Adaptação à Mudança do Clima: do papel à ação, uma
longa distância.
Reflexo de temporal em SP abre uma discussão
importante sobre o papel do planejamento urbano.
Vocês
já devem ter ouvido dizer pelo menos uma vez que o Brasil é um dos países com
maior arcabouço legal na área socioambiental. Isso não quer dizer, entretanto,
que reflita na execução destes instrumentos. Maior prova recente disso são os
efeitos desastrosos dos temporais na região metropolitana de São Paulo e
interior, que se avolumaram devido ao mau planejamento urbano de décadas e
séculos, e ausência de sistemas de precaução e adaptação.
Se
o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, criado em 2016, e a Política Estadual de Mudanças Climáticas (2009), realmente estivessem
regulamentados e em vigor, mortes, desabamentos, deslizamentos e
enchentes, entre outros danos, poderiam ter sido amenizados mesmo com os altos
índices pluviométricos. Vale dizer, índices que tendem a ser mais rotineiros no
nosso dia a dia.
Por
25 vezes a palavra “adaptação” é citada na política estadual. E eis a
interpretação básica do termo: “adaptação: iniciativas ou medidas capazes de
reduzir a vulnerabilidade de sistemas naturais e da sociedade aos efeitos reais
ou esperados das mudanças climáticas”.
E
ressalta, que entre os objetivos específicos da política está a implementação
de ações de prevenção e adaptação às alterações produzidas pelos impactos das
mudanças climáticas, a fim de proteger principalmente os estratos mais
vulneráveis da população.
Já
nas diretrizes: “cooperar nos preparativos para a prevenção e adaptação aos
impactos da mudança do clima, desenvolver e elaborar planos adequados e
integrados para a gestão de zonas costeiras, áreas metropolitanas, recursos
hídricos e agricultura, bem como para a proteção e recuperação de regiões
particularmente afetadas por secas e inundações”.
No
papel também está no contexto da comunicação, a existência de um mapa com
avaliação de vulnerabilidades e necessidades de prevenção e adaptação aos
impactos causados pela mudança do clima, integrado às ações da Defesa Civil,
integrando as realidades municipais.
Todos
estes itens devem estar em consonância com a Política e Plano Estadual de Recursos
Hídricos, como também com a Política Estadual de Resíduos Sólidos.
E
um dos mais importantes trechos da Política Estadual de Mudanças Climáticas
paulista é que o Poder Executivo estabelecerá um Plano Estratégico para Ações
Emergenciais (PEAE), para resposta a eventos climáticos extremos que possam
gerar situação de calamidade pública em território paulista, notadamente em
áreas de vulnerabilidade direta.
Ao
se ater a estes tópicos, a realidade diverge drasticamente, não é? O que se vê
é um contingente enorme de cidadãos (ãs) vivendo em morros, em áreas de várzea;
rios e córregos naturalmente sinuosos que foram retificados ou canalizados, o
que é algo que acentua os efeitos danosos; alta produção e destinação incorreta
de resíduos sólidos nas cidades, que acarretam o assoreamento dos corpos
hídricos, e a existência ainda de centenas de lixões e aterros controlados.
Mais um fator grave são as milhares de vias impermeáveis.
Apesar
de termos um sistema de previsão meteorológica dos mais modernos no mundo, os
mesmos não são utilizados de forma casada para o sistema de prevenção, alertas
à população.
O
que aconteceu na capital paulista, em Carapicuiba, Osasco, Botucatu, Santana de
Parnaíba, entre outros municípios não pode ser creditado no pacote da
“fatalidade”. Ver 7 mil toneladas de alimentos indo para o lixo na Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo Ceagesp, que está há décadas em uma
região de várzea, é algo que reflete o descaso com algo que não é ignorado
pelos gestores. Será que realmente as famílias de seis mortos, em decorrência
do temporal, precisavam estar passando por esta situação extrema?
Ter
o registro de 10.371 ligações, 2.345 ocorrências, 1043 enchentes, 193 desabamentos
/ desmoronamentos e 219 quedas de árvores, segundo os bombeiros, é algo que
alerta toda sociedade sobre o porvir. Índices pluviométricos acima de 100
milímetros e na ordem de até 190 milímetros (como ocorreu em Itanhaém), na
janela de um dia, tendem a se repetir mais vezes.
Nos
anos 50, historicamente não havia praticamente dias com chuvas extremas (acima
de 50 mm) em um dia. Já na última década, ocorrem até cinco vezes ou mais
anualmente, como destaca o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Segundo ele, se trata
de mudanças climáticas, mas também do contexto da urbanização desordenada, o
que é algo que precisa ser pensado emergencialmente no planejamento urbano.
Não
se trata de acasos, mas de uma combinação de circunstâncias, que implicam uma
outra visão de desenvolvimento. O sustentável não pode ser utilizado como uma
palavra vã. O arcabouço legal, por sua vez, deve se tornar prática, para
que não seja instrumento de inação. (ecodebate)
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