Desmatamento em alta, grileiros à solta, crises
políticas: queimadas na Amazônia podem ser piores que as de 2019.
Ainda
é muito cedo para um veredito, mas, até agora, as ameaças à Amazônia seguem
inabaladas em plena pandemia de Covid-19.
Enquanto o vírus se espalha e produz cenas dramáticas na região, grileiros
avançam e o desmatamento não dá sinais de redução. Pelo contrário:
disparou no primeiro trimestre de 2020.
O Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aponta que 796 km2
de floresta foram derrubados nos 3 primeiros meses do ano. ⅓ da devastação ocorreu em terras públicas, como florestas nacionais e
unidades de conservação, alvo da cobiça de grileiros em geral. De acordo com o
instituto, o aumento nos alertas de desmatamento entre janeiro e
março foi de 51% na comparação com 2019.
À
perda de floresta, somam-se as alterações climáticas:
no primeiro trimestre deste ano, o Centro Nacional dos
Estados Unidos para Informação Ambiental notou que a
floresta amazônica sofreu com temperaturas muito acima da média esperada para a
época. Monitoramentos da NASA também sugerem que grandes áreas da Amazônia estão
com seus lençóis freáticos mais secos que o normal. Além disso, a
floresta já vem sofrendo com estações chuvosas mais fracas que o habitual.
Pesquisadores
e servidores ambientais ouvidos pela Mongabay não
escondem sua preocupação com a chegada da estação seca. É a partir de maio que
se alastram queimadas criminosas, inicialmente na região norte, em estados
como Roraima.
“O
que espanta é que, mesmo no período de chuvas, houve alta expressiva [do
desmatamento]. Quem grila e desmata tem recebido sinais claros para
prosseguir — seja do setor econômico, seja do governo federal”, diz Paulo
Moutinho, um dos fundadores do Ipam (Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
A
disputa por terras continua intensa na floresta, fator esse considerado
decisivo na última crise das queimadas, em agosto de 2019. Só em março, o Imazon registrou
alta de 279% nos alertas de desmate na comparação com o mesmo mês em 2019. Na
primeira quinzena de abril, os satélites do INPE identificaram quase 200 km2
de desmatamento na floresta.
Dados
recentes mostram quais são as atuais frentes de devastação: a divisa entre o
sul do Amazonas e o norte do Mato
Grosso — no chamado Arco do Desmatamento —
e o sul do Pará. Ali ficam municípios como Apuí (AM), Marcelândia (MT)
e São Félix do Xingu (PA), todos entre
os mais desmatados até agora, em 2020.
“São
regiões com rodovias asfaltadas recentemente, facilitando o escoamento [da
madeira derrubada de modo ilegal], e também grande estoque de terras ‘griláveis’
— áreas devolutas [terras governamentais] e reservas indígenas”,
afirma Paulo Barreto, pesquisador-sênior no Imazon.
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Condições precárias, perseguições políticas
A
repercussão de uma fiscalização ambiental caiu feito bomba no Planalto na
primeira quinzena de abril. Equipes do IBAMA (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis)
investiram contra garimpeiros clandestinos nas terras indígenas Apyterewa, Araweté e Trincheira-Bacajá,
no interior do Pará. Seguindo a
lei, destruíram as máquinas usadas para a extração ilegal de minérios nas
reservas.
No
primeiro ano de governo Bolsonaro, a destruição de equipamentos em
operações como essa caiu 51% na comparação com a média entre 2014 e 2018. As
cenas do maquinário em chamas no Pará —
e de um garimpeiro dizendo-se motivado pelo atual governo — desencadearam uma
crise instantânea.
O
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demitiu o diretor de Proteção
Ambiental do IBAMA, Olivaldi Azevedo, dias
depois. Desde então, há uma disputa nos bastidores entre servidores de carreira
(concursados, com perfil técnico) e comissionados (indicações políticas). 15
dias depois, os embates resultaram na demissão de dois chefes de fiscalização,
agentes de carreira, envolvidos nas operações no Pará.
“As
demissões deixam nítido como há uma pressão para deixarmos de fazer, para não
fiscalizar. Isso gera desconfiança e muito mais trabalho para o Estado como um
todo”, diz um fiscal do IBAMA. A agência foi uma das que passaram por uma
ampla militarização desde a posse de Jair Bolsonaro.
O desmatamento causa
por garimpeiros na Amazônia aumentou
quase 25% de 2018 para 2019, segundo relatórios obtidos pelo jornal O
Globo. A área mais atingida fica no oeste do Pará, palco de
outras operações conjuntas entre IBAMA, ICMBio e Polícia
Federal, justamente para desativar garimpos.
Maquinário de garimpo ilegal
incendiado por fiscais do IBAMA no Pará.
Emparedado,
o IBAMA também sofre com outras escolhas do atual
governo. Hoje, a gestão de Jair Bolsonaro protela
a contratação de quase 900 servidores, muitos deles fiscais.
De
acordo com o Ministério do Planejamento, em março de 2020 o IBAMA tinha
9% dos seus agentes no grupo de risco (com 51 anos ou mais). Com servidores
mais velhos, aumentam as restrições durante a pandemia.
As operações acontecem frequentemente em locais afastados, com infraestrutura
de saúde precária, por vezes em terras indígenas com povos isolados.
“O
governo não definiu normas para fiscalizações [em campo] durante a pandemia,
nos sentimos desprotegidos. Faltam kits de EPI [Equipamento
de Proteção Individual] para os agentes, normalmente deslocados
de outras regiões do país”, disse outro agente.
Procurado
pela Mongabay, o IBAMA disse
que os agentes devem seguir as orientações do Ministério
da Saúde, e que “cada superintendência [estadual] foi incumbida
de providenciar Equipamentos de Proteção
Individual para seu quadro de fiscais”, sem informar a
quantidade de kits à disposição.
Junto
ao Tribunal de Contas da União, o Ministério
Público alega que a defasagem de fiscais se arrasta há
anos. O último concurso para admissão de agentes aconteceu em 2014. Desde
então, o desmatamento sobe e as multas caem — foram 34% a menos em 2019, na
comparação com o ano anterior.
“Há
métodos eficazes para fiscalizarmos remotamente, com imagens de satélite,
cruzando dados de propriedades. Mas não é o suficiente”, diz um agente. “Só
indo a campo é que podemos apurar quem contratou o serviço,
quem alugou o maquinário pesado, quem está realmente investindo
no crime”, complementa.
Para
piorar, o estresse cresce entre os agentes em atividade. Já em maio, um fiscal
do IBAMA foi atacado por madeireiros próximo ao
município de Uruará, no Pará.
A multidão não se conteve nem mesmo pela presença da Força
Nacional durante a abordagem, em plena floresta. O
município é vizinho à Terra Indígena Cachoeira Seca, a 3ª mais desmatada
no país entre agosto de 2018 e julho de 2019.
A
escalada nas tensões contra agentes ambientais se alastra pelo país. Em São
Paulo, garimpeiros ilegais atacaram uma equipe de policiais
no Parque Estadual Intervales, no Vale
do Ribeira – lugar de origem de Jair
Bolsonaro. A emboscada durou mais de 12h. Da equipe
atacada, Luís Soares de Lima saiu ferido com um tiro na perna
e Damião Cristino de Carvalho Júnior morreu com um
tiro na cabeça – os dois são vigias na reserva.
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Em
2019, um terço do desmatamento — e do fogo — ocorreu em
terras griladas.
Para
pesquisadores, a lógica por trás dos desmatamentos na Amazônia pouco
mudou nos últimos seis meses. Não apenas os alertas do INPE seguem
em alta como ainda há muitas toras derrubadas há meses, à espera do fogo.
Durante
o Carnaval de 2020, o IBAMA afrouxou
as normas para exportação de madeira, um estímulo extra à destruição ambiental.
Para o Ipam, é um cenário propício para queimadas fora
de controle, como as ocorridas no segundo semestre de 2019.
O
instituto analisou a última crise com a expectativa de antever riscos do novo
ciclo. Entrecruzando dados de propriedades e focos de calor, o Ipam aponta
a relevância da invasão de terras no caso: áreas griladas concentraram 30% dos
incêndios em 2019.
“Nas
áreas públicas e sem informação [sobre propriedade] o fogo foi fruto
do desmatamento para a posse ilegal, para especulação imobiliária”,
aponta o estudo. Para Paulo Moutinho, o padrão se mantém — como a alta
do desmatamento no primeiro trimestre sugere.
Segundo
o Ipam, entre janeiro e março de 2020, as áreas públicas
respondem por 33% do desmatamento, quando em 2019 eram responsáveis por
22%. “Há muita concentração [de desmate] em terras públicas, como florestas não
destinadas pelo governo, e aumento das invasões, com acenos para a
regularização das grilagens vindos do governo federal”, diz o
pesquisador.
“Quem
financia o desmatamento paga caro, algo em torno de R$ 1.000
por hectare. Na ótica deles não há dúvida: o que não virou cinzas no ano
passado precisa queimar o quanto antes”, afirma Moutinho.
Mais queimadas também
significam mais problemas para a saúde pública.
A última crise disparou as internações, em especial a de crianças, nas redes
privada e pública. É possível uma explosão de casos de complicações
respiratórias em todo o continente. Em 2019, a fumaça vinda da floresta transformou
o dia em noite em São Paulo, no
sudeste, e cobriu metade da Argentina e
do Uruguai.
Na
floresta, o sistema público está praticamente colapsado em estados como Amapá,
Amazonas e Pará em decorrência do surto de infecções pelo novo coronavírus.
Faltam leitos para pessoas com dificuldades respiratórias e até mesmo
equipamentos, como ventiladores mecânicos.
A
preocupação aumenta em relação a idosos e pessoas com doenças crônicas, como
asma e outras síndromes inflamatórias, mais vulneráveis à Covid-19.
“Há previsões de menos chuva e maior temperatura no Acre e
no sul do Amazonas [para 2020]. Com mais fogo, naturalmente
aumentam os casos de intoxicação por causa da fumaça. É uma receita
preocupante”, diz Paulo Moutinho. (ecodebate)
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