Ultrapassar
o ponto de inflexão que transformaria a Floresta Amazônica em uma savana seria
“catastrófico” para os principais setores da economia brasileira, alertam
especialistas. Os impactos alcançariam, sobretudo, o agronegócio e a geração de
energia, e poderiam repercutir na segurança alimentar internacional.
A abundância
natural de água no bioma amazônico beneficia com regularidade a
agricultura, o transporte de commodities pelos rios brasileiros e a produção de
energia elétrica em inúmeras usinas ao longo dos rios que cortam a vasta
região. Agora, porém, o ciclo hidrológico da Amazônia está sob ameaça.
A
água sempre foi o sangue que dá vida à floresta tropical. Ela se infiltra
no solo e nos aquíferos, flui pelos rios, sobe pelas árvores e se desloca pelo
céu. O Rio Amazonas, alimentado por seus afluentes, derrama
impressionantes 17 bilhões de toneladas de água no Oceano Atlântico por dia.
E, num dia de sol, as árvores da região lançam outras 20 bilhões de toneladas
no ar por meio da evaporação – um fluxo de umidade apelidado de “rios
voadores”. É assim que a floresta
úmida garante o regime pluviométrico em enormes áreas
da América do Sul, inclusive nas sedentas
metrópoles brasileiras.
Os
cientistas há tempos vêm alertando, porém, que, se passarmos do limiar crítico
– um ponto de inflexão causado pelas mudanças climáticas regionais e
globais, o aumento do desmatamento e a intensificação dos
incêndios florestais –, as florestas podem começar a se autodestruir. Estudos revelam
que há risco de até 70% da Floresta
Amazônica se transformar em área seca e degradada de
savana ou vegetação rasteira num prazo de 50 anos.
Principais
pontos de degradação florestal na Amazônia em 2019.
Ponto de inflexão deve impactar ecossistemas e
economias
A Floresta
Amazônica e sua biodiversidade dependem de uma quantidade assombrosa de
chuva para prosperar. Por isso, o agravamento das secas afeta boa parte
da economia brasileira, baseada em
commodities. A morte da maior floresta tropical do planeta teria imensas
repercussões econômicas para o agronegócio e as usinas hidrelétricas. A Mongabay conversou com
importantes cientistas que estudaram os efeitos de uma mudança épica no maior
ciclo hidrológico do mundo. O cenário é preocupante.
Em
primeiro lugar, alguns rios importantes da Bacia Amazônica - Xingu, Tapajós e Madeira entre eles - podem ter sua vazão reduzida drasticamente na estação seca, o que não
impactaria apenas projetos ambiciosos de hidrelétricas, mas também operações de mineração que
dependem das usinas para obter energia. Além disso, os cursos d’água se
tornariam menos navegáveis para o transporte de minério e soja. As economias
regionais seriam igualmente afetadas, prejudicando comunidades indígenas e
tradicionais que dependem dos rios para pescar, beber água e se deslocar.
Área
desmatada (em km2) em períodos entre agosto e janeiro nos últimos 12
anos.
No
longo prazo, a economia do país pode sofrer bastante se medidas não forem
tomadas com urgência para evitar o ponto de inflexão. Em 2019, as exportações agrícolas do Brasil ultrapassaram
US$ 80 bilhões, com soja e açúcar entre os produtos
mais vendidos. O agravamento das secas pode fazer com que as lavouras de soja em áreas de baixo
risco sejam reduzidas 40% em 50 anos.
Para
reverter a tendência atual, é preciso conter as emissões globais de
carbono e o desmatamento na Amazônia, e adotar a partir de já um
ambicioso plano de reflorestamento, analisa o cientista climático Carlos Nobre.
Em
vez disso, o governo brasileiro caminha na direção contrária. No primeiro ano
do presidente Jair Bolsonaro no poder, o desmatamento atingiu seu
maior nível em 11 anos. Programas de contenção do problema tiveram pessoal e
verbas cortados, assim como foram flexibilizadas regras para a exportação de
madeira. Os primeiros levantamentos atestam que a derrubada da floresta
continua em ritmo acelerado em 2020.
Embora
as políticas de desenvolvimento radicais de Bolsonaro para a Amazônia possam fazê-lo
ganhar pontos com agropecuaristas em busca de lucro rápido, tais iniciativas
podem incentivar o aumento do desmatamento e apressar o ponto de inflexão – o
que seria devastador para a economia brasileira.
“O Brasil deveria ser o país que mais luta [para proteger a Amazônia], porque é quem tem mais a perder”, diz Nobre.
“O Brasil deveria ser o país que mais luta [para proteger a Amazônia], porque é quem tem mais a perder”, diz Nobre.
Rio
Tapajós, um dos milhares de cursos d’água que alimentam a Bacia Amazônica.
(ecodebate)
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