Somente os números absolutos do desperdício de alimentos já são alarmantes, contudo, há uma série de desperdícios embutidos que anuviam ainda mais o cenário global. A cadeia de produção e distribuição de alimentos necessita de água, terra, adubos minerais, pesticidas, energia elétrica e combustíveis fósseis. O alimento que vai para o lixo enterra junto com ele todos esses recursos que foram consumidos durante o seu processo de produção e causa impactos ambientais na atmosfera e na biodiversidade.
Os custos ambientais do desperdício de alimentos não será sentido somente pelas próximas gerações em virtude da escassez dos recursos naturais e da degradação do meio ambiente, que invariavelmente ocasionam impactos no clima, mas já são pagos hoje pela sociedade. Além de US$ 1 trilhão de custos econômicos por ano, a FAO estima que os custos ambientais e os custos sociais do desperdício de alimentos alcançam US$ 700 bilhões e US$ 900 bilhões, respectivamente. Na somatória da tríade de custos - econômicos, ambientais e sociais, a estimativa total do desperdício de alimento gira em torno de US$ 2,6 trilhões por ano, o que equivale ao PIB do Reino Unido - quinta maior economia do mundo.
“A lógica é essa: quanto mais alimento é jogado no lixo, mais alimento
precisa ser produzido para repor aquele
que foi posto fora. Portanto, mais recursos naturais precisam ser usados para
isso”, problematiza a pesquisadora Milza Moreira Lana, que estuda a temática e
trabalha na área de pós-colheita na Embrapa Hortaliças, em Brasília/DF. Junto
com a comida, também está indo para o lixo a água e as terras agricultáveis
utilizadas no processo de produção dos alimentos.
Se, por um lado, a demanda crescente por alimentos tem fomentado a pesquisa agropecuária e exigido novas tecnologias para os produtores obterem maior produtividade por área plantada, por outro, o desequilíbrio na equação “produção x consumo” causado pelo desperdício faz com que o setor produtivo precise recorrer à expansão das lavouras em áreas de vegetação nativa e de preservação. Assim, aumentam as perdas de biodiversidade, os processos erosivos no solo e a contaminação do ar e lençóis freáticos por pesticidas e adubos minerais.
As fontes minerais de fósforo e potássio, principais nutrientes dos adubos químicos, são finitas no planeta. O pesquisador Juscimar Silva, da área de Nutrição de Plantas da Embrapa Hortaliças, explica que, ao descartar qualquer alimento, em especial as hortaliças, deixa-se de aproveitar os minerais contidos nos resíduos. Ele sugere a técnica da compostagem para aproveitar esses nutrientes e torná-los disponíveis novamente para a planta. “A compostagem converte resíduos em compostos orgânicos ricos em nutrientes, substâncias húmicas e carbono, que servem de fertilizantes para as plantas. Pode-se dizer que é um sistema da mesa para a mesa, com impactos positivos diretos na sustentabilidade”, anota Silva, ao destacar que a compostagem evita que resíduos causem contaminação de solos e aquíferos.
O desperdício da água utilizada para irrigar cultivos agrícolas que
resultam em lixo, e não em alimento, também é repreensível se se
considerar as constantes crises
hídricas e os conflitos existentes
ao redor do mundo por causa desse insumo cada vez mais escasso no planeta. A
legislação brasileira, por exemplo, prevê que o uso prioritário da água, em
situações de escassez, deve ser o consumo humano e a dessedentação de animais.
Sendo assim, o desabastecimento pode ter implicação direta nas atividades
econômicas sejam industriais ou agrícolas. Além de terra e água, ao longo da
cadeia também foram perdidos os combustíveis fósseis para transporte e a
energia elétrica para refrigeração de produtos que, no fim de todas essas
etapas, foram convertidos em lixo e não em alimento.
“Contabilizar todos os custos implicados no
desperdício de alimentos amplia nossa compreensão do sistema alimentar e traz mais clareza para a discussão dos
impactos do desperdício na sociedade. É claro que desperdiçar alimentos é censurável
porque enquanto há comida indo para o lixo, há pessoas passando fome. O
desperdício também pode contribuir para aumentar o preço e tornar o alimento
menos acessível para a população de baixa renda”, avalia Milza ao acrescentar
que, ainda assim, não se pode concluir que a fome automaticamente é reduzida
com um menor desperdício de alimentos, pois há componentes mais complexos nessa
questão. Na atualidade, por exemplo, as regiões do mundo que mais sofrem com
insegurança alimentar são zonas de conflito civil e instabilidade social,
enquanto as regiões que mais desperdiçam alimentos são os países mais ricos
onde a população tem acesso aos alimentos na quantidade necessária.
