“A transição demográfica é o
fenômeno de comportamento de massa mais importante da história da humanidade”
(ALVES, 1994)
A
pandemia da covid-19 vai ter um impacto profundo no mundo, tanto em termos de
morbimortalidade, quanto em termos econômicos. Contudo, por maior que seja o
impacto em número de vítimas fatais, o surto pandêmico será incapaz de alterar
a transição demográfica brasileira de longo prazo. Ou seja, a queda nas taxas
brutas de natalidade e mortalidade vai continuar e a estrutura etária vai
manter o ritmo de envelhecimento.
Todavia,
a pandemia pode jogar a pá de cal na possibilidade de aproveitamento do bônus
demográfico e, desta forma, pode inviabilizar a decolagem do desenvolvimento
humano do país e o Brasil pode ter que abandonar o sonho de se tornar uma nação
próspera e feliz.
O
Brasil passou pelo fenômeno da transição demográfica (queda das altas taxas de
mortalidade e natalidade), fundamentalmente, no século XX, e, em consequência,
vai ter uma grande transição da estrutura etária no século XXI. A configuração
demográfica do país no atual século será totalmente diferente dos primeiros 500
anos de história do país.
A
Divisão de População da ONU divulgou, em junho de 2019, as novas projeções populacionais
para todos os países, para as regiões e para o total mundial. E no final do ano
divulgou os novos gráficos sobre o perfil demográfico dos países. As figuras
abaixo mostram as pirâmides populacionais do Brasil em três momentos.
Em
1950, a população brasileira era de 53,9 milhões de habitantes, sendo 26,7
milhões de homens e 27,2 milhões de mulheres (meio milhão a mais de mulheres).
A estrutura etária era jovem (alta proporção de crianças e adolescentes e
baixíssima proporção de idosos) e a idade mediana era de apenas 19,2 anos
(metade da população estava abaixo de 19,2 anos). Este tipo de pirâmide
refletia a realidade dos primeiros 450 anos da demografia brasileira.
Em
1985 foi o último ano em que a pirâmide brasileira teve um “formato egípcio”
(cada grupo etário mais jovem era maior do que o grupo imediatamente anterior).
A população brasileira era de 135,3 milhões de habitantes, sendo 67,3 milhões
de homens e 68 milhões de mulheres (700 mil mulheres a mais). A idade mediana
subiu ligeiramente para 21,4 anos, marcando o começo muito inicial do processo
de envelhecimento.
Em
2020 a pirâmide brasileira já apresentou uma redução da base e um encorpamento
do meio da estrutura etária. A população brasileira foi estimada em 212,6
milhões de habitantes, sendo 104,4 milhões de homens e 108,2 milhões de
mulheres (3,8 milhões de mulheres a mais). A idade mediana subiu para 33,5
anos, mostrando a rapidez do processo de envelhecimento do Brasil.
Normalmente,
a ONU apresenta para o restante do século três cenários de projeções, conforme
mostra o gráfico abaixo para o caso do Brasil. No cenário de projeção alta, a
estimativa indica uma população de 272,7 milhões de brasileiros em 2100. No
cenário de projeção média, a população brasileira seria de 180,7 milhões de
habitantes em 2100. E no cenário de projeção baixa, o número ficaria em 114,4
milhões de habitantes em 2100. Nos três cenários o número de mulheres continua
superando o número de homens e o processo de envelhecimento é acentuado. A
idade media na projeção alta em 2100 está estimada em 42,3 anos. Na projeção
baixa a idade mediana ficaria em impressionantes 62,6 anos. E na projeção média
(a mais provável) a idade mediana ficaria em 51,4 anos (ou seja, metade da
população ficaria abaixo de 51,4 anos e a outra metade acima desta idade). O
século XXI vai ser o século do envelhecimento demográfico do Brasil.
Os
gráficos abaixo detalham o perfil demográfico do Brasil entre 1950 e 2100.
Nota-se que a população que era de 53,9 milhões em 1950 deve atingiu um pico de
229,6 milhões de habitantes em 2045 e depois iniciar uma trajetória de queda (a
depender das taxas de fecundidade a queda pode ser menor ou maior). A população
de 0-14 anos já está caindo desde o final do século XX. A população de 15-24
anos (idade de segundo grau e de universidade) já começou a cair desde o início
do atual século. A população de 25-64 anos (potencialmente em idade de
trabalhar) vai continuar crescendo até meados do atual século, mas vai cair na
segunda metade do século. E a população idosa vai aumentar constantemente sua
proporção na população total.
As
taxas brutas de mortalidade (TBM) e de natalidade (TBN) vão se encontrar em
2045 e a partir desta data o crescimento vegetativo se torna negativo. A taxa
de fecundidade total (TFT) ficou ao nível de reposição (2,1 filhos por mulher)
em 2005 e deve ficar abaixo do nível de reposição no restante do século. As
taxas de mortalidade caíram significativamente e a esperança de vida ao nascer
aumentou expressivamente, sendo que as mulheres mantém uma vantagem sobre os
homens em termos de anos médios de vida.
Todos
os dados acima mostram que o Brasil terá uma mudança completa no seu perfil
demográfico entre 1950 e 2100. Em meados do século XX, o Brasil tinha altas taxas
de mortalidade e natalidade, uma estrutura etária muito rejuvenescida e altas
taxas de crescimento natural. No final do século XXI, o Brasil terá baixas
taxas de mortalidade e natalidade, uma estrutura etária muito envelhecida e
decrescimento populacional.
Atualmente,
em 2020, o Brasil tem a melhor configuração demográfica de sua estrutura
etária, pois tem as razões de dependência mais baixas da história (passada e
futura). Ou seja, a proporção de pessoas dependentes (crianças e idosos) é
menor dos 520 anos da história brasileira e será menor em relação ao futuro,
pois ela já começou a subir e vai se elevar bastante com o processo de
envelhecimento. Isto quer dizer que o Brasil está no melhor momento do bônus
demográfico.
Esta
nova configuração demográfica exigiria que as políticas econômicas e sociais se
adaptem à nova realidade populacional, fortalecendo as políticas de educação e
emprego. Infelizmente a crise econômica que começou em 2014 já estava fazendo o
Brasil desperdiçar este momento histórico e que é fundamental para qualquer
nação que queira dar um salto de qualidade de vida para a sua população. Só é
possível um país enriquecer (ter alto IDH) antes de envelhecer.
Com
toda a crise econômica e no mercado de trabalho que acontece depois da eclosão
do coronavírus, o desafio de aproveitar os momentos favoráveis da estrutura
etária parece um sonho cada vez mais distante. O FMI, no relatório divulgado em
abril, estimou que o mundo vai ter a maior depressão econômica da história do
capitalismo e o Brasil vai ter a sua pior recessão anual da história em 2020.
Assim,
neste quadro econômico que já era muito complexo, a covid-19 chegou ao país em
um momento de muita instabilidade política e, tudo indica, terá um impacto
mortal sobre a economia brasileira, fazendo com que o Brasil desperdice de vez
a sua chance de aproveitar o bônus demográfico e de dar um salto na qualidade
de vida da população brasileira. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário