sábado, 31 de outubro de 2020

Entenda causas e consequências dos incêndios no bioma

Pantanal: entenda as causas e consequências dos incêndios no bioma.

Especialistas da The Nature Conservancy Brasil explicam por que o atual volume de queimadas não pode ser considerado "normal" e apontam prejuízos à biodiversidade.
Cinco perícias realizadas pelo Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman/MT) apontaram ação humana como causa da origem das queimadas na região do Pantanal.

Todo ano nos deparamos com queimadas e incêndios que ocorrem principalmente nos biomas Cerrado e Amazônia. A cada estação seca que chega, vemos as imagens fortes de áreas em chamas, bichos morrendo, pessoas sendo afetadas. Neste ano, a esses dois biomas adiciona-se o Pantanal, com quase um quinto de seu território de 15 milhões de hectares afetado pelo fogo.

O Pantanal é uma extensa planície de inundação cuja maior parte está localizada no Brasil, mas também compreende terras na Bolívia e no Paraguai. Longe de ser uma unidade homogênea, cada região do Pantanal tem suas próprias características de vegetação e ritmo de inundações, como Nabileque, Rio Negro, Nhecolândia, Paraguai, Miranda, Melgaço, entre outras. De forma geral, existem um ou mais pulsos de inundação durante o ano que fazem com que os rios extravasem suas calhas e inundem extensas regiões.

Área queimada no Pantanal no primeiro semestre de 2016 a 2020. Elaborado pela TNC a partir de dados do INPE (área queimada) e IBGE (limite do bioma).

Entre janeiro e junho deste ano, de acordo com dados do Centro de Arquivo Ativo e Distribuído de Processos Terrestres (LP DAAC) da Nasa, 330 mil hectares do Pantanal foram queimados, quase o dobro da área afetada pelo fogo no primeiro semestre de 2019 e 30% mais que a soma de toda área queimada no mesmo período entre 2016 e 2019 (como pode ser visto no gráfico acima).

E o cenário entre julho e setembro parece ser muito pior, com uma área queimada estimada em mais de dois milhões de hectares, já que, nesse período, a seca, os ventos e a ação humana tendem a ser mais acentuados. De fato, o número de focos de calor desde o início de julho (conferir gráfico abaixo) já é três vezes maior que o observado em 2019 e cinco vezes maior que a média de focos de 2016 a 2019, segundo dados coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) até 20/09/20.

Mas por que isso ocorre? Quais são as consequências? Todo fogo é igual? As respostas a essas perguntas são fundamentais para entender esse problema complexo e de grande impacto que tem se exacerbado não apenas no Brasil, mas em muitas partes do mundo.

Por que o fogo ocorre?

Número de focos de calor no Pantanal entre julho e setembro de 2016 a 2020. Elaborado pela TNC a partir de dados do INPE (área queimada) e IBGE (limite do bioma).

Sempre que houver acúmulo de combustível e condições meteorológicas favoráveis há o risco de ocorrência de fogo. O combustível geralmente é composto por restos vegetais secos, incluindo tanto folhas mortas quanto capim vivo, e material lenhoso fino, como galhos e gravetos. Já as condições meteorológicas estão relacionadas a longos períodos de estiagem, com queda da umidade relativa, altas temperaturas e, para piorar, ventos fortes ou constantes. Mas o fogo só vai ocorrer se houver uma fonte de ignição. Fogo de origem natural é pouco provável e pode estar associado à combustão espontânea, um evento extremamente raro, ou a descargas elétricas (raios), nas transições de estações ou nos “veranicos”, períodos curtos de seca que ocorrem no meio de estações chuvosas. Portanto, de longe a mais importante causa de ignição de fogo é o homem, seja por ação intencional ou acidental.

Todo fogo é igual?

Não, os efeitos do fogo variam segundo suas características – como intensidade e persistência –, assim como em função de sua recorrência e, acima de tudo, com o tipo de ambiente impactado. Existem diferentes resistências e resiliências em relação ao fogo. Lembrando que a resistência ao fogo é o conjunto de características microclimáticas e da vegetação que impedem ou reduzem em muito sua ignição e propagação. Já a resiliência ao fogo é a capacidade do ambiente queimado retornar ao mesmo estágio de organização após a ocorrência de uma queimada.

