per capita de
0,95 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 2,26 gha, tendo,
portanto, superávit ambiental até o início da década de 1990. Porém, mesmo com
a queda da pegada ecológica per capita para apenas 0,67 gha em 2016 (a média
mundial é de 2,75 gha), a biocapacidade caiu para pífios 0,42 gha. O motivo
desta tremenda queda da biocapacidade pode ser explicado pelo crescimento da
população.
Portanto,
o Iêmen precisa de ajuda internacional para enfrentar a crise de fome e de
baixa qualidade de vida, mas também precisa de ajuda para acelerar a queda das
taxas de fecundidade e reverter o crescimento demográfico para decrescimento.
Em
novembro de 2019, mais de 11 mil cientistas de todo o mundo alertam a
humanidade sobre a ameaça de uma iminente catástrofe ambiental e declararam que
o Planeta está enfrentando uma emergência climática. O manifesto diz que os
cientistas têm uma obrigação moral de alertar claramente a humanidade sobre uma
possível ameaça catastrófica que pode provocar “sofrimento humano
incalculável”.
O
documento “World Scientists’ Warning of a Climate Emergency” (BioScience,
05/11/2019) afirma que: “O crescimento econômico e populacional está entre os
mais importantes fatores do aumento das emissões de CO2 em
decorrência da combustão de combustíveis fósseis”. Em consequência, diz o
seguinte sobre a questão demográfica: “Ainda crescendo em torno de 80 milhões
pessoas por ano, ou mais de 200.000 por dia, a população mundial precisa ser
estabilizada – e, idealmente, reduzida gradualmente – dentro de uma estrutura
que garante a integridade social”.
O
caso do Iêmen só reforça o alerta dos 11 mil cientistas. Há diversos outros
países, como a Síria, a República Democrática do Congo, a Venezuela, etc., que
estão enfrentando situações parecidas de perda de qualidade de vida humana e
ambiental.
Resolver
o problema demográfico não é suficiente, mas cada vez se torna uma condição
necessária para reverter o cenário de colapso. (ecodebate)
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