Desmatamento no Brasil é
'inaceitável' e 'muito maior' do que em outros países, dizem especialistas.
Regras ambientais frouxas
incentivam desmatamento, que deve ser controlado por meio de fiscalização e
criação de alternativas sustentáveis para o produtor rural, disseram à Sputnik
Brasil especialistas no tema.
Na famosa reunião ministerial
de 22 de abril, que teve conteúdo liberado pela Justiça, o ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, disse que era preciso se aproveitar da atenção
voltada para a crise do coronavírus para passar a "boiada" nas regras
ambientais para flexibilizá-las.
Às vésperas do Dia Mundial do
Meio Ambiente, a visão de que o Brasil possui normas ambientais rígidas demais
é refutada por grande parte dos ambientalistas e cientistas. Segundo o membro
do Observatório do Clima e coordenador do projeto MapBiomas, Tasso Azevedo, o
país possui o "beabá" para controlar a destruição do meio ambiente,
mas não aplica as leis existentes.
"Temos o Plano de Ação
para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que infelizmente
está desativado desde 2014", diz Azevedo, que aponta para um dado
impressionante: "99% do desmatamento no Brasil é ilegal, sendo que 75% é
em propriedades inscritas no CAR [Cadastro Ambiental Rural, sistema obrigatório
para todas as propriedades]".
A líder de ciências da ONG
The Nature Conservancy, Edenise Garcia, afirma que é preciso "comando e
controle" para coibir o desmatamento, mas também criar "alternativas
sustentáveis, com apoio e assistência ao pequeno produtor".
Relatórios apontam
desmatamento alto
Relatórios recentes sobre o
desmatamento no Brasil e no mundo mostram que a destruição de florestas no país
permanece em níveis preocupantes. No dia 26 de maio, o projeto MapBiomas lançou
o primeiro Relatório Anual do Desmatamento, apontando que o Brasil perdeu, em
2019, pelo menos 1.218.708 hectares de vegetação nativa, área equivalente a
oito vezes o município de São Paulo.
Ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, disse que, enquanto atenção da imprensa estavam voltadas para
coronavírus, era preciso "ir passando a boiada e mudando todo o regramento
e simplificando normas".
O estudo foi feito a partir
do sistema MapBiomas Alerta, mecanismo de validação e refinamento de alertas
para desmatamento e degradação da vegetação nativa gerados pelos sistemas
Deter-B, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), SAD, da Imazon, e
Glad, da Universidade de Maryland, que utilizam imagens de satélites.
"O projeto MapBiomas
detalha com mais precisão esses alertas de desmatamento, para verificar o que
representam exatamente. Não necessariamente se trata de desmatamento. Dos 170
mil alertas emitidos em 2019, validamos 56 mil", afirma Azevedo.
Brasil responde por um terço
da perda de florestas virgens no mundo
Global Forest Watch divulgou
seu relatório anual, que utiliza dados da Universidade de Maryland. Segundo o
documento, o Brasil foi responsável em 2019 por ⅓ do desmatamento em florestas
primárias tropicais do mundo, que são aquelas afetadas o mínimo possível pela
ação humana, concentrando mais biodiversidade e armazenando mais carbono.
Ao todo, o país destruiu
1.361.000 milhões de hectares de um total de 3,8 milhões de hectares perdidos
ao redor do planeta.
O aumento de 2018 para 2019
foi modesto, após os picos captados em 2017 e 2018. Os especialistas, no
entanto, indicam que a perda de vegetação está aumentando nos últimos anos,
como indicam números de outros sistemas, como o Deter-B e o Prodes, do Inpe.
"O desmatamento na
Amazônia apresenta um forte crescimento desde agosto de 2018", alerta
Azevedo. "Sob qualquer aspecto, a ordem de grandeza do desmatamento no
Brasil é muito maior do que nos outros países", afirma o coordenador do
MapBiomas.
Terras indígenas ameaçadas
Segundo os especialistas, as
variações de resultados entre os relatórios é fruto de critérios diferentes de
leitura de dados. No caso da Global Forest Watch, a entidade aponta como perda
de vegetação nativa também a degradação da floresta, que não se configura como
desmatamento segundo outros sistemas.