Assim, uma floresta úmida, como a que encontramos em grande parte da Amazônia e Mata Atlântica, em condições normais, dificilmente queimaria. Nesses ambientes os organismos não possuem adaptações de proteção ao fogo e, caso isto ocorra, os danos são extensos e a recuperação pode levar dezenas de anos para acontecer. Essas áreas são consideradas como sensíveis ao fogo (veja mapa abaixo). O Cerrado e o Pantanal possuem vegetações mais resilientes e, consequentemente, menos sensíveis. No entanto, de acordo com a severidade, o fogo pode alterar a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas nesses biomas.

A segunda distinção dos efeitos de fogo diz respeito à época de ocorrência. Quanto mais seco, quente e ventoso o momento da queima, mais intenso e danoso é o fogo. E é justamente na época seca que o fogo associado à limpeza de pastos, preparo de plantios e desmatamentos é mais frequente, e quanto mais tempo uma área recém-queimada fica exposta ao tempo seco, piores as consequências para a rebrota da vegetação e para a fauna.
Classificação de resposta ao fogo da vegetação brasileira baseada na sensibilidade e capacidade de resiliência da vegetação predominante. Adaptado a partir de Hardesty et al. (2005).

O fogo natural, por sua vez, ocorre em períodos de clima mais ameno e com grande possibilidade de chuva logo após o evento de queima; por essa razão tende a ser mais brando e menos extenso, possibilitando a recuperação rápida da vegetação, sem afetar profundamente os habitats nem a oferta de alimento para a fauna.

O terceiro fato a se observar em relação aos efeitos do fogo é a sua recorrência, pois pode haver efeitos cumulativos relacionados à frequência ou ao intervalo de tempo entre as queimadas. Queimadas frequentes tendem a selecionar as espécies mais resistentes e eliminar as mais sensíveis. Intervalos curtos de queima podem interferir nos processos de floração, frutificação e estabelecimento de plântulas, alterando a estrutura da vegetação, eliminando, por exemplo, as árvores e tornando a fisionomia mais campestre.

Quais as consequências do fogo?

Os primeiros efeitos do fogo são os mais evidentes: a elevação da temperatura e a queima do combustível. Os efeitos imediatos do aumento de temperatura podem ser fatais para a própria vegetação e para animais que não conseguem fugir ou não apresentam proteções especiais. Já a queima do combustível transforma a biomassa em fumaça e cinza.

No curto prazo, até pode haver uma fertilização, principalmente pela mudança do pH, mas em incêndios mais severos, além da produção intensa de dióxido de carbono (CO2) e monóxido de carbono (CO), os nutrientes voláteis — principalmente nitrogênio, fósforo e enxofre — literalmente vão embora na fumaça. Nas cinzas ficam parte da celulose queimada parcialmente e alguns nutrientes não voláteis, como o potássio. Esses nutrientes perdidos tendem a voltar com o tempo, seja pela atividade biológica (nitrificação) ou pela água das chuvas, que carrega pequenas porções dos nutrientes exportados pela queima.
Detalhe do solo do Pantanal com brasa na luva de um bombeiro do Mato Grosso do Sul durante combate a focos de incêndios no Pantanal em julho.

Após um fogo severo, a perda de parte ou totalidade da vegetação superficial muda de forma significativa o balanço de energia da área. As cinzas escuras ajudam a absorver o calor do sol e as temperaturas do solo podem se elevar de forma significativa, aumentando a evaporação de qualquer água que ainda reste no solo. Em ambientes florestais, após o fogo, a entrada de luz também altera o microclima, facilitando a propagação de espécies invasoras e alterando a composição da flora. As transformações na vegetação do pós-fogo afetam diretamente a fauna que conseguiu sobreviver às chamas.

Esse entendimento da dinâmica do fogo e das respostas dos diferentes sistemas naturais é fundamental para o estabelecimento de linhas de ação de comando e controle bem estruturadas para evitar incêndios criminosos, assim como de ações de prevenção. O bom manejo das terras agrícolas, seja de pasto plantado, ou seja, de agricultura, evita o uso do fogo, como indicam estudos sobre alternativas a queimadas. Além disso, as áreas de vegetação natural no Cerrado e Pantanal podem ser manejadas para evitar o acúmulo de combustível e incêndios devastadores.

Não é porque o fogo ocorre todos os anos que ele deve ser visto num contexto de normalidade. Ao contrário, o aumento na frequência de incêndios severos atingindo áreas cada vez maiores deve soar um alarme, sobretudo porque esse cenário é resultado da ação humana. Esses incêndios tendem a se tornar cada vez piores devido ao aumento da temperatura e dos períodos de seca em boa parte do território brasileiro como resultado das mudanças climáticas que estão sendo aceleradas por estes mesmos incêndios. (globo)

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