Artigo de Lucas Mastellaro
Baruzzi*, Jeferson Manhae** e Thiago Munhoz Agostinho***
Na esteira das iniciativas do
Pacto Ecológico Europeu lançadas pela União Europeia para conter as mudanças
climáticas e conservar os recursos naturais, o Reino Unido anuncia uma força
tarefa para implementar 14 ações prioritárias para conter o desmatamento ilegal
a nível global. Com isso, visa contribuir para alcançar sua meta de
neutralidade de emissões de CO2 até 2050. A principal é implementar
um sistema de verificação para impedir a comercialização de commodities
agrícolas provenientes de áreas de desflorestamento ilegal – as chamadas
“forest risk commodities”.
A iniciativa deve ser
interpretada tendo em vista o novo protagonismo que o Reino Unido pretende
exercer externamente: efetivado o Brexit, o país volta a ser independente na
definição de suas políticas públicas internas e a disputar influência global de
temas como meio ambiente, segurança e comércio exterior. O Reino Unido terá, já
no curtíssimo prazo, duas oportunidades para essa diplomacia pós-Brexit: em
maio de 2021, participará da Convenção da Diversidade Biológica (a COP15, em
Kunning, na China); e, em novembro do mesmo ano, será anfitrião da COP26 na
cidade de Glasgow (a próxima conferência da ONU para a Convenção do Clima).
Internamente, o pontapé para
ações concretas foi dado: encontra-se em consulta pública uma proposta para
obrigar que empresas adotem um sistema de controle de origem de produtos
agrícolas que distribuem ou comercializam, sob pena de multa e sanções civis. A
consulta é promovida pelo Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos
Rurais (ou DEFRA, na sigla em inglês).
Faz parte da tradição política e jurídica britânica se apoiar na capacidade e liberdade privadas para implementar as ações necessárias, cabendo ao Estado definir e fiscalizar os standards a serem observados. Precedente semelhante é a legislação sobre a cadeia de produtos madeireiros, que proíbe a colocação no mercado de produtos cuja origem seja de extração ilegal (o Forest Law Enforcement, Governance and Trade – FLEGT).
A proposta em consulta pública tornaria ilegal a utilização, por empresas, de commodities agrícolas por que não foram produzidas de acordo com a legislação do seu local. Para garantir a origem legal de tais commodities, as empresas seriam obrigadas a conduzir due diligences (ou seja, verificações conjuntas) junto aos seus fornecedores para garantir que o produto não seja proveniente de área de desmatamento ilegal. As commodities agrícolas alvo são aquelas que o Reino Unido mais consome: proteína animal, couro, cacau, óleo de palma, papel e celulose, madeira, borracha e soja.
Outra característica
importante da legislação em estudo é a definição abrangente do que se entende
por commodity agrícola, bastando que tenha sido colocada no mercado Britânico
pela empresa – quer o produto esteja in natura (grãos, carnes), quer
incorporado a algum produto final (por exemplo óleos vegetais, estofados de
couro em veículos, cosméticos, alimentos).
O Reino Unido sabe que essas
commodities agrícolas fazem parte de cadeias globais de produção e que, para
banir de seu mercado interno a chegada de produtos que tenham uma origem
ilegal, precisará alcançar os países fornecedores. Portais de grande audiência
(The Independent, Bloomberg) e iniciativas especializadas (sites de
monitoramento de produtos agrícolas) repercutiram a abrangência da iniciativa,
chamando-a de uma repressão contra atividades ilegais em cadeias globais.
Em que pese a iniciativa
britânica se tratar ainda de uma consulta inicial, reflexos possivelmente serão
sentidos no Brasil e empresas terão que se adaptar para continuar integradas ao
comércio internacional com o Reino Unido. Ilustrativo desse desafio é o estudo recém-publicado
na revista Science, segundo o qual aproximadamente 20% das exportações
brasileiras de proteína e soja são provenientes de áreas desmatadas
ilegalmente.
As contribuições recebidas,
no âmbito da consulta pública em andamento, irão influenciar a visão do DEFRA
sobre o assunto, que, posteriormente, poderá propor uma legislação específica.
Embora ainda não se conheça
as contribuições enviadas até aqui, algumas questões centrais podem ser
antecipadas: o perfil das empresas obrigadas a conduzir as verificações a
periodicidade e forma com que as informações deverão ser prestadas, bem como
seu grau de acesso público; delimitação da extensão das due diligences a serem
conduzidas na cadeia; o rol de leis locais abrangidas; a adoção ou não de uma
lista de produtos que possuem commodities agrícolas incorporados; a definição
de outras sanções civis a serem estabelecidas.
Encerrada a consulta pública,
caso o governo decida prosseguir, uma proposta de lei será apresentada,
estabelecendo as obrigações legais e quais empresas estarão obrigadas a
atendê-las. Posteriormente, uma norma regulamentadora deve definir os detalhes
necessários para a implementação da lei.
**Jeferson Manhaes é
especialista na intersecção entre Inovação e Sustentabilidade, mestre em
Relações Internacionais (Sorbonne), mestrando em Ecoinovação (Paris-Saclay),
possui longa experiência internacional, atuando atualmente na co-criação de
soluções que impactam tecnologia e meio ambiente.
***Thiago Munhoz Agostinho é
advogado (PUC-SP), especialista em Direito Tributário (FDUSP), sócio de
Buccioli | Braz de Oliveira | Agostinho Advogados Associados. Atua em temas
regulatórios, assessorando empresas, principalmente italianas, de grande, médio
e pequeno porte. (ecodebate)
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