"Vem ocorrendo uma perda
acentuada de floresta desde o ano passado. E em 2020, esse desmatamento vai ser
maior. Os números são inaceitáveis. O último ano em que tivemos um desmatamento
menor foi em 2012, quando a perda foi de 300 mil hectares", diz Edenise.
O Global Forest Watch apontou
um fenômeno captado pelo especialista. A expansão da fronteira do desmatamento
para áreas indígenas e protegidas, ameaçadas pela apropriação ilegal de terras
e atividades como a mineração. A organização aponta como exemplos as áreas
indígenas Trincheira/Bacajá, Mundukuru e Kaiapó, todas no Pará.
"Não que antes não
houvesse desmatamento nessas áreas, mas sempre foi mais baixo. Áreas protegidas
e indígenas servem como uma barreira para a destruição da floresta", diz
Edenise, que cobra uma "sinalização" do governo para evitar a
destruição dos territórios.
Remando na direção contrária, o presidente Jair
Bolsonaro anunciou Projeto de Lei que permite a mineração e a exploração
comercial em terras indígenas.
Vista aérea da aldeia Rapkô,
dos índios Xikrins, na Terra Indígena Trincheira Bacajá, em São Félix do Xingu,
no Pará, que teve parte de sua área invadida e desmatada por grileiros.
Impacto das queimadas foi
minimizado
O relatório da Global Forest
Watch traz ainda um dado que pode surpreender quem acompanhou as notícias sobre
a Amazônia em 2019: as queimadas não foram responsáveis pela maior parte do
desmatamento de floresta primária, e sim atividades como grilagem, criação de
pasto e abertura de terras para agricultura.
A entidade explica que,
apesar da região ter registrado recorde de focos de incêndio em meados do ano
passado, a ausência de seca e a atenção mundial gerada pelas queimadas, com as
consequentes medidas preventivas, evitaram o pior.
Ambientalistas apontam que as
queimadas são, na verdade, um sintoma de um desmatamento que ocorre antes, e
aos poucos, com o corte de árvores para abrir áreas para exploração fundiária
ou atividades econômicas, culminando, como última etapa, nos incêndios.
Para Tasso Azevedo, a "moratória do
fogo" decretada pelo governo em agosto do ano passado, quando um decreto
proibiu as queimadas em propriedades por 60 dias, ajudou a fazer os incêndios
caírem para "um recorde negativo em outubro".
Brasil lidera o desmatamento
de florestas tropicais.
Segundo ele, o mesmo deveria
ser feito agora. "Neste ano tinha ser feita nova moratória. Não pode
esperar. A região está cheio de material combustível pronto para queimar. E o
fogo, que causa aumento de problemas respiratórios, pode vir junto com o
coronavírus", afirmou.
'Apoio ao pequeno produtor'
Para evitar o desmatamento,
Azevedo aponta ainda que é preciso punir quem derruba a floresta. "Se o
risco de ser pego é alto, o desmatamento cai. O governo, instituições
financeiras e empresas precisam dar sinais claros: o desmatador tem que receber
multas, embargos e perder créditos", opina.
Para Edenise Garcia, as soluções
para controlar o desmatamento são simples, "difícil é conseguir
implementá-las e conscientizar as pessoas". Como exemplo, ela cita o
projeto Cacau Floresta, que auxilia pequenos proprietários do Pará a manter a
floresta em pé e, ao mesmo tempo, produzir e chegar aos mercados.
"Basta dar assistência
técnica e apoio ao pequeno produtor. Também não é preciso derrubar mais
florestas para a agricultura e pecuária. Tem muito pasto degradado que pode ter
uso convertido para plantio de soja, por exemplo. Na pecuária, há subutilização
do solo e é possível intensificar a produção, ao invés de uma cabeça de gado
por hectare, dá para colocar três", diz.
Conselho
da Amazônia e a Força Nacional Ambiental tentam corrigir equívocos.
A
criação também tenta melhorar a desgastada imagem do Brasil no exterior.
Especialistas se dividem entre céticos e otimistas. (sputniknews)
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