Como
já ocorre em quase todos os verões, chuvas torrenciais causam tragédias sociais
em diferentes locais do país. Neste ano, destacaram-se as chuvas em Minas
Gerais em janeiro e, em São Paulo, a tempestade de 10 de fevereiro, que
paralisou a cidade e suas atividades por completo. De acordo com a Coalizão
pelo Clima, coletivo ambientalista que concedeu entrevista ao Correio, não dá
mais pra aceitar o discurso oficial da excepcionalidade das chuvas. Trata-se,
em resumo, da nova normalidade climática.
“Nossos
governantes, da esfera municipal a federal, continuam dizendo que são eventos
inesperados ou citando uma ou duas ações como suficientes para acabar com as
enchentes. Duvidamos sempre de soluções simples. Esse é um problema global,
diversas cidades do mundo inteiro estão passando pelos mesmos problemas”.
Apesar
de apontarem falhas administrativas de governos, a Coalizão critica o
comportamento irresponsável do governo brasileiro no plano internacional e
reforça a tese de que tais eventos climáticos punirão de forma mais severa as
parcelas mais pobres da população.
“Nós
sabemos que a população negra e periférica é muito mais afetada que as classes
altas em enchentes, secas e falta d’água, calor extremo etc. Isso porque as
classes altas têm acesso à moradia, saúde e saneamento que nem todas as
comunidades possuem. É muito claro que algumas regiões, dentro do Brasil e de
cidades, sofrerão mais que outras”.
Correio da Cidadania:
Como compreender a atual época de chuvas no Brasil à luz do trabalho que a
Coalizão produz? Estaria acima da média e por quê?
Coalizão pelo Clima: Com
as mudanças climáticas, temos que fazer a análise de que esse é o nosso novo
clima, ou o novo estado normal. Eventos extremos vão acontecer cada vez mais no
nosso dia a dia. E as enchentes, principalmente urbanas, são uma das faces dos
efeitos das mudanças climáticas. Nós, da Coalizão pelo Clima, estamos em
contato direto com as pessoas que mais sofrem os impactos: o povo. Enxergamos
que o nosso trabalho de informar e encontrar formas de resistir às mudanças
climáticas é essencial para nossa sobrevivência.
Correio da Cidadania:
O descalabro vivido em São Paulo em apenas um dia de chuvas se deve a quais
motivos?
Coalizão pelo Clima: Vários, que vão desde
o nível mundial de incapacidade de governos e grandes empresas de implementar
ações de redução de emissões de gases de efeito estufa durante décadas, até o
municipal, de falta de planejamento urbano que seja inclusivo tanto para
pessoas como a Natureza.
Nossas
cidades são impermeáveis, nossos rios canalizados, nossas matas devastadas. Com
isso tudo, mais a intensificação do aquecimento global, não dão para dizer que
foi inesperado, como nossos governantes continuam dizendo.
Correio da Cidadania:
Como analisa o discurso oficial perante os acontecimentos?
Coalizão pelo Clima: Nossos governantes,
da esfera municipal a federal, continuam dizendo que são eventos inesperados ou
citando uma ou duas ações como suficientes para acabar com as enchentes.
Duvidamos sempre de soluções simples. Esse é um problema global, diversas
cidades do mundo inteiro estão passando pelos mesmos problemas. Como dissemos
antes, não dá mais para aceitar esse discurso.
Correio da Cidadania:
Em linhas gerais, o Brasil, em suas diferentes regiões, tem condições de
enfrentar de forma razoável a intensificação de quaisquer eventos climáticos,
sejam chuvas, secas, ondas de frio etc.?
Coalizão pelo Clima: Enquanto os governos
não assumirem a importância dos efeitos das mudanças climáticas isso fica
difícil de acontecer. Trabalhamos com um conceito de racismo ambiental que
acredito ser importante de ser comentado aqui, pois significa que as mudanças
climáticas afetam a população de formas diferentes.
Nós
sabemos que a população negra e periférica é muito mais afetada que as classes
altas em enchentes, secas e falta d’água, calor extremo etc. Isso porque as
classes altas têm acesso à moradia, saúde e saneamento que nem todas as
comunidades possuem. É muito claro que algumas regiões, dentro do Brasil e de
cidades, sofrerão mais que outras.
Correio da Cidadania:
O que dizer da postura internacional do país nas discussões climáticas neste
momento?
Coalizão pelo Clima: Irresponsável.
Tivemos a COP 25 em dezembro que foi um fracasso do ponto de vista de andamento
das ações planejadas em 2015. Temos diversos governos no mundo que abertamente
negam o aquecimento global, dentre eles o Brasil com o próprio Bolsonaro e
Ernesto Araújo, sem falar da atuação lamentável de Ricardo Salles.
É
uma irresponsabilidade imensa desprezar a importância da nossa maior floresta e
o quanto está sendo desmatada (o desmatamento é um dos causadores do
aquecimento global), e também desconsiderar os nossos povos originários como
pessoas centrais para a luta da manutenção da nossa biodiversidade e história.
É
uma necessidade “para ontem” entendermos que as mudanças climáticas existem e
que os impactos ficarão mais evidentes a cada dia. É real e precisamos agir.
Correio da Cidadania:
Que tipo de agenda política deveria ser aplicada para evitar as diversas tragédias
que acometem a população nesse contexto?
Coalizão pelo Clima: Inicialmente, existem
acordos mundiais que infelizmente não estão sendo seguidos, como o Acordo de
Paris. É urgentíssima a necessidade de se comprometer globalmente. No nível
municipal, temos planos de ação climática que estão sendo elaborados por mais
de 90 cidades no mundo que integram o grupo C40. A prefeitura de São Paulo está
elaborando um agora mesmo, que deve ser lançado em junho deste ano.
Infelizmente,
essa construção não está sendo amplamente divulgada, pois toda a sociedade
civil deveria estar envolvida nesse processo. Para se ter uma ideia, as únicas
reuniões onde esse plano é abordado publicamente acontecem uma vez por mês na
UMAPAZ, no Parque Ibirapuera, organizadas pelo chamado Comitê do Clima, mas não
se entra em detalhes.
É
importante encontrar maneiras de trazer as discussões para as comunidades e
engajá-las nesse processo. (ecodebate)
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