A
água, apesar de ser um direito humano, tem sido menosprezada através dos
séculos no planeta. Experiências que exemplificam este extremo são vivenciadas
diariamente por meio de conflitos contemporâneos com relação aos recursos
hídricos, cada vez mais escassos, em nações principalmente da África, do
Oriente Médio e na Ásia. As causas mesclam origens climáticas, geográficas, de
intervenções de grandes obras que reduzem a capacidade de vazão nas bacias,
poluição hídrica, desperdício e dimensão do crescimento populacional. Seja qual
for o motivo, a ação humana desencadeia este avanço de tensões.
A
relevância deste problema tem levado a produções de pesquisas, como a que identifica cenários sobre as
possíveis disputas pela água em regiões transfronteiriças criado pelo Centro Comum de Investigação (CCI) da Comissão
Europeia (Likelihood of hydro political-interaction), com construções de
perspectivas até 2050 e até 2100. Com mais alto risco, foram avaliadas as
Bacias Hidrográficas do Ganges / Brahmaputra, Pearl / Bei Jiang, Nilo, Feni (ou
Fenney), Indus, Colorado , Tarim, Shatt al-Arab – Tigre / Eufrates, Hari e
Irrawaddy.
Seja
qual for o local no mundo, o que fica claro é que a crise hídrica não é algo
distante da realidade do hoje e é uma prioridade que deve estar constante nos
planos de governo federais a municipais e no âmbito das cooperações
internacionais, que incluem os orçamentos, com estratégias de ações de
precaução e contingenciamento. O princípio para todas as medidas é da
conscientização da premissa básica da importância da cultura do consumo
racional, que envolve a sociedade, em todos seus extratos.
No
documento “Água Doente” ONU, do ano passado, talvez, o dado atual mais
estarrecedor, é de que 1,8 milhão de crianças menores de cinco anos morrem
anualmente, por falta de água limpa. E é justamente nos países em
desenvolvimento, como o Brasil, que a maior parte do despejo de resíduos
acontece, lançando 90% da água de esgoto sem tratamento.
As
perspectivas são complexas. Mais de 2,7 bilhões de pessoas deverão ser atingidas
no planeta pela falta d`água até 2025, segundo a Organização das Nações Unidas
(ONU). Para se ter noção, nem os serviços de saúde escapam dessa problemática.
Aproximadamente um em cada quatro centros de saúde em todo o mundo têm falta de
serviços básicos de água potável e mais da metade dos leitos hospitalares
mundialmente são ocupados por pessoas com doenças relacionadas à contaminação
da água.
Para
combater o stress hídrico, alguns municípios a países têm investido em
múltiplas ações, que têm demonstrado eficácia. Entre elas, sistemas robustos de
saneamento ambiental, reuso da água e irrigação com o mínimo de probabilidade
de desperdício, como também dessanilização, despoluição dos corpos hídricos,
combate ao desmatamento e às emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) por
combustíveis fósseis, com investimento em energia limpa e renovável. O que fica
claro é que uma ação isolada da outra não é suficiente e há necessidade de
haver a sincronicidade dessas diversas medidas.
Uma
das constatações dos pesquisadores do CCI é de que a capacidade institucional e
de governança das instituições nacionais e supranacionais deve ser aprimorada
para minimizar a vulnerabilidade dos sistemas específicos de bacias biofísicas
e socioeconômicas à crescente pressão. Nesta colocação, está implícito um forte
sentido da necessidade de gestões com cooperações multilarerais, que dá o
sentido da unificação de esforços. Para suas análises, utilizam a aplicação do
algoritmo de regressão chamado Random Forest.
O
World Resources Institute (WRI) tem alertado quanto ao aumento do risco da
intensificação da crise hídrica global, que será mais acentuada em cerca de 20
países, que correspondem a um quarto da população mundial. Uma das situações
mais críticas é da Índia, tendo em vista que em seu território vivem 16% da
população mundial (mais de 1,36 bilhão de pessoas) e lá só estão 4% das
reservas hídricas mundiais. A pressão se estende também ao Catar, a Israel, ao
Líbano, Irã, à Jordânia, Líbia, ao Kuait, à Arábia Saudita, Eritreia, aos Emirados
Árabes, a San Marino, ao Barein, Paquistão, Turcomenistão, à Omã e Botswana.Mas
esta lista é significativamente maior.
Na
região da Bacia Hidrográfica do Rio Nilo, no continente africano, que tem 7 mil
km de extensão, existe literalmente uma disputa pelo controle da água, tendo em
vista os longos processos de estiagem e seca que atingem a região. Neste
embate, as cisões começam a crescer. Por muitas décadas, Egito e Sudão
mantiveram domínio, que tem sido questionado nos últimos anos por outros países,
como Etiópia, Quênia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi. Estas nações querem
ter divisões iguais de acesso a estes recursos.
Quando
vamos à região do Oriente Médio, na Bacia dos rios Tigre e Eufrates, a situação
de tensão tende a aumentar. Com o predomínio da Turquia sobre as nascentes,
Síria e Iraque questionam esta hegemonia, tendo em vista que a construção de
hidrelétricas em território turco estaria diminuindo a vazão dos rios, nesta
região cada vez mais castigada pelos baixos índices pluviométricos.
A
preocupação com o stress hídrico mundial também atinge a América Latina, com
destaque para o Chile e México. Especialmente no Brasil, o alerta é para
Brasília, Campinas, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. No
continente Europeu, a vulnerabilidade maior é na Albânia, Espanha, Grécia e
Itália, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
A
relação de causa e efeito quando se trata de recursos hídricos tem
consequências planetárias, com o quadro que se apresenta hoje e nas pesquisas
quanto a cenários futuros. Ao se tornar motivos de conflitos, que tendem a
crescer, demonstra que os modelos de planejamento de nossas cidades e nações
não estão levando isto em conta. A pergunta que resiste: quais são as
verdadeiras prioridades? (ecodebate)
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