Ao inserir a problemática do
desperdício de alimentos com base nas questões estruturantes e nas deficiências
da cadeia produtiva e de suprimentos, nota-se que nos países em
desenvolvimento as perdas estão concentradas nos estágios que antecedem o
consumo: produção, pós-colheita, processamento, distribuição e varejo. Já nos
países desenvolvidos despontam os percentuais de desperdícios no varejo e no
consumo.
Milza explica que o Brasil
apresenta características desses dois grupos de países, devido ao contraste
socioeconômico entre as regiões do País: “Há perdas concentradas no início da
cadeia, devido a problemas na pós-colheita, como também uma fatia considerável
de alimentos jogados no lixo pelos próprios consumidores após a compra ou o
preparo”. Estimativas da FAO para a América Latina sugerem que 230 quilos
de alimentos são desperdiçados por pessoa todos os anos.
“Existem providências
específicas que devem ser tomadas por cada agente responsável por esses
números: governantes, agricultores, comerciantes e indústria alimentícia.
Contudo, os consumidores não podem ficar alheios a sua parcela de responsabilidade e devem ser sensibilizados para contribuir com a
redução do desperdício”, opina a pesquisadora.
O desperdício na ponta do lápis do consumidor
Em primeiro lugar, o que fica mais evidente é que, ao jogar fora o alimento comprado, o consumidor está desperdiçando também seu próprio dinheiro. Muito provavelmente, as pessoas ficariam espantadas se calculassem os preços pagos pelos alimentos que, poucos dias depois, foram parar no lixo.
Os resultados da Pesquisa de
Orçamentos Familiares (POF) realizada pelo IBGE, em 2008/2009, indicaram que
aproximadamente 25% do orçamento familiar é destinado à alimentação. Agora
façamos uma conta rápida: segundo o mesmo instituto, na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua, o rendimento mensal domiciliar per capita do
brasileiro em 2016 foi de R$ 1.226,00. Logo, uma família de cinco pessoas, com
renda mensal de R$ 6.130,00, gasta R$ 1.532,50 com alimentação.
Mas a pergunta que fica é:
desse valor que parte é realmente aproveitada e consumida e que percentual vira
desperdício de dinheiro e comida jogada no lixo? Se considerar a média mundial
de que 30% dos alimentos são desperdiçados, essa família gastou R$ 459,75
com alimentos que, no final das contas, foram parar no lixo.
Quando se fala em hortaliças
– folhas, frutos, raízes e tubérculos -, que são um dos grupos de alimentos
mais perecíveis, o desperdício
beira metade de todos esses vegetais produzidos no mundo. “O prejuízo direto é sentido no bolso do consumidor
que poderia ter reservado esse dinheiro para educação, vestuário, lazer ou
investimentos”, enfatiza a pesquisadora, que enumera três regras básicas para o
melhor aproveitamento das hortaliças:
(1)
Saber cozinhar para aproveitar qualquer
hortaliça em diferentes pratos.
(2)
Ir ao mercado com mais frequência para evitar
estoque em casa.
(3)
Armazenar corretamente as hortaliças.
Quanto custa o lixo?
O consumidor paga a conta de
outra maneira também, visto que há prejuízos indiretos com o alimento
descartado no lixo como a própria gestão desses resíduos pelo poder público.
Todo munícipio destina uma fatia de seu orçamento para o tratamento do lixo e,
quanto mais dinheiro é utilizado para transportar e tratar o lixo, mais uma vez
menos dinheiro público está sendo aplicado em investimentos com saúde, educação
e segurança.
Há também um impacto ambiental dos alimentos que vão parar no lixo.
O consumidor paga a conta de outra maneira também, visto que há prejuízos indiretos com o alimento descartado no lixo como a própria gestão desses resíduos pelo poder público. Todo munícipio destina uma fatia de seu orçamento para o tratamento do lixo e, quanto mais dinheiro é utilizado para transportar e tratar o lixo, mais uma vez menos dinheiro público está sendo aplicado em investimentos com saúde, educação e segurança.
Há também um impacto ambiental dos alimentos que vão parar no lixo.
“Os resíduos orgânicos representam por volta de 50% dos resíduos urbanos gerados no Brasil. Quando descartados em lixões, geram contaminação do solo e da água devido ao chorume, atraem e favorecem a proliferação de vetores de doenças e emitem gás metano, um dos gases responsáveis pelas mudanças climáticas”, observa o analista ambiental Lúcio Costa Proença, do Departamento de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos do Ministério do Meio Ambiente.
Para minimizar esse impacto,
o poder público deve investir em aterros sanitários, com tratamento dos
líquidos, recobrimento dos resíduos com solo e queima dos gases. Contudo,
Proença sinaliza que a
destinação mais adequada para os resíduos orgânicos seriam os processos de
degradação controlada como compostagem e biodigestão. “Os resíduos orgânicos devem retornar ao solo de
forma segura, porém, atualmente menos de 1% dos resíduos recebem esse
tratamento”, adverte.
Os desperdícios por trás do
alimento que vai para o lixo passam por eixos sociais, econômicos e ambientais. “As ações individuais não são suficientes para a
resolução dos problemas estruturantes do sistema alimentar, mas é preciso
coordenar iniciativas nesses dois âmbitos para caminhar em direção à redução do
desperdício”, defende a pesquisadora.
“Com tecnologia
pós-colheita de hortaliças adequada mais alguns cuidados, é possível reduzir o
desperdício, economizar dinheiro e ajudar a proteger o meio ambiente”, registra Milza, coordenadora do projeto
“Hortaliça não é só salada”, que disponibiliza em um site,
entre outros conteúdos, informações sobre como identificar os produtos de
melhor qualidade, como acondicionar para que durem por mais tempo e como
consumir em diferentes tipos de preparações.
Acompanhe!
Leia todos os textos da
série “Hortaliça não é só salada”, que evidencia a problemática do
desperdício de hortaliças do ponto de vista do consumidor. Mais do que detalhar
o contexto ambiental e socioeconômico por trás do desperdício de alimento, a
proposta é mostrar como o incentivo ao consumo está atrelado ao melhor
aproveitamento da hortaliça para não resultar em desperdício nos lares
brasileiros.
1 - Projeto "Hortaliça
não é só salada!
Mais informação para menos
desperdício
Site incentiva consumo
consciente de hortaliças para evitar o desperdício
2 - Hortaliça e dinheiro não
se jogam fora
Os desperdícios por trás do
alimento que vai para o lixo
As proporções e os
desdobramentos do desperdício de alimentos: despesa censurável em um planeta
com recursos naturais escassos e finitos
Os insumos perdidos com o
alimento desperdiçado
Contabilizar os custos
implicados no desperdício de alimentos amplia a compreensão do sistema
alimentar e traz mais clareza sobre os impactos do desperdício na sociedade
O desperdício na ponta do
lápis do consumidor
Quando se fala em hortaliças,
que são alimentos muito perecíveis, perde-se quase metade de tudo o que se
produz no mundo
Quanto custa o lixo?
O alimento descartado como
lixo consome recursos naturais e financeiros na gestão dos resíduos pelo poder
público
3 - Quem quer saúde vai à
feira
Saúde é ter hortaliças na
mesa!
Hortaliças são alimentos
indispensáveis em uma dieta saudável e diversificada porque fornecem nutrientes
importantes como vitaminas, sais minerais e fibras
4 - Hortaliça combina com
todas as refeições
Versatilidade posta à mesa!
Conhecer diferentes preparos
é importante para aproveitar melhor as hortaliças e evitar seu desperdício
Abaixo a monotonia alimentar!
Hortaliças permitem uma
infinidade de combinações do café da manhã ao jantar: aproveite melhor e
desperdice menos!
5 - Como obter o melhor de
cada hortaliça
Não aperta que estraga!
O manuseio correto preserva a
qualidade e mantém as hortaliças próprias para consumo por mais tempo: ponto
contra o desperdício!
Geladeira, para quê te quero?
A refrigeração contribui para
aumentar a durabilidade das hortaliças e colabora com a redução do desperdício
A aparência te engana!